sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Emaranhado

Por ora me despi da arte, engavetei as ideias, pus na estante os capítulos rascunhados das histórias que eu mesmo criei.

Por ora virei máquina, engrenagem, ferramenta, coadjuvante, figurante, apenas mais um em cena, diluído num sistema que eu sempre critiquei.

Só reconheço em mim a poesia.

Brota feito o gérmen que colore a sua vida. Que não para. Que não pensa. Só depois então respira. E vira a paráfrase, a metáfora, a antítese e outras tantas figuras que liberto por aqui, neste emaranhado de palavras.

Minha verdadeira poesia é uma viagem solitária, uma visão particular, uma singularidade. Vem num ritmo, tal a água que percorre o rio e refresca e limpa e entra e filtra.

Na poesia eu me sacio.

Porque muito de mim é poesia e do pouco que sobra eu faço versos.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Ídolos


Eu nunca tive ídolos. Nem na infância, quando os filhos costumam achar que seus pais são super-herois. Até porque, meu pai nunca fez questão de esconder suas fraquezas nem seu lado de pobre mortal. E não encare esta frase como uma crítica ou uma confissão daquelas que a gente só faz depois de anos na análise. Nada disso. É apenas uma constatação racional. Nada mais.

Na adolescência, quando me interessei de verdade pelos livros, vi despertar uma certa simpatia pelos mártires e suas histórias de luta pela liberdade. Che Guevara era para mim o maior de todos. Não necessariamente fiz dele um ídolo. Sequer deixei-me levar pelo modismo e nunca pendurei nenhum pôster com sua tradicional foto nas paredes do meu quarto. Mesmo assim, ele era um mito.

Um pouco antes, entre a infância e a adolescência, teve o Zico.

Apesar de eu torcer - sem muita convicção, confesso - pelo Vasco da Gama, o galinho de Quintino representava muito mais para mim do que o artilheiro do meu time, Roberto Dinamite. Zico era um jovem humilde, de um talento extraordinário, boa praça, bom moço, do tipo família. Não que o Dinamite não fosse. Mas o Zico, ele sim, era para mim um exemplo.

Uma das lembranças mais bacanas que eu tenho desta fase em que eu me despedia da infância é justamente a de uma tarde, num feriado de dia das crianças, talvez, quando o Zico apareceu na minha rua, no subúrbio do Méier, para distribuir brindes de uma loja de esportes que tinha bem na esquina de onde eu morava. Lembro que no tal sorteio eu ganhei uma bola de futebol com a assinatura dele.

Nem por isso ele se tornou meu ídolo.

No segundo grau, atual ensino médio, tive um professor de geografia que fazia a cabeça de boa parte da minha turma. Inlcusive a minha. Articulado até dizer chega, Dinaldo - nunca me esqueci seu nome - era o tipo de professor que tinha total domínio sobre os alunos. Não me lembro de uma única vez em que tenha se estressado com a turma por conta de falatório fora de hora ou outro inconveniente qualquer. O respeito que ele conquistara fora por conta da consciência política que ele fizera despertar naqueles jovens filhotes da ditadura militar.

Era 1985. Tancredo Neves havia sido eleito indiretamente presidente da República, o primeiro presidente civil depois de 21 anos com o Brasil entregue aos generais. E por conta daquele professor de geografia eu li 'As veias abertas da América Latina', do Eduardo Galeano, que trago como referência de formação intelectual. Por conta daquele professor de geografia, até hoje acho que comer no Mac Donald´s é praticamente um crime inafiançável. Coca-Cola? Adoro. Mas tenho plena consciência da dominação yankee que aquela bebida dos deuses representa.

Tudo por causa daquele professor de geografia.

Mesmo assim, ele nunca foi meu ídolo. Posso garantir.

Mais tarde, já na faculdade, quando descobri o sentido da palavra antropofagia, foi que me uni socialmente, economicamente e filosoficamente a todos e a tudo. Daí para a desconstrução de qualquer mito, foi um pulo. Se eu já desconfiava que não havia diferenças, foi então que pude ter certeza de que éramos todos iguais. Nem melhores nem piores. Naquela época, cursando os primeiros períodos de uma faculdade de jornalismo, eu vivia a era das minhas certezas mais absolutas.

Eu poderia mudar o mundo. 'Yes, you can', era a minha frase muito antes do Obama - que de ídolo não tem nada - ter se apropriado dela.

Hoje as minhas certezas estão longe de serem verdades absolutas. Mas aprendi com o tempo a mudar de opinião. Aprendi que é do vento que se faz a brisa e o tufão. E assim como o Raul, eu também prefiro ser esta metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Afinal, a vida fica muito mais fácil quando se é maleável. Mas desconfio que esta maleabilidade só vem com o tempo, com a maturidade, ou seja lá que nome isso tenha.

Aos 41 anos, casado pela segunda vez, pai de três filhos e prestes a ter um neto - portanto, mais maleável que nunca -, penso que o tal sentido da antropofagia me desconstruiu e fez de mim o que eu sou hoje: aquilo que eu ainda não sei bem o que é.

Então, veio a dúvida: seria o Oswald de Andrade o meu ídolo?

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

#rio40caos


Eu estava de plantão no domingo, quando começaram a surgir as notícias dos primeiros ataques do tráfico na cidade. Um carro da aeronáutica tinha sido alvejado na Linha Vermelha e mais dois carros de passeio, incendiados. Para quem chegou na redação achando que o domingo seria mais animado por conta do show do Paul McCartney em São Paulo, ledo engano. A simpatia do velho beatle e a emoção de ouvir aquelas canções eternizadas no coração de uma multidão de fãs foram atropelados violentamente por uma sucessão de notícias cada vez mais sérias. Da Zona Norte à Zona Sul, o clima na cidade outrora maravilhosa era tenso.

O barril de pólvora finalmente havia estourado.

A editoria RIO estava mais movimentada que de costume. Eu, recém-saído de uma eleição presidencial, quando raramente ia para casa antes de uma hora da manhã, não estava achando nada demais naquela agitação toda. Na verdade, eu estava até gostando. É muito ruim plantão aos domingos. Cada hora parece ter o dobro dos minutos. Quase nada acontece. Temos poucas matérias para publicar. O jornal de segunda-feira é pequeno. Um tédio só.

- Puta que pariu!, gritaram lá do fundo da redação.

Washington, jogador do Fluminense, não está numa boa fase. Perdeu um gol feito. Mas tão feito que até eu, que tenho uma relação conflituosa com a pelota, teria marcado aquele gol. Ramona, da ECONOMIA, tricolor fanática, não se conteve e a partir daquele momento parou de escrever e ficou de pé, em frente à TV. Completamente vidrada. Para ela, nada poderia ser mais importante do que aqueles vinte e dois homens em campo. Ela só relaxou quando o São Paulo começou a afrouxar. Com dois jogadores expulsos no time paulistano e com o futebol importado do Conca, o time carioca encostava a mão na taça. Mas não teve muitos motivos para comemorar.

- Arrastão na rua das Laranjeiras!

- Tiroteio na Avenida Brasil!

- Mais dois carros pegando fogo!

Aquelas notícias que não paravam de chegar tinham um apelo muito maior do que a briga pelo campeonato brasileiro. Infelizmente. Se as fotos do carro da aeronáutica cravejado de balas já tinham me deixado impressionado com o atrevimento daqueles marginais, aquela onda de terror começava a me estressar.

Naquela noite eu voltei correndo para casa.

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Confesso que não consigo me lembrar exatamente da cronologia dos fatos e do que aconteceu na segunda, na terça e na quarta-feira. A cada dia que se passava a ousadia dos traficantes revelava não ter limites e a população do Rio de Janeiro fez-se refém. Mesmo que a rotina ainda se fizesse presente, o cidadão carioca, o fluminense, aquele que por aqui é bem acolhido, seja ele de onde for, estava de sobreaviso. Alguma coisa muito ruim estava acontecendo na nossa cidade. E a transmissão era online. On time. Full time.


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Quinta-feira. 10h10. Claudia está atrasada para o trabalho. A faxineira não chegou ainda. A pia está cheia de louça. O balde cheio de roupas. As crianças não escovaram os dentes. Um quer pão, outro quer continuar dormindo.

- Acho que ela não vem, eu disse.

- Quem?

- A filha-da-puta da Andréa. Volta e meia ela faz isso. Não dá para confiar!

Claudia concordou comigo, mas no fundo sabia que eu não ia deixar a casa desarrumada.

Em questão de segundos ficamos só eu e o cachorro. Antes que ele cismasse de marcar território, vesti minha bermuda, escovei meus dentes, peguei a coleira e quando eu já ia saindo, dei de cara com a Andrea, a filha-da-puta, entrando pela porta da cozinha.

- Bom dia, Márcio. Claudia já foi? Tive de ir ao médico antes, ela disse com a cara-de-pau mais saudável do mundo.

- Quer um Targifor? Pela quantidade de louça e de roupa, você é capaz de precisar, ironizei.

- Não. Sou alérgica.
(E debochada, eu pensei.)

11h10. Obrigações matinais com o cão em dia. Calor. O sol resolveu aparecer em meio ao caos. De sunga e com Ó debaixo do braço, vou para a piscina. Uma ducha para aliviar o suor. Uma pausa no noticiário. Uma boa dose de vitamina D. Outras tantas braçadas de uma borda a outra e a certeza de que preciso voltar a me exercitar urgentemente.

13h30. Na Globo News, imagens do caveirão do Bope tentando furar umas barreiras na Vila Cruzeiro. Um caminhão atravessado numa viela impede a passagem dos policiais. Focos de incêndio se espalham pela comunidade. Nas lajes, moradores acenam com panos brancos pedindo paz. Mais de 200 soldados do tráfico cruzam o alto de um morro numa rota de fuga que, não se sabe bem como, os homens do Bope não conseguiram evitar. Apenas um tiro acerta a perna de um dos bandidos. A cidade para para ver.

#rio40caos.

15h45. Rua de Santana. Padaria perto do jornal lotada. Todos ligados na TV, feito final de copa do mundo ou algo parecido. Na redação, o clima é enlouquecedor. Se normalmente já fala-se muito na redação, naquela tarde em especial, o falatório era geral e a certeza era uma só: o Rio de Janeiro estava em guerra.

Se o Palocci ia para a Casa Civil ou o Paulo Bernardo para a Secretaria-Geral da Presidência, pouco importava. Se o Sílvio Santos vai falir, se as ações da Petrobras vão cair ou se a Anac está preocupada com o caos aéreo no final do ano, isso também pouco importava. O Fluminense? Não se ouviu falar mais dele. O que importava era o clima de violência desenfreada que os cariocas estavam vivenciando e a busca frenética pela melhor cobertura jornalística. Mais nada.

Por mais cansativo e tenso que pudesse ser, foi bonito ver aquele mutirão de jornalistas comprometidos com o ofício de informar. Todos, de todas as editorias, deram sua contribuição naquele momento. Histórico, eu diria.

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Em meio a tudo isso, Gus, um amigo meu, publicou numa destas redes sociais que o coronel Nascimento, do filme Tropa de Elite 2, é uma mentira, que ele não existe e que nós, a população da cidade, deveríamos ir para as ruas exigir do Estado que ele faça o seu papel. Eu nunca tive ídolos na minha vida. Nem unzinho sequer. Mas cheguei a pensar que o (tenente-) coronel Nascimento pudesse mesmo se tornar uma espécie de heroi nacional, pois o discurso daquele personagem inserido na história daquele filme tão real é o discurso que trazemos engasgados há décadas. A famosa cena da surra no político corrupto é a catarse de um desejo coletivo.

Não sei se vale a pena ir para as ruas e dar uma surra em cada político que encontrarmos pela frente. Pelo menos por ora não. Pensei num abaixo-assinado pela PAZ, nos mesmo moldes do que fizemos com o Ficha Limpa, mas neste caso teria o mesmo efeito de abraçar uma lagoa.

Enquanto eu penso no que fazer, exército, polícia federal e polícia militar cercam o Complexo do Alemão com um efetivo de quase mil homens para combater não se sabe bem ao certo quantos traficantes. São cerca de 400 mil moradores naquela região. Todos, sem exceção, vítimas do descaso.

Assim como eu e você.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Ele voltou!

Foram mais de 3 semanas sem computador. Nem sei como consegui sobreviver. Mas ele voltou, e eu também, com a corda toda. Me aguardem!!

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Em manutenção

Acho que devo uma explicação aos meus fiéis (!!) seguidores por conta da ausência de textos nestas últimas semanas. Além da falta de tempo, meu notebook e meu PC resolveram tirar umas férias e... pifaram. Portanto, dependendo do orçamento, volto a escrever por aqui em breve.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Impressões


Acabou.

Terminou na noite desta sexta-feira uma das campanhas eleitorais mais feias de que já se teve notícia por aqui. A começar por um primeiro turno morno. Requentado apenas pelo pipocar de escândalos alimentados pela mídia. Dia após dia. Um primeiro turno tão morno que, no último debate da TV, os principais candidatos sequer se confrontaram. Um equivocado duelo entre covardes.

Ao menos foi o que me pareceu.

Sem que se pudesse piscar, começava o segundo turno. Outro clima. Mais pressão. Uns amam. Outros tantos odeiam. O cansaço deixando marcas na expressão de todos. Na redação, as folgas ficaram para depois. Antes, as notícias. De preferência em primeira mão. Exclusivas. Se fosse um furo, seria a glória.

Já no primeiro confronto na TV com apenas os dois candidatos, ficou claro que o tom do segundo turno seria áspero e que o jogo seria duro. Acusações. Escândalos. Boatos. O pior dos mundos. Tudo aquilo estampando as manchetes dos jornais diários. Uns até tomaram partido. Uma amiga brigou comigo numa destas redes sociais porque eu discordei de uma opinião dela e ela discordou de uma opinião minha.

Normal. Eu estou mais que acostumado.

Prova de que, se a campanha nas ruas teve direito a ataques com bolinhas de papel e balões com água, na internet o clima também esquentou. Dos que haviam esverdeado, muitos desbotaram e não tomaram partido. Porém outros, foram botando os bicos e as estrelas de fora e cada vez mais assumiam em qual lado estavam. Na eleição dos 140 caracteres, as redes sociais muitas vezes se transfomaram em tribunas da verdade alheia. Podia-se concordar. Ou não. E discutia-se. E tentava-se provar que A estava errado, embora B nunca estivesse certo.

Vídeos difamatórios multiplicavam-se numa velocidade estonteante e que nos deixava sem saber o que ainda poderia surgir. Foi então que vi o cenário da estratégia de marketing digital tupiniquim antropofágica montado. Complicado. Na tenativa de trilhar um caminho parecido com a campanha do Obama nos EUA dois anos antes, nossos cientistas políticos - ou publicitários, ou marqueteiros, ou seja lá o nome que se queira dar - ficaram pelo caminho e não entenderam nada. Ou então, viram o lado mau da força.

Era assim que eu pensava.

Enquanto escrevo este texto, a campanha ainda não está decidida. Só saberemos quem vai governar nosso país pelos próximos quatro anos no domingo, quando a última urna tiver sido apurada. Até lá é só especulação e uma ou outra pesquisa que se possa confiar. O último encontro dos candidatos na TV nesta eleição terminou há pouco. Levou para a TV eleitores indecisos e suas dúvidas foram traduzidas em perguntas. Os candidatos ficavam no centro, feito leões jogados numa arena.

Sem dúvida, um debate num formato inovador e que teve o mérito de encerrar esta campanha, tão marcada pelo excesso de baixarias e pela falta de propostas, com uma discussão onde os candidatos conseguiram ao menos manter um certo nível. Sabiamente, a regra do último debate proibia que os candidatos fizessem perguntas entre si. Desta forma, as acusações saíram de cena. Os protagonistas foram os eleitores - e seus nomes pra lá de estranhos - de cada região do país presentes naquele estúdio. Só então surgiram as propostas.

E eu fiquei com a nítida impressão de que já era tarde.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A dúvida




Se tem coisa que eu detesto, é hipocrisia. Mas vivo mergulhado nela. Por onde quer que eu ande e para onde quer que eu olhe, dou de cara com a hipocrisia.


E não estou aqui tentando me eximir da culpa de ser hipócrita, porque eu sei que sou hipócrita. Você também é. Não se engane. Afinal, todo mundo veste suas máscaras. Somos o que costumo chamar de sociedade dos mascarados. Mascaramos a nossa realidade, mascaramos nossos sentimentos, mascaramos até nossas vontades.

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Esta semana a sociedade brasileira foi às urnas esolher novos representantes. Centenas de políticos foram eleitos por todo o país. Senadores, deputados, governadores. Palhaços, até. Na maioria dos estados tudo se resolveu já no primeiro turno e a eleição agora praticamente se resume a quem vai ocupar o cargo de Presidente da República. São dois candidatos. Um homem e uma mulher. Nenhum representa o discurso da mudança. A novidade? Se houve, ficou de fora, no ambientalismo político da outra candidata, terceira colocada.

O segundo turno não me pegou de surpresa. E nem me tirou a esperança, diga-se de passagem. As mais recentes pesquisas apresentavam indícios de que teríamos de voltar às urnas em 31 de outubro. Uma tal onda verde arrastou uma multidão de eleitores e por pouco não se torna uma tsunami, ameaçando a candidatura de um dos dois candidatos que estava na frente. Talvez - e isto não é nada mais nada menos que uma suposição - se a campanha tivesse mais umas duas ou três semanas, o quadro fosse outro e a discussão fosse mais propositiva do que caluniosa.

Já disse aqui mais de uma vez e repito: esta foi uma campanha atípica. Começou dois anos antes, quando o criador resolveu aparecer com a sua criatura. Ali - de um modo que só um político que sabe muito bem o que quer, faz - dava-se início à corrida eleitoral. Todos os dias, nas páginas dos principais jornais, lá estava a criatura junto ao criador. Quando a criatura já tinha nome e sobrenome, começou a ser fotografada sozinha. Já tinha vida própria e já gerava pauta sem se esforçar. Especulações. Teorias. Denúncias. Câncer. Temer. E assim, aos poucos, surgia oficialmente uma candidatura.

Do outro lado, uma oposição sem um líder, sem uma voz que a representasse de verdade e que se sobrepusesse ou que ao menos falasse de igual para igual com o criador. O criador era o cara e a cara da oposição não surgia. Por várias vezes tive a impressão de que a oposição não sabia o que fazer. Falavam muito. Especulavam. Enraiveciam. Ouvi soar os tambores de Minas, mas não sei se por esperteza ou se por vaidade, os tambores não ultrapassaram suas montanhas. Demoraram a dar a cara a tapa e eis que surge então o candidato. Aquele. O mesmo que já se esperava que fosse. Discursos. Frases feitas. Promessas. Saúde. Falta de carisma, de vice. E assim, aos poucos, surgia a candidatura da oposição.

Pouco se discutiu a respeito de política de lá para cá. Só escândalos e denúncias. Estes não faltaram. Para se ter noção do quanto esta campanha foi atípica e, por que não?, chata, basta lembrar do último debate do primeiro turno. Não houve o enfrentamento que se esperava. Os candidatos mais bem colocados nas pesquisas se evitaram e o que se viu na TV - disponível no Youtube perto de você - daqui a alguns anos vai virar tese de doutorado de um aspirante a cientista político.

O segundo turno, claro, não poderia começar bem. Questões que deveriam ser tratadas sob a ótica da responsabilidade e do esclarecimento estão sendo usadas como armas numa guerra suja e de viéis moralista e, portanto, hipócrita.



Esta campanha, além de atípica, está feia.

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Há dois anos eu fiz parte de uma equipe vitoriosa que elegeu um prefeito numa campanha no mínimo emocionante. Quando nós chegamos na cidade, o então candidato estava em segundo lugar com tendência de queda. Pelo menos era o que apontavam os estudiosos. Ele teria de disputar votos com aquele que por anos foi seu pior inimigo político. Era um embate quase que familiar. A outra candidata era uma mulher que corria por fora, era da onda vermelha, e nunca havia se candidatado a nenhum cargo público. Ela enchia a cidade de margaridas e de discursos acadêmicos enquanto meu candidato, um digno representante da classe dos almofadinhas, arregaçava as mangas e ia apertar a mão de cada morador daquela cidade.

Ele descobriu que tinha carisma e eu descobri mais ou menos como é que se constrói um astro pop - com as devidas proporções, claro.

Aquele que um dia foi considerado de elite, agora era o candidato do povo. O seu pior inimigo tinha ficado para trás e o foco era ela: a acadêmica, a mulher, a novidade, a mudança. Só que ela esqueceu ou não sabia que para governar ia precisar de um programa de governo. Foi então que não perdoamos. Aquela era uma candidata sem programa de governo, repetíamos exaustivamente. Já o meu candidato, este tinha pelo menos 45 pontos que poderiam ser discutidos em seu programa, devidamente impresso e distribuído.

Ganhamos de virada.

Desde então me pergunto se não fui hipócrita naquela campanha.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Diários I

Escrevo por ansiedade. Não que eu saiba escrever ou mesmo entenda o que escrevo. Não. Eu finjo. Desde que soube que todo poeta é um fingidor que eu finjo. Invento os versos. Conto as histórias. Junto frases despudoradamente, confesso.
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Eu preciso parar o tempo, me esconder das horas, fugir dos minutos. Há poucos segundos corri na janela em busca de um vento. Estava mesmo sem ar. Então invento histórias para prestar atenção em mim. Um estalar de coisas, de cores desconexas, de frases que refrescam as tintas nas minhas paredes. Feito a pele branca que me encosta e eu me enrosco, toco, aliso, quero e gozo.
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Pode ser que ao abrir os olhos eu não me reconheça. Pode ser que assim, depressa, tudo passe e eu nem perceba. Por que risco o traço sem certeza? Isso pouco importa, tanto faz. Eu fiz e sou e sigo as mesmas pistas de anos atrás.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Mataram Romeu Tuma


Não vejo a hora destas eleições terminarem. De uns tempos para cá, meus dias têm sido consumidos por escândalos, falta de propostas, polêmicas e conspirações. Acrescente mais umas doses de tensão e responsabilidade com o fechamento da editoria de política da versão online do jornal em que trabalho. Este é basicamente o meu dia a dia. Eu vivo tenso. Mesmo que aparentemente eu esteja tranquilo, é só fachada. Eu vivo tenso. Por sorte pratiquei ioga antes de encarar esta rotina de jornal. Então eu paro, respiro e penso.

Hoje minha mulher me telefonou. Ela normalmente liga num horário péssimo, que é quando me reúno com o editor para saber quais matérias vamos dar de manchetes do dia seguinte. Eu e ela conversamos rapidamente em meio a um turbilhão de vozes que ecoavam das mais variadas editorias.

- Mamãe vai fazer cabrito assado amanhã e quer saber se você vai almoçar lá, disse ela num tom provocativo, ciente da minha tara por cabrito.

- Tipo de coisa que você não precisa nem me perguntar, respondi.

- Estou com saudades, ela deixou escapar.

- Te amo, falei baixinho.

O som das dezenas de TVs e rádios ligados nos mais diferentes canais não combinava com o clima de declarações do casal. Os resultados das mais novas pesquisas do Ibope para governadores e senadores de todo o Brasil abreviaram ainda mais nosso sopro de romantismo.

Em noite de pescoção é que não dá para ter romantismo mesmo.

[Pescoção, para quem não sabe, é a sexta-feira nas redações dos jornais diários. Dia de fechar, além da edição de sábado, a de domingo. No pescoção, que não tem ombro, vai-se madrugada adentro.]

Entre uma publicação e outra, tenho de dar uma olhada nas agendas dos candidatos. Tanto para presidente quanto para governador. Tem sempre aqueles que deixam para publicar suas agendas tarde da noite. Muitas vezes já passa da meia-noite quando chegam as danadas das agendas. Mas eleição é assim mesmo. Eu, que já estive no centro de algumas, sei bem como é isso.

Pausa para o banheiro. São quase oito da noite.

Volto para meu lugar. Ainda preciso acrescentar umas informações numas matérias. Daqui a pouco, no Jornal Nacional, sai a nova pesquisa Ibope sobre a corrida presidencial. Começo a pensar no texto. Dou uma twuitada para ver se algum jornalista adiantou o resultado, mas nada. Vou ter mesmo de esperar pela Fátima Bernardes.

- Tuma morreu!, alguém anunciou na redação.

- Cuma?

- Morreu. Está aqui na internet.

- Estava internado há mais de um mês no Sírio e Libanês, em São Paulo.

- Tinha câncer.

- Confirma isso aí. Morreu mesmo?

Corri pro Google e, ao digitar o nome do senador Romeu Tuma, duas matérias em dois sites respeitados e com credibilidade reconhecida noticiavam a morte do político. Poucos minutos depois, e numa velocidade que só mesmo o mundo virtual tem, milhares de pessoas já replicavam aquela notícia na rede.

- É notícia falsa. Tuma não morreu, gritaram lá do fundo.

- A família está desmentindo, disse um.

- O hospital também, disse outro.

- Ainda bem que não publicamos nada no site, eu pensei.

Mas o estrago estava feito. Romeu Tuma, ainda que a beira da morte, estava vivinho da Silva e seu nome havia entrado para os trends topics do Twitter, uma espécie de 15 minutos da fama no mundo dos 140 caracteres. Imagino que deva ter gerado um certo mal estar para os jornalistas que publicaram nos sites as matérias que anunciavam a morte do senador. Estas notícias a gente tem sempre de apurar. Com ou sem apuração, são fatos como estes que divertem, ensinam e ficam para sempre gravados na história de uma redação.

Romeu Tuma não foi minha manchete na página esta noite. Outras tantas matérias, sim. Termino de publicar tudo. Vídeos, textos, áudios, diagramação. Tudo em ordem. São uma e quinze da manhã. O motorista do jornal já está me esperando. Estou louco para chegar em casa. Chove um pouco. O chão molhado indica que já choveu bastante. Nem me dei conta. Entro no carro, chego o banco um pouco para trás, coloco o cinto. Estou sem sono. Seu Maurílio, o motorista, diz que ainda vai encarar a estrada para Juiz de Fora. Penso no plantão do final de semana às vésperas da eleição.

- Vai bater, eu disse assustado, vendo o carro do jornal derrapar em direção a uma van parada na Presidente Vargas.

Seu Maurílio conseguiu desviar. Por sorte. Eu poderia ter me machucado seriamente. Culpa de um irresponsável num carro estilo jipe importado, que passou por nós num ziguezague a cem por hora. Cheguei a anotar a placa do incosequente. Ou delinquente, sei lá.

- Numa dessas é que morre gente inocente por aí, esbravejou seu Maurílio.

O bom desta história é que ninguém morreu. Nem o Tuma nem eu.

Chego em casa, está tudo tranquilo. Todos dormem. Menos o cachorro, claro. Abro a porta da varanda, faço um carinho nele, ele pula no meu colo, me dá umas lambidas. Sente saudades, acho.

Ligo a TV. Duas da manhã. Reprise do programa da Astrid. Ela não sabia que o prazo para tirar a segunda via do título de eleitor havia sido prorrogado e nem soube explicar ao certo o empate na votação da Lei da Ficha Limpa que movimentou o SFT na noite anterior. Tive impressão que a Astrid não sabia mesmo muitas coisas. No seu programa, que passa ao vivo entre sete e oito da noite, ela também confirmou veementemente a morte do Romeu Tuma.

- Mal informada, eu ria sozinho.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Meninos




Esta semana foi aniversário dos meus filhos mais novos. Um fez nove e o outro, sete. O mais velho completou 20 anos em abril. Quando ele nasceu eu ainda era um menino, assim que nem ele é hoje. Aqui em casa são três meninos. Cada um com uma personalidade diferente, mas todos se parecem. Eu, que também sou diferente deles, me reconheço em gestos distintos de cada um daqueles três meninos. O modo de falar de um, o gosto apurado de outro, o humor, o porte, o olhar, os gestos. Cada um daqueles três meninos carrega muito de mim.

- É este o verdadeiro sentido da palavra reprodução - digo para mim mesmo.

Eu sou do tipo que acredita em vida após a morte, mas mesmo que eu não acreditasse, eu teria a certeza de que muito de mim vai seguir com meus meninos depois que eu terminar o que tiver de fazer por aqui. Com eles eu perpetuei a minha espécie, são continuações de mim. E olha que faz anos eu li um livro que falava sobre a filosofia perene, aquela que segue, que continua, que não tem fim. Eu lembro de ler tal livro dentro do metrô, voltando do trabalho. Eu era recém-formado. Um menino. Eu lia e pensava na vida e em como todos os fatores externos mudam a cada momento e em como estes fatores nos afetam. Aquele livro me ensinou que alguma coisa em meio a tantas mudanças permanecia.

- Eu só não entendia bem o que era - confesso.

'Sei que vou morrer mais tarde' é a frase com que começo um poema que escrevi ainda antes de entrar para a faculdade. O que talvez possa soar mórbido, trata-se de uma das maiores declarações de amor à vida que eu já fui capaz de expressar. Mesmo que naqueles versos eu deixassse claro que a história teria fim. Até porque, parte dela termina mesmo. A parte que envelhece, que se curva, que enrijece, que se cansa e que um dia para. Feito máquina. Nestas horas olho para os meus três meninos e vejo pulsando em cada um deles um pouco de mim.

- É como a centelha que nunca se apaga - eu penso.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Nonsense




O texto que vocês vão ler abaixo não é uma história de ficção. Aconteceu de verdade numa destas redes sociais que brotam na web. Um mal intencionado, já a fim de criar polêmica, postou uma espécie de viral político. Agradou a alguns. Desagradou a outros tantos. Do nada surgiram comentários que resultaram num entrave bolchevique versus czar de fundo de quintal. O mal intencionado foi obrigado a intervir. O nível das ofensas extrapolou e beirou o nonsense.

Foi então que comecei a achar graça.

O fato de conhecer dois dos personagens centrais da história talvez tenha contribuído para que eu montasse a cena todinha na minha cabeça. Ao ler as frases eu conseguia ouvir a voz de um e de outro. Sabia exatamente o acento que cada um carregava nas palavras escritas ali, soltas naquela página da internet. Ou melhor, presas e devidamente registradas num site de relacionamento.

Imaginem um filme. Três grandes personagens. O primeiro é o mal intencionado, o que gosta de ver o circo pegar fogo, o que lança as polêmicas. O segundo é o pilhado, aquele que não tem noção de limites. Inteligente. Estudado. Mas, como eu disse, não tem noção de limites. O terceiro personagem escreve errado. É o representante da classe trabalhadora, a voz dos oprimidos. O segundo e o terceiro em instantes se transformam em inimigos mortais. Há uma batalha verbal, virtual, surreal entre eles.

Resolvi reproduzir os diálogos praticamente como foram escritos. Suprimi apenas personagens e nomes reais por fictícios para não comprometer nem A, nem B, nem C e muito menos me comprometer.


Com olhos de espectador foi que me diverti:

Quarta-feira. 21h52.
Mal intencionado publica um viral em sua página pessoal.
Em instantes começam a surgir alguns comentários. Alguns com erros gritantes de português.

Quarta-feira. 21h58. Bolchevique diz: A burguesia fede mas tem dinheiro pra comprar perfume, né? Esse comportamento de vcs é só mais uma prova do condicionamento burgues de vcs. Vão pras ruas e ousasm (ouçam, por favor) as pessoas POBRES.

Assim mesmo, tudo em caixa alta.

Quarta-feira. 22h22. Mal intencionado diz: ‎"Nunca na historia desse pais (sem acento) houve tanto dinheiro derramado em propaganda (sem vígula) companheiros". Alex meio programa da daquele pertido coisa feia, dava pra fazer 2 longas metragens e acho que umas 15 peças de teatro!!!! pensa nisso....ou vc ta ganhando bolsa familia tambem???/ bjs e saudades.

O mal intencionado não é dos piores. Tem muitos amigos. Começa aquela troca de mensagens carinhosas entre trogloditas que se conhecem há anos. Um sacaneia o outro. Coisa normal ente crianças na faixa dos trinta anos.

É aí que o nosso segundo personagem principal entra em cena.

Quinta-feira. 21h06· Czar se metendo onde não é chamado diz: Acho engraçado esses ataques à "burguesia" mas que não defendem tal candidatura. Atacou a burguesia, o estilo da roupa, mas não falou sobre os fatos apresentados aqui. Quero ver defender a candidatura e suas contradições apresentadas nesse vídeo...?

Quinta-feira. 21h28. Bolchevique sem entender diz: CUMA?????

Quinta-feira. 21h31. Czar gentil diz: Lê o texto mais 3 vezes que você entende.

Quinta-feira. 21h39. Bolchevique sem acreditar na grossseria diz: Acho que o companheiro quer uma posição mais clara. Se formos devender contradições para defender-mos (sic) um ponto de vista; nada nessa vida merecerá uma defessa (ôpa). A contradição é uma condição humana; não estamos livres dela, sem antes nos livra...r-mos (êita) de nosso ego, companheiro!

Quinta-feira. 21h44. Surtado diz: Eu quero que o companheiro se foda! Isso aqui não é lugar pra babaca nenhum vir me dizer o que eu devo pensar, dizer ou agir! sai fora camarada!

Quinta-feira. 21h45. Czar engajado diz: Eu defendo que as regras de trânsito devem ser respeitadas mas já cometi infrações. Políticos pregam por governos honestos e desviam milhões. Ambos estão em contradição, mas como tudo na vida, existe o mal e o pior. O filho da Cissa Guimarães estava andando de skate no túnel ilegalmente. O seu algoz, também. No entanto, a ilegalidade do ato do primeiro seria incapaz de tirar uma vida. Já o do segundo, não. O errado e o imperdoável. O direito, arte da defesa, usa justamente as contradiçoes para desvendar e desmascarar a impunidade. Dentro das variadas formas de defender um ponto de vista, é justamente através da contradiçao que se defende um ponto de vista num tribunal.Peço novamente, defenda a candidatura sem desviar a conversa para termos defasados como "podre burguesia", coisa que você não fez até agora nos seus inúmeros comentários.

Quinta-feira. 22h10. Bolchevique perdendo a razão diz: PIIIIIIIIIIIIIIII...


Quinta-feira. 22h11. Czar com vontade de brigar diz: calculo que vc esteja falando com outra pessoa, visto que nunca me adequei a tal terminologia (i.e. companheiro, camarada). Termilogia tão fora de moda, por sinal, que não se aplica nem mesmo na atual Rússia.

Quinta-feira. 22h11. Bolchevique chutando pau da barraca diz: Ok. E vai tomar no cú ainda está em moda?

Quinta-feira. 21h11. Czar já completamente pilhado diz: Está. Só que hoje em dia não é mais ofensivo. Pelo contrário, fala-se até para agradar alguém. Exemplo: você ganha um presente surpresa e fala: Ah, vai tomar no cú!!!Para ser ofensivo tem que dar endereço ao cú. VAI TOMAR BEM NO CENTRO DO S...EU SEBENTO CÚ!!!Se tiver mais coisas a aprender, é só perguntar.P.S.- No entanto, CUMA, está bastante fora de moda. Eu tiraria esse termo Didi Mocó do seu vocabulário.

Quinta-feira. 23h16. Mal intencionado tenso e carregando no sotaque diz: Ô, coquinho (o apelido do Czar é coquinho), vc tomou o q hj???? A personagem daquele vídeo, além de ser mentirosa arrogante, é mt feia e eu odeio mulher feia...e tem uma outra chata que nao fala nada com nada...putz e tem quem começou com essa merda de proibir o cigarro!!!!! Todos uma merda!!!!!! vou votar em papai noel!!!!!!! Sai de mim mulher feia

Quinta-feira. 23h44. Intruso diz: coquinho deixa de ser otário cara, tá querendo tirar onda de que? deixa de cafona cara, seu lugar é no orkut, lá que povo gosta de se meter na conversa alheia... deixa de ser baixo astral! E vai fazer um cursinho de coste (la coste?) e costura já que vc gosta tanto de moda assim!

Quinta-feira. 23h46. Czar que já virou coquinho diz: Pensou para caramba e veio com esse trocadilho sem graça sobre moda...? Ô, mal intencionado, o seu colega da claquete falsificada me manda tomar no cú sem me conhecer, e você pergunta o que eu tomei? Mas já estou acostumado com pessoas que votam neste partido mas não conseguem argumentar o porquê. É realmente uma missão difícil. Tem que se recorrer a ofensas mesmo. Obviamente, isso demonstra o fraco poder de argumentação dos seus caros colegas, mas isso é outra história. Agora, quero ver me perguntar ao vivo se tomar no cú, tá na moda. No facebook é fácil. Quando vier ao Rio, me apresenta para ele. Posso dar um workshop sobre outras utilidades para uma claquete.

Quinta-feira.23h48. Bolchevique boca-suja diz: é pq eu não fico plantado diante do computador.... tenho mais o que fazer ô babaca. tô dizendo que vc é muito tosco filho! Quem aqui vai votar naquela candidatura? só se for vc! quem tá fazendo papel de homenzinho revoltadinho aqui é vc, mando vc tomar no cú ao vivo do jeito que vc quiser! E enfio a mão na sua cara a hora que vc quiser... prego... procure saber quem eu sou pra depois dizer que minha claquete é falsificada, e sobre utilidades da claquete eu ensino na minha segnda aula na universidade. Não sou cara de workshopzinhos não, cresça e apareça! vc deve tá na TPM procura outro pra encher o saco, hoje é quinta-feira, toma um banhozinho e vai caçar um homem na rua cara e me deixa!

Sexta-feira. 14h23. Mal intencionado acorda, lê e diz: sabia que vc dois iam se amar!!!!! incrivel!!! o lance vcs tem que se conhecer!!!!!


Sexta-feira. 15h30. Bolchevique curto e grosso diz: tb acho

Sexta-feira. 15h31. Coquinho czar diz: Eu faço questão de conhecer. Pode demorar o tempo que for. Mas, quando isso acontecer, vai ficar muito feio se afinar. Já vi o físico da criança... Só não dá para ser em Muriaé pq é longe pra caralho.



Sexta-feira, 17h13. Mal intencionado preocupado diz: chegar no Rio vamos nos encontrar e conversar!!!!!!


Sexta-feira. 17h18. Bolchevique espantado diz: Muriaé??? ixiiii o cara tá na minha cola... mas com uns 7 meses de atrazo (assim com z) rssss .... afinar?... não me conhece mesmo!

Sexta-feira. 17h18. Coquinho já no ringue diz: Pelo q vi da sua foto, afinar não se aplica mesmo a vc. Já engordar...


Sexta-feira. 17h19. Bolchevique solta o verbo: Caralho vc é doente! Chato e carente! PQP me erra cara!


Sexta-feira. 17h22. Czar superior diz: Vou equiparar o seu nível infantil: vc é gordo, feio, estrábico e quatro olhos. Nhonho do caralho. nananinaná.


Até o encerramento deste texto nenhum personagem fez mais nenhum comentário.


E, que eu saiba, ainda não se encontraram.


sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Sozinho


Tenho andado muito tempo sozinho. Por mais que eu encontre pessoas no decorrer do meu dia - não são poucas - tenho me sentido sozinho. Desde que mudei de jornal tenho vivido um certo clima de 'Feitiço de Áquila', aquele filme em que os personagens principais só se viam por instantes. Chego em casa, mulher e filhos dormindo. Assim que eu pulo da cama, eles estão de saída. Dá tempo para um beijo, um olhar carinhoso, um abraço de bom dia.

Fecho a porta.

Fico eu e o cachorro, que não fala, mas me pede para sair. Coleira na mão, hora do meu exercício diário de esquizofrenia. Subo pela rua meio que tentando travar um diálogo com o cão. Ele caga e anda, literalmente. Eu vou e limpo.

Volto para casa. Quase meio-dia. Bate a preguiça junto com a culpa e vou malhar. Mais devagar que nunca. Academia praticamente vazia. É hora de almoço, outro clima. Ali não sinto vontade de conversar. Só vou mesmo para suar, liberar umas toxinas e não deixar a máquina enferrujar. Isso tudo em uma hora, no máximo.

Em quinze minutos eu ando da academia até minha casa. Sozinho. Abro a porta e o vira-latas lá, abanando o rabo. Eu olho para ele e me dá uma agonia danada daquela vida de cão. Volta e meia dá uns latidos. A vizinha do andar de cima dia desses subiu comigo no elevador e disse que calopsita dela tinha aprendido a latir com o meu cachorro. Perguntou se eu já tinha ouvido a calopsita dela latindo.

- Não, nunca. Leva ela no 'Se vira nos trinta' - eu respondi.

Quase nunca falo com vizinhos.

Saio de casa já no meio da tarde. Tenho tentado ler um livro no trajeto casa-jornal, mas ainda não passei da página 22. Num instante estou na redação, onde fala-se muito sobre muitas coisas. A baixa umidade do ar e os incêndios por todo o Brasil têm me chamado a atenção em meio a tantos resultados de pesquisas eleitorais.

A impressão que se tem é a de que o jogo está ganho e eu cada vez mais tenho certeza de que esta é uma eleição atípica. Campanha que começou antecipadamente. Tudo muito bem planejado, bem arquitetado. Como só os mais inteligentes são capazes. Tenho cá minhas teorias a respeito da história recente da nossa política. Se há oito anos o Brasil estava ávido por mudanças, hoje a realidade é outra. Presenciamos o surgimento de uma era de continuidade e de uma classe média e uma oposição perdidas.

- Preciso conversar com uns amigos sobre isso, eu penso.

Penso também na Claudia e nos meus filhos. Preciso de mais tempo.

Eu tenho andado mesmo muito sozinho.

sábado, 21 de agosto de 2010

Rascunhos


Gosto da poesia que a vida me traz.

Gosto da vida que a poesia me faz.

Dos versos que ouço. Daquilo que eu digo.

Do pouco que eu vejo. Do muito que eu sinto.

Eu tenho mesmo muitas frases prontas rabiscadas no canto de um papel.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Delicadeza


Muitas vezes penso que minha vida é como um filme. E eu, no meu papel de protagonista a buscar meu próprio personagem. Estranho. Não que eu prepare um texto ou tente dirigir o que quer que seja. Longe disso. Até porque, acho que sou bom no improviso mesmo.

Confesso que foi com o tempo que aprendi a ter foco.

Sempre gostei de planos mais fechados, daqueles bem de perto, e minha vida sempre teve uma trilha sonora. Mas é verdade que vivo em busca de um bom roteiro. Exatamente como dizem por aí muitos atores com registro no sindicato.

Mas o meu registro é o que fica na memória, principalmente na memória afetiva.

Acho que já disse aqui, mas tenho mania de guardar só as boas lembranças. Sou do tipo, também, que não gosta de filmes tristes. Dificilmente eu pago para chorar. O último filme que vi e que me fez chorar foi A Partida. Japonês. Sensível até minha última vértebra. Chorei com vontade e feliz de estar chorando por um filme tão bonito. Como se eu, no meu papel de protagonista, percebesse ali, naquela sala de cinema, toda a minha capacidade de me emocionar. Talvez vocês não entendam. Só mesmo vendo o filme.

Outro dia comentei com um cara que conheci lá no jornal que eu tinha vontade de fazer um filme sobre a delicadeza. Talvez ele tenha achado meio estranho ouvir isso de um peludo com voz grossa feito eu. Mas é a mais pura verdade. Eu tenho mesmo muita vontade de fazer um filme onde eu vá de encontro à delicadeza das pessoas. Um filme para mostrar o lado mocinho de cada um de nós, seres humanos, já que há muitos vilões por aí.

Seria um road movie em busca da delicadeza perdida. Por que não? Imagine o Brasil como cenário e o povo todo como protagonista. Não há coadjuvantes nestas histórias que eles mesmos vão nos contar. Seremos meros observadores. Atentos. Surpresos com nossa capacidade de pensar e querer e realizar coisas boas.

Este mesmo cara que conheci lá no jornal me disse, não sei se no mesmo dia, que todos os gênios são mal humorados. Tive de discordar dele. Disse-lhe que ele afirmara aquilo por nunca ter conhecido o Sérgio Bernardes, meu querido camarada. Sérgio, sim, era um verdadeiro gênio. Grande em tudo o que fazia. Cineasta de raiz, eu diria. Com um quê razoável de loucura e de uma doçura inimaginável para um homem daquele tamanho. Sinto falta dele.

Com ele eu aprendi a ter um olhar mais suave na hora de fotografar a minha história e a desconfiar de quem afirme que todo gênio é mal humorado.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Papo paralelo


Há anos existe um outro dentro de mim me contando coisas. Este outro praticamente não para de falar um só instante. Enche meus ouvidos. Me dá umas ideias. Volta e meia me vem com uma frase pronta, quase que um verso. Já aconteceu de me soprar um poema inteirinho, estrofe por estrofe, e eu sem ter onde anotar. Isso mais de uma vez. Quando cisma, me diz as coisas aos poucos, como se preparasse o terreno. E de uma maneira ou de outra eu sempre paro para escutar o que este outro tem a me dizer. Confesso que me surpreendo a cada dia. Me emociono até.

Não raro não consigo ouvir muito bem o que ele me fala. O mundo é muito barulhento e está cada vez mais difícil ficar em silêncio para poder ouvir aquilo que o outro tem a nos dizer. Entenda como este outro aquele que está dentro de nós. É difícil, eu sei. Talvez a tarefa mais difícil de nossa existência. Lembro que há uns 17 anos eu tomei ayhuasca, numa cerimônia do Santo Daime. Naquela noite, aos pés da Floresta da Tijuca, eu tive uma das experiências mais marcantes da minha vida.


Depois de beber o chá e de cantar uns hinos, o corpo meio que se anestesiou e era como se eu fizesse parte de uma outra vibração. Como se eu pudesse realmente ver um universo paralelo. Ver e sentir. O frio virara calor. Não havia o tempo. E a respiração era longa, tranquila, serena. Quase imperceptível. O mundo ficara lá fora.

- Que louco, você deve estar pensando.

O silêncio entre um hino e outro era o sinal para que eu megulhasse mais profundo naquilo que eu desconhecia. Naquela noite - tenho certeza absoluta - fui apresentado a mim mesmo e a tudo àquilo que eu entendo até hoje como infinito. Não tive medo pelo simples fato de eu poder abrir os olhos e, ao abrir os olhos, me dava conta do quanto nosso mundo externo é limitado. Ou o tanto que ele nos impõe de limites. Enquanto que ao fechar os olhos um mundo de possibilidades se abria. Parece antagônico. E é. Mas desde então tem alguém me dizendo que a mágica talvez esteja em olhar para fora sem deixar de olhar para dentro.

Caso contrário, eu me perco.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Música até o fim

Nunca tive um só cd de Elizeth Cardoso. Embora conheça suas músicas desde criança graças à minha minha mãe, que volta e meia cantarolava uns versos que, conforme suas palavras, eram do tempo do ronca. Só bem mais tarde fui prestar atenção naquelas músicas e no talento daquela que foi uma das maiores cantoras brasileiras. Eram preciosidades feito Ellizeth Cardoso que faziam sucesso e a cabeça da geração dos meus pais. Lembro eu, bem menino, de um lp da Maysa e toda aquela fossa na minha casa. Dalva de Oliveira era habitué e volta e meia surgia uma Ângela Maria. Nelson Gonçalves também batia ponto e Roberto Carlos nunca perdeu a majestade. É o rei. O primeiro disco de João Gilberto tenho guardado até hoje. Depois veio Elis. Lembro que minha avó, mãe do meu pai, só se deu conta do talento da Elis pouco antes de morrer. Eu não. Gosto dela desde sempre.

Um dia eu descobri o Milton e os mineiros do Clube da Esquina. Injetei na veia. Sentinela é um dos discos cujas faixas devem constar do meu dna de tanto que me emocionam e me inspiram. Um pouco antes conheci Vinícius, Toquinho e toda sua poesia. Chico veio depois, meio tímido, mas arrebatador. Por Caetano sempre rolou admiração e muita atenção ao que ele dizia. Gil foi com Realce. E teve Baby, teve Moraes, teve Alceu. Mas Elizeth Cardoso nunca.

Daí que hoje cedo, ao ler o jornal, dei de cara com uma matéria falando da Divina. Dos seus 90 anos. A matéria começava com uma declaração de Tom Jobim, explicando o por quê de Elizeth ter sido escolhida para gravar o LP Canção do Amor Demais, onde se ouve pela primeira vez o violão de João Gilberto. Li de um fôlego só e levantei do sofá com o firme propósito de comprar um cd ao menos daquela que era dona de uma suavidade mais suburbana do que de beira de praia, conforme a matéria dizia. Me arrumei para ir pro jornal e no caminho entrei na loja de discos mais antiga do Méier. Uma das únicas do Rio de Janeiro que, por ora, sobreviveram aos downloads. Entrei meio descrente de que iria encontrar o que eu queria. Afinal, disco de Elizeth Cardoso, no Méier? Só deve ter na Modern Sound, eu pensava. Que nada. Comprei logo dois.

No jornal, mostrei para um amigo as aquisições, mas fui cooptado por uma passeata, por um comício e por seus flashes intermináveis. O tempo voou na redação hoje por conta disso. Quando vi já eram mais de dez da noite, eu só tinha ido ao banheiro duas vezes, comido um sanduíche entre uma publicação e outra e ainda me restavam duas páginas para virar até meia-noite, antes de chegar em casa, relaxar e ouvir Elizeth. Até lá eu estaria no olho do furacão e nem sei como consegui tempo de me emocionar com um vídeo que postaram no Twitter. É uma gravação com o grande Paulo Moura, feita dias antes de sua morte, esta semana. Ele na varanda da Clínica Sao Vicente, nos últimos sopros de vida. Um olhar já distante. Uma postura elegante. E música até o fim.

Despedida from Eduardo Escorel on Vimeo.

Eu também quero música até o fim da minha vida. Juro.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O cansaço, os mortos e a política


Minha semana teve doze dias. O plantão de sábado e domingo no jornal fez com que eu fosse apresentado a uma sensação de cansaço até então inimaginável. Quem acorda de manhã cedo, depois de uma boa noite de sono, talvez não tenha noção do trabalho que dá para produzir as notícias que batem à nossa porta. A redação do jornal nunca para. Por volta das onze da noite, quando a maioria dos trabalhadores brasileiros já está na cama, ainda pode-se estar discutindo qual será a manchete do dia seguinte. Isso se não mudar tudo com uma notícia urgente, daquelas de última hora.


Esta semana, por exemplo, andei torcendo para que o José Alencar, nosso vice-presidente, não morresse. Ou ao menos que não morresse no meu plantão ou na hora do meu fechamento. Por sorte o que ele teve foi uma crise de hipertensão. Coitado. Simpatizo com ele e admiro a luta que ele trava contra o câncer. Desde que ele surgiu no cenário da política nacional que é sabido de todos a sua doença. E nas inúmeras vezes em que ele sai de um hospital após alguma internação, nunca vi aquele homem com ar de derrota. Nunca. Sempre confiante. O último boletim da equipe médica esta noite dizia que seu estado era estável. Foi a nota que eu publiquei pouco antes de sair do jornal, na torcida para que ele melhorasse mais uma vez.

Quem morreu de verdade foi o Ezequiel Neves. Produtor musical, jornalista, ator e a todo vapor. Não o conheci. Não pessoalmente, mas para quem é da geração do Barão Vermelho e do Cazuza, como eu, nunca foi um nome que soasse estranho. Zeca, como era chamado pelos mais chegados, descobriu o som do Barão e apadrinhou muita gente na seara do rock brasileiro dos anos 80. A relação dele com Cazuza rendeu coisas boas, como 'Codinome beija-flor', que não parava de tocar nas rádios justamente numa época em que eu estava me separando da mãe do meu filho mais velho. Melhor trilha sonora, impossível. Zeca morreu aos 72 anos, sem deixar de lado suas doses mortais de vodca, exatos 20 anos depois de Cazuza.


- Deve estar acontecendo a maior festa de arromba no céu, gritaram na redação.


- Deus é mesmo um mestre na arte de criar roteiros, eu pensei baixinho.


Quem não morreu, mas já tem seu obituário pronto é Marcello Alencar, ex-prefeito e ex-governador do Rio de Janeiro. Qual não foi meu susto ao me deparar com um texto esquecido numa das gavetas da casa de um amigo, também jornalista, anunciando a sua morte? Não que eu seja fã dele ou algo parecido, mas é que quando eu li aquela notícia fiquei realmente na dúvida se ele havia morrido ou não. A matéria tinha sido escrita há mais de dois meses e eu não lembrava de ter ouvido falar ou lido qualquer coisa a respeito.
- Esta matéria eu fiz há uns dois meses. Se o cara morresse ela já estaria pronta, faltando só uns ajustes, ele me disse.
Lembro que trabalhei na Prefeitura na época em que ele era o prefeito. Tinha um ar bonachão, uma fala mansa e a fama de que gostava de um goró. Na verdade, whisky. Um dia ele passou mal e foi internado às pressas. Ia ter de fazer uma cirurgia e se não me engano, foi alguma coisa nos rins. Cálculo, talvez. Mas o boato que corria na rádio corredor era de que o prefeito havia engolido a tampinha de uma das tantas garrafas que entornara. Pura maldade.

Para terminar, a gente não pode é se fazer de morto. As eleições estão aí, a campanha já começou, os candidatos estão nas ruas e a gente sabe que o que mais tem é político vivo aos quatro cantos. Entenda este vivo como algo não muito positivo. Pelo menos não para nós, eleitores. Este ano teremos uma eleição diferente e que já começou diferente por vários aspectos. Como se não bastasse, é a primeira, em anos, sem a opção de voto no Lula. Temos duas mulheres concorrendo ao mais alto cargo da nossa política. Temos também a Lei da Ficha Limpa. E temos a internet e com ela todo o seu poder de mobilização. Pelo menos é isso que será posto à prova neste pleito. Qual candidato vai realmente saber usar o poder da rede mundial de computadores e transformá-lo em voto? Qual marqueteiro brasileiro vai se sobressair e virar o novo Papa das campanhas eleitorais? Quem vai ocupar a vaga deixada por Nizan Guanaes e Duda Mendonça? Ou vai me dizer que ninguém lembrou de escrever seus obituários por aí?

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Like a poem





I


Há um risco em toda palavra

Escrita

Em toda frase dita

Por toda parte

Há um risco.


II


Por vezes me falta o ar
E minha cabeça ainda gira.
É quando preciso ficar sozinho
Para dar passagem às palavras
Nem sempre certas
Que carrego em mim desde então.

Ainda hoje mesmo lembrei do meu quarto de menino.


Dos meus livros, desenhos e poemas.

Ah, como eu gostava de ser menino.


É que o mundo não me parecia tão pequeno.

Naquele mundo eu corria.
Cruzava suas esquinas, praças e avenidas.
Por ali eu desaparecia.
Num mundo que cabia naquele quarto.
No quarto daquele menino.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

É Copa do Mundo, eu sei.


Nunca fui fã de futebol. Lembro que quando moleque até tentei me aventurar entre dribles e carrinhos, mas eu sequer conseguia fazer mais que duas embaixadinhas. Isso quando a bola não escapava dos meus pés logo de primeira. Motivo de chacota para alguns amigos que, só para me deixarem mais arrasado, volta e meia combinavam campeonato de embaixadinha. Minha participação chegava a ser ridícula. Mas eu tentava, confesso que tentava. Lembro até que cheguei a tirar umas fotos fantasiado de goleiro, com luvas, joelheiras e um indefectível kichute, num jogo organizado por algum pai de amigo da rua. Se não em engano tem fotos minhas em ação. Mas o primeiro capítulo da minha história com futebol termina aí.


A primeira Copa do Mundo da qual tenho lembrança é a Copa de 74, na então Alemanha Ocidental. Mas é uma vaga lembrança. Uma cena, para ser mais preciso. Um aparelho de televisão com imagens em preto e branco e meu tio Manoel sentado em frente, assistindo a um jogo que, lógico, não faço ideia de qual tenha sido. Depois, em 1978, veio a Copa da Argentina e a vitória pra lá de suspeita dos hermanos sobre o Peru por seis a zero. Este detalhe eu sei porque li mais tarde e não porque tenha me revoltado na época. Pouco lembro daquela Copa também.


Em 1982, na Espanha, a coisa muda de figura. Eu já era adolescente e a onda era pintar as ruas e os muros com o mascote da Copa, o Naranjito. O técnico era o Telê Santana e a seleção brasileira encantava o mundo com seus craques e seu futebol criativo. Havia uma expectativa de que o Brasil trouxesse a taça, mas fomos eliminados pela Itália na segunda fase. Lembro que na minha rua o tal Naranjito ficou desbotando por longos quatro anos, até ser substituído por uma caricatura do rosto do Leandro, ex-jogador do Flamengo que desistiu de embarcar para o México, na Copa de 86. O Brasil ficou em quinto lugar e o pai de um amigo meu morreu por conta disso. Triste.


Em 1990 eu já estava casado, meu filho mais velho era recém-nascido, a Copa foi na Itália e o técnico brasileiro Sebastião Lazaroni adotava o esquema defensivo. Era realmente uma outra fase. Para mim e para a seleção brasileira, eliminada logo nas oitavas de final. Meu casamento também não foi muito longe e menos de um ano depois eu estava de volta à casa dos meus pais. O que eu não poderia prever é que meu filho seria um verdadeiro fanático por futebol e que anos mais tarde ele seria o responsável por me levar ao Maracanã várias vezes para ver o Vasco jogar.


Mas aí veio 1994. A Copa foi nos Estados Unidos, um país que nunca teve a menor tradição no trato com a bola nos pés. Mas o Brasil tinha. E tinha também Romário, Bebeto, Parreira e Zagallo. Tinha ainda o então Ronaldinho, uma promessa que, se não me engano, jogava no Cruzeiro. A expressão "vai que é tuuuuua, Taffarel" virou mania. Foi uma Copa bonita, estádios cheios, todo aquele asseio norte-americano. Até um filme foi feito. E por brasileiros. Por fim, trouxemos a taça depois de uma final emocionante, num domingo que, peço a Deus eu nunca me esqueça daquele empate com a Itália e o coração entregue aos pênaltis. Era o tetra, vinte e quatro anos depois da Copa de 70, da qual só conheço as histórias. No tri eu tinha apenas um ano.


Quatro anos mais tarde, em 1998, eu confesso que não entendi nada. A seleção brasileira se curva diante da França e Ronaldo, que não lembro se ainda era Ronaldinho ou se já era o Fenômeno, teve aquelas estranhas convulsões. A seleção da casa derrotou os brasileiros por 3 x 0, num jogo em que nossa seleção foi protagonista de uma das mais polêmicas partidas de futebol de todos os tempos. E tristes. Pelo menos para nós, brasileiros.


Mas em 2002 a gente trouxe o pentacampeonato. Foi a Copa do Japão e da Coreia e dos horários mais absurdos para se ver jogos de futebol, diga-se de passagem. Ter de acordar ainda de madrugada para ver a seleção brasileira jogar só se valesse muito a pena. Eu já estava casado de novo, tinha mais um filho, muito sono e mesmo assim eu estava lá, de pé, com um copo de iogurte na mão às sete da manhã vendo o time de Cafu, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho surpreenderem mais uma vez o mundo. Mundo, aliás, que andava mudado por conta do 11 de setembro de alguns meses atrás.


Lembro que estava em Buenos Aires na Copa de 2006 e me arrisquei a torcer pelo Brasil num jogo contra o Japão, num bar de Palermo. Foi um risco que eu e Claudia só resolvemos correr no primeiro tempo. Antes que o segundo iniciasse, nós já estávamos seguros em nosso quarto de hotel. Nossa seleção era a favorita. Até mesmo nas palavras de Maradona, a personificação da marra Argentina. Mas como todo favoritismo é perigoso, perdemos. Não o jogo contra o Japão, mas com a França, que nos despacharia para casa nas quartas-de-final. Mais uma vez os franceses. Estranho, eu achava. Mas estranho mesmo foi ver a Argentina ser eliminada enquanto eu esperava a hora de embarcar no avião. Num bar localizado no hall do aeroporto da capital argentina, lotado de hermanos enlouquecidos eu escondia meu riso sarcástico sobre a gola do pulôver.


Confesso que ainda não consegui me empolgar para valer nesta Copa da África do Sul. Alguns jogos me surpreenderam, é verdade, como a eliminação da Itália pela Eslováquia. Um 3 a 2 emocionante. Apesar de não ter visto nenhum jogo inteiro, exceto os do Brasil, também gostei de saber que a seleção Paraguaia está classificada para as oitavas. Não gostei foi de saber que os jogadores da seleção da Costa do Marfim ainda são meio primitivos. A seleção do Dunga ainda não convenceu, já o mau humor do técnico rompeu as barreiras de qualquer treino secreto e já caiu na boca do povo. Uns detestam, outros defendem. O certo é que ninguém gosta.


O empate com Portugal deu uma esfriada nos ânimos já não muito alterados. Eu, que vi o jogo na casa dos meus sogros lusitanos e, portanto, em território inimigo, acabei torcendo pelo empate, o que era bom para as duas seleções. Meu sogro, o português mais zen que eu conheço - se é que existe outro -, assistia ao jogo do Brasil e Portugal na sala ao mesmo tempo que assistia aos trogloditas da Costa do Marfim contra os pobrezinhos da Coreia do Norte no quarto. Olho lá, olho cá, o medo dele era de que o Brasil fizesse um gol e a Costa do Marfim sete. Se os portugueses perdessem para o Brasil teriam de disputar a segunda vaga pelo saldo de gols. E olha que os patrícios tinham é gol de sobra.

_ Mas a coitadinha da Coreia é meio fraquinha, ele repetia com sotaque carregado.

Os olhos da minha sogra brilhavam pelo empate e os meus viram nos dela um coração divido entre duas nações. Porque foi lá que ela nasceu, mas foi aqui que plantou suas sementes e fincou suas raízes. Assim como ela, meu sogro, e mais 'meu' tio Joaquim e 'minha' tia Emília. Vimos o jogo juntos. Eu, Claudia e as crianças de um lado e os de além-mar do outro. E nem foi combinado. Já o empate me pareceu jogo de pai para filho. Ou de filho para pai.

_ Fica tudo em família, disse meu sogro.

Litealmente, eu pensei.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O gago, a zebra, os gols e o mito da caverna



O prédio em que eu moro tem 4 porteiros que se revezam entre os turnos da manhã e da noite. Um deles, o mais velho, é um senhor bem alto, negro, muito educado, gentil, prestativo. Só que é gago. Mas é daqueles gagos que, para piorar a situação, falam acelerado, querendo se livrar logo das palavras. Não consigo entender patavinas do que ele diz. No começo eu até me esforçava, mas acho que a cara que eu fazia para tentar decifrar o tal dialeto deixava o pobre ainda mais nervoso. Ou seja, desisti. Hoje, quando eu passo pela portaria e é ele quem está por lá, faço questão de dar meu boa noite, boa tarde ou bom dia. Ele responde lá do jeito dele. Complicado mesmo é quando chega a fatura do condomínio ou alguma outra encomenda e é ele quem interfona para avisar. Nestas horas eu tenho de ser direto:

- É pra buscar aí embaixo, né?
- É...é...é...é...é.

Terça-feira. 9h da manhã. Um frio desagradável no Rio de Janeiro. Eu estava descendo com o danado do meu cachorro quando o porteiro, gago, entrou no elevador. Foi a senha para o vira-latas abusado e nota zero em simpatia começar a rosnar e a latir. O coitado do porteiro, de negro, amarelou. Parecia que ia colar na parede do elevador e desembestou a falar um monte de coisa que só ele entendia.

- Cala a boca!, eu dizia. Pro cachorro, claro.

Quarta-feira. Meio-dia e quinze. Saio da esteira completamente suado depois de 25 minutos correndo. É o máximo que meu fôlego me permite. Pelo menos por enquanto. Parei de pedalar e estou tentando me acostumar a correr. Só fico grilado com meu joelho. Não sinto nada, é verdade, mas sinto que não posso exagerar. Há 41 anos que eles funcionam perfeitamente bem e eu faço votos de que funcionem por outros tantos. A academia está vazia. Apenas uns gatos pingados aninhados perto das TVs, todas ligadas na Copa do Mundo. A Grécia acabou de fazer mais um gol e virou o placar contra a seleção da Nigéria. Eu e a torcida do Flamengo estávamos certos que ia dar Nigéria.

- Deu zebra na África, eu disse, usando e abusando do clichê.

Quinta-feira. Quase dez da manhã. Claudia me acorda com a desagradável notícia de que a empregada não aparecera para trabalhar e ela já estava atrasada para levar as crianças. Eu rosnei qualquer coisa e me enrolei ainda mais no edredon. Mas pensar em ter de passar um pano na varanda onde dorme o canino e lavar a louça que reinava na pia me fez levantar. Lavei o rosto, li o que eu tinha de ler no jornal, abri um iogurte, misturei uma granola, pus a coleira no vira-latas e fui dar a conferida diária nos postes, hidrantes e canteiros da minha rua. A Argentina estava em campo contra a Coreia do Sul. Passo pela portaria e o gago está lá, de olho no jogo.

_ Gol da Argentina, ele disse com todas as letras.
_ O quê?, respondi, incrédulo. Não com o gol dos hermanos, mas em tê-lo entendido.

Ainda na quinta-feira, por volta das quatro da tarde. Chego no jornal e a redação já está fervilhando. É pauta pra lá e pra cá e não demora muito já é hora de decidir qual será a virada, ou seja, a manchete que temos de deixar no online até a manhã seguinte. Isso fora todas as outras matérias que serão destaque na capa da nossa editoria. O clima nunca é tenso, mas é de total responsabilidade. Todo mundo apurando, escrevendo, mas interagindo. Rolam até umas piadas e outras tiradas engraçadas. Ainda estou apanhando de uma das ferramentas que temos de utilizar. Não é tão simples quanto a do outro jornal. E isso está me deixando meio puto. Onze e tal da noite. O Tribunal Superior Eleitoral aprovou por seis votos a um a lei da Ficha Limpa.

- O País literalmente ferve, eu digo pra mim mesmo.

Sexta-feira. O dia vai ser longo. Pulo da cama, bebo minha água e vou direto acessar a internet. Uma notícia me entristece logo pela manhã: Morre, aos 87 anos, José Saramago, o único escritor de língua portuguesa que ganhou um Nobel de literatura. Lembro de Ensaio sobre a Cegueira e de O Evangelho segundo Jesus Cristo, os dois únicos livros dele que eu li. O Evangelho eu não gostei ou não entendi, mas Ensaio é dos meus livros favoritos. Não apenas pela angústia dos acontecimentos da narrativa, mas pelo mito da caverna que nele eu descobri implícito. Lendo Saramago foi que eu me dei conta de que realmente era preciso abrir os olhos.


- O mundo ficara mais escuro naquela manhã, eu pensei.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Sou feliz desde então


Bem aqui ao lado do meu prédio tem uma escola. Das sete da manhã até por volta de umas cinco da tarde o play list dos baixinhos é repleto de musiquinhas tatibitates. Vai desde bate-palminha, bate até tindolelê, sem deixar de esquecer que o vovô viu a uva. Ou será que estou confundindo tudo com o tempo em que eu lia Davi, meu amiguinho? Mas isso não interessa!


Fui ao cinema domingo, segunda e terça desta semana. Domingo nem conta. Filme de criança. Horroroso. Não por ser filme de criança, pois adoro, mas nem meus filhos, estes sim, crianças, gostaram. Segunda fui ver "Viajo porque preciso, volto porque te amo". Fui esperando uma coisa e era outra. Travei uma batalha interna para não dormir enquanto assistia, confesso. Filme lento. Arrastado. Os personagens principais em momento nenhum aparecem. Nunca tinha visto um filme com uma narrativa daquelas. É documentário sem deixar de ser ficção. É digital e, acho, super-8, câmera de celular e mais umas outras possibilidades. Muitas fotos também. Um road movie sem lugar-comum. Um retrato fiel e atual de boa parte do povo brasileiro que, também confesso, me deixou bastante impressionado. Hoje agradeço por não ter cedido aos apelos de Morfeu. É um tipo de filme que bate depois. É isso.

Terça fui ver "O segredo dos teus olhos" e só pude confirmar que nossos hermanos estão mesmo fazendo filmes muito bons. Já na abertura o filme te conquista ao mesmo tempo que também te confunde. Faz como se embaralhasse tua mente para lá na frente te fazer juntar as peças. É agil. Conta com um elenco fantástico. Tem uma história de amor mal resolvida - o que, talvez para alguns, seja o ponto fraco do roteiro - e uma história de amor trágica. Uma tem final feliz. A outra? Dependendo do ponto de vista, também. É o tipo de filme que te faz sair do cinema saciado de uma história bem contada. Fui com Fred, a personificação da unanimidade e meu amigo pra lá de querido. Nem eu nem ele ficamos elocubrando a respeito da estética ou da narrativa do que acabamos de assistir. Não é do nosso feitio. Fred fez apenas uma observação, esta em relação à interpretação dos argentinos. "São mais naturais", ele disse, com razão. Tenho um outro amigo, que já se aventurou pelas searas do cinema nacional, que não tem o menor pudor em afirmar que não há atores no Brasil. Nem unzinho sequer. Sei também de um ator que diz por aí aos quatro cantos que o que falta mesmo são bons diretores. Acho que da próxima vez que eu encontrar com eles vou sugerir uma visitinha à Argentina.

Semana passada fui ver Beth Goulart interpretando Clarice Lispector. Simplesmente espetacular. Foi a Claudia quem lembrou e disse que aquela seria a última semana e que não poderíamos deixar de assistir. Ela mesma ligou para o teatro e soube que ainda havia uns 50 ingressos à venda. Fui correndo comprar. Sorte que o teatro é pequeno e que a fila I não ficava tão afastada do palco assim. Lembro muito pouco da imagem de Clarice Lispector. Quando ela morreu, em dezembro de 1977, eu tinha apenas 8 anos de idade e, confesso, não sou um exímio conhecedor da sua obra. Li muito pouca coisa dela. Uns trechos de "Água Viva" e um ou outro conto de "Para não esquecer" e tenho a impressão de ter visto, logo após sua morte, um programa de entrevistas com ela. Daí ver Beth Goulart no palco impressionantemente parecida com Clarice já valeria o espetáculo. Mas Beth faz muito mais além de dirigir e atuar. Ela nos toca profundamente com a sensibilidade única e complexa daquela escritora. A peça não conta uma história com começo meio e fim. Mas os textos de Clarice emocionam até o cerrar das cortinas. É peça em que o público bate palmas com vontade quando termina.

Saí de lá com uma sensação boa e repetindo algumas frases de Clarice feito um mantra. Eu estava mesmo num momento bom. Há poucas horas havia feito uma entrevista para trabalhar no O Globo. Uma vaga na editoria de política de um dos maiores jornais do País. O sonho que eu acalentava desde sempre. A oportunidade que eu esperava agora estava ali, meio que de repente. Uma conjunção de fatores positivos a começar por grandes amigos, como a Rachel, e minha presteza em colaborar com um amigo de um amigo. Isso sim. Mas esta é uma história que eu só conto ao vivo. O certo é que a ansiedade me corroeu exatas 24h após aquela entrevista.

Quinta-feira. Dia 20 de maio. 15h15. Rua Dias da Cruz engarrafada. Estou voltando do Jornal do Commercio, onde estava desde o início da manhã. Uma ambulância implora por passagem. Não sei como, mas ouço meu celular tocar. Número que eu não conhecia.

_ Márcio?
_ Eu.
_ Fulana de tal, do O Globo, tudo bem?
_ Tudo...
_ A vaga é sua.

Se a tal ambulância conseguiu passar, eu não lembro e nem lembro ao certo o que eu respondi no celular. Só lembro que eu não sabia se ria, se chorava, se corria ou se pulava. Fui para casa agradecendo mentalmente a quem eu devia agradecer, acompanhado de uma sensação parecida com a que eu tive quando Claudia finalmente decidiu ceder aos meus apelos por nossa história de amor. Isso há quase 15 anos. Sou feliz desde então.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Há algo estranho no ar


A semana foi tensa. Não para mim, mas para o mercado econômico. A crise que abateu a Grécia tem deixado a todos os analistas mundiais preocupados e a queda das bolsas no mundo inteiro é reflexo desta insegurança que ronda alguns países da chamada zona do euro. Portugal é outro país que já começa a dar sinais de que pode quebrar, assim como a Espanha e a Irlanda. Pelo que eu tenho lido - e não é pouca coisa - somente a Alemanha e a França estão numa situação confortável. Ao menos por enquanto. Tanto que foram os principais credores do empréstimo de 110 bilhões de euros que os tais países da zona do euro, junto com o nosso conhecido FMI, fizeram na tentativa de tirar a Grécia da situação em que ela se encontra. Não sem antes impor condições austeras, claro, como corte de salários e aposentadorias do setor público.


Na Ásia, as bolsas de valores parecem sentir o reflexo desta situação na Europa e vivem dias de quedas bruscas em seus pregões. A situação da China, que ano após ano vem apresentando crescimento acima da média mundial, não é tão confortável assim. Por lá também ronda o perigo de uma tal bolha imobiliária, o que vem tirando o sono dos principais investidores. Por conta disso, caem as bolsas no Japão, na Malásia, em Cingapura, na Coreia do Sul e até na Austrália. Difícil de entender, né? Mas nada que uma leitura mais atenta e uma explicação aqui e outra ali para que o assunto comece a se tornar mais familiar.


Estou há quatro meses na redação de um jornal que é 90% de economia. Já perdi as contas de quantas matérias fiz sobre o mercado financeiro, sobre macroeconomia e sobre empresas. Esta semana mesmo algumas das principais empresas brasileiras começaram a divulgar seus resultados trimestrais. Umas parecem muito bem, outras nem tanto. Ontem mesmo dei uma nota dizendo que o número de pedido de falências de janeiro a março deste ano aumentou em relação ao mesmo período do ano passado. Sinal de que a nossa economia pode não estar tão bem quanto uns e outros gostam de dizer por aí.


Semana passada foi a vez da tal reunião do Copom, que é o Comitê de Pólítica Monetária do Banco Central. Foram dois dias em que os analistas do mercado especulavam a respeito do aumento da taxa Selic, que é a taxa básica utilizada como referência da política monetária. Eu havia apostado comigo mesmo que a taxa subiria um ponto percentual, já que este ano é ano de eleição e ninguém quer ficar mal na foto, com risco de aumentar a taxa numa nova reunião. O fato é que os analistas do Copom resolveram aumentar a taxa em 0,75 ponto percentual, o que nos levou a uma taxa de juros de 9,50% ao ano. Somos um dos países com a taxa de juros mais alta do mundo, mas pelo que eu entendi, esta é a maneira que os analistas têm para tentar conter a inflação, que parece querer voltar a nos assombrar. Eu, que sou de uma geração que convivia com reajustes de preços semanais e com a temida hiperinflação, confesso que prefiro juros mais altos a ter de volta o pesadelo de ir a um supermercado num dia, pagar X por determinado produto e na semana seguinte ver que aquele mesmo produto já está custando 2 vezes mais. Um absurdo, convenhamos.


O fato é que, mesmo que a imprensa anuncie aos quatro cantos que o pior da crise econômica mundial já passou, há um clima muito estranho e tenso no ar. É como se uma nova onda ruim estivesse em formação e ninguém sabe ao certo onde ela vai arrebentar primeiro. Como uma tsunami pairando num oceano de dúvidas. Pois não pense você que a crise se instalou no mundo todo somente a partir de setembro de 2008, com a quebra do banco americano Lehman Brothers. Não. A quebra da instituição financeira serviu apenas como um marco, destes que a gente está acostumado a estudar nos bancos escolares anos mais tarde. Já havia todo um cenário pronto bem antes. E o que se cochicha nos bastidores atualmente é onde e quando esta nova tsunami vai aparecer. Ninguém sabe. O que eu sei é que isso tudo me parece assustador, coisa de filme de terror.


Por enquanto podemos assistir cenas de uma verdadeira tragédia grega, com Atenas pegando fogo enquanto os deuses do Olimpo parecem estar dormindo e nem aí para o que se passa com o povo de lá. Três pessoas já morreram nos conflitos que diariamente estampam as manchetes dos jornais. Aqui no Brasil o que se ouve é que está tudo bem, que fomos um dos últimos a entrar na crise e um dos primeiros a conseguir sair dela. Pelo menos na teoria o texto é este. Na prática eu vejo a balança comercial brasileira amargar um déficit atrás do outro e as bolsas, que são um verdadeiro termômetro da nossa economia, despencarem. Na verdade, desde que o Copom anunciou a alta da taxa Selic, a Bovespa não conseguiu bons resultados. Com os juros altos, os investidores preferem outro tipo de aplicação, fogem das bolsas e partem para fundos de renda fixa. Além disso, com a crise na Europa, por exemplo, os investidores internacionais ficam mais cautelosos e cada vez mais conservadores. Para se ter uma ideia, se até uns 15 dias atrás a Bovespa ultrapassava a barreira dos 70 mil pontos, hoje ela não consegue passar dos 65 mil. E olhe lá. Se bem que eu ouvi estes dias lá no jornal que a fuga de investidores pode fazer com que a bolsa opere num patamar entre 40 e 45 mil pontos, o que não seria desesperador para o mercado brasileiro. A conferir. Por sua vez, o dólar também voltou a subir, já que esta bagunça no mercado tem deixado de lado os fundamentos da economia brasileira e os investidores, apavorados, correm para comprar a moeda norte-americana. Mas eu duvido muito que o dólar seja negociado a mais de R$ 1,90 até o final do ano. Podem escrever.


No mais, virei seguidor do Serra, da Dilma e da Marina no Twitter. Não gosto do Serra. Nunca gostei e já disse isso aqui antes, mas confesso que ele é quem mais me surpreende no microblog. Suas colocações nunca me pareceram impertinentes e ele vem demonstrando um bom humor que até então eu desconhecia. Será efeito de algum marqueteiro? É bem provável. A Dilma, coitada, depois que começou a dar alguns passos sem o seu mentor ao lado, anda se enrolando e parece que não junta lé com cré. Esta semana ao fazer comentários a respeito do romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos, disse que os nordestinos migravam "do nordeste para o Brasil". Bola fora. Mais uma, aliás. Isso sem falar que ela é bem sem graça quando resolve tuitar. Já Marina Silva seria minha opção de voto. Mas ela é evangélica, não aceita o aborto e muito menos pesquisas com células-tronco, o que me parece um retrocesso. Ou seja, como tuitou uma amiga minha dia desses, "é dura a vida do eleitor brasileiro".

quinta-feira, 29 de abril de 2010

É só o que resta







Esta semana pegou fogo. Literalmente. Foi na segunda-feira, por volta das quatro da tarde, pouco depois de eu ter saído do jornal, que começou um incêndio num mercado de comércio popular, uma espécie de camelódromo, entre a Central do Brasil e o Terminal Rodoviário Américo Fontenelle. Passo ali em frente pelo menos duas vezes por dia e sequer posso imaginar o desespero dos comerciantes em meio ao fogo na tentativa de salvarem suas vidas e suas mercadorias.
Incêndios sempre me impressionaram. Lembro que quando pequeno vi num telejornal, provavelmente o Jornal Nacional, cenas que nunca mais me saíram da memória. Era um incêndio num prédio em São Paulo, chamado Joelma. Uma tragédia que depois virou filme até. Um horror. Agora mesmo, ao escrever estas poucas palavras, me vêm em mente as imagens daquelas pessoas se atirando das janelas do prédio, sem esperança de serem salvas do fogo. Era o salto para a morte.
Graças a Deus neste incêndio no camelódromo da Central não houve feridos. Penso que as perdas materiais tenham de fato sido muito grandes para aqueles que dali tiravam seu sustento. Mas todos continuaram vivos, na luta pelo pão nosso de cada dia.
Não faço ideia de quando ou como a Prefeitura e/ou o Governo do estado vão procurar resolver a situação deles. Até porque nem a Prefeitura nem o Governo ligam muito para o que acontece de fato com o povo. Isso a gente sabe. E isso é tema para outro post.
Passados 3 dias do incêndio, começaram a demolir o que sobrou de pé. O resultado? Algumas montanhas de ferro retorcido, que muitos curiosos feito eu fizeram questão de parar para ver e fotografar. Não sei, mas me pareceu cenário de filme de terror ou suspense. Algo meio Alfred Hitchcock, que por sinal, faz 30 anos hoje, dia 29 de abril, que passou desta para melhor. Ou pior, né? Vai saber. No mais, só restaram as fotos.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Arnaldo Jabor, redes sociais, tuiteiros e ignorantes


Atualmente eu tenho tuitado mais do que qualquer outra coisa. Na verdade só o online do Jornal do Commercio me toma mais tempo em frente ao computador hoje em dia do que o tal do twitter. Entre uma nota e outra que publico no online, depois da cotação do dólar ou antes do pregão da Bovespa, lá estou eu ligado no twitter. Funciona meio que como uma válvula de escape ou uma janela para o mundo, onde posso me expressar (em no máximo 140 caracteres, é verdade!), me comunicar, trocar ideias, pensamentos, discordar, reclamar. Sei lá. Só sei que ainda estou meio que descobrindo essa ferramenta e a arte de ser sucinto com as palavras.

Lembro que dia desses, na casa de um amigo, rolou um papo a respeito dessas redes sociais e sua utilidade. Dos cinco amigos reunidos, só eu e o dono da casa éramos usuários das tais redes. De carteirinha, diga-se de passagem. Para ser sincero, acho que todos tinham lá seus orkuts e facebooks, porém, devidamente abandonados.

_ Não me sobra tempo, foi o que disse uma amiga.

E eu acredito que seja falta de tempo, mesmo, afinal, ela faz doutorado e doutorado não deve ser moleza não. O marido desta amiga minha foi logo torcendo o nariz, como se fazer parte de uma dessas redes fosse a coisa mais esquisita do mundo. Mas ele é um cara antenado, inteligente, descolado. Está perdodado. A outra amiga é mãe de uma menina de 2 anos e acabou de se mudar pra Salvador depois de quase 20 anos trabalhando duro na redação de um jornal diário aqui no Rio. Tem orkut que eu sei. Facebook também. Twitter acho que não, mas volta e meia nos falamos via google talk. Ou seja: está na rede. Porque o importante é não deixar esse movimento _ que vem trazendo uma nova maneira de se comunicar com o mundo _, passar. É preciso embarcar junto nesta e fazer parte desta revolução. Caso contrário, é como se você perdesse a viagem. Pelo menos na minha concepção.

Uma das viagens do twitter é justamente ser um espaço democrático para você se expressar seja lá como for. Tudo bem que volta e meia surgem uns seguidores meio indesejáveis (sempre tive grilos com gente me seguindo), tipo o Governo do estado que resolveu me seguir sejá lá pra quê. Se o seu Cabral vai começar a me vigiar, vai perder seu tempo porque de besta eu não tenho nada (ou quase nada) e nunca, nunquinha, vou postar alguma coisa que possa me comprometer. Mas, quer saber? Já andei reclamando do governo por lá. É meu direito de cidadão e, além do mais, esta semana mesmo vi uma entrevista do general Newton Cruz, o temível, onde ele afirmava que o Brasil vive uma democracia e nada pode mudar isso. Se ele, um ícone dos anos da ditadura, disse isso, é sinal de que eu posso respirar aliviado e continuar tuitando sem me estressar.

E tem gente que quando se estressa vai tuitar. É melhor do que socar a mesa, por exemplo. Acho que foi o caso de um amigo meu hoje cedo que, ao ler a crônica do Arnaldo Jabor no Segundo Caderno, ao invés de esbravejar ou amassar o jornal, foi para a rede e chamou os pobres e inocentes pais do cineasta/dublê de cronista de ignorantes. Tudo porque se sentiu ofendido com a frase "como ensinar a população ignorante que só um choque democrático e empresarial pode enxugar a máquina podre das oligarquias enquistadas do estado?". Ele vai votar no Lula, quero dizer, na Dilma, claro. E me parece que vai votar sem pensar, o que me causa muito estranhamento, já que este meu amigo de burro não tem nada. Muito pelo contrário. Sempre foi contestador, bem informado, culto. Mas foi pego por um sentimento que eu nem sei bem qual é, mas que me fez lembrar meu avô materno e seu amor incondicional a Getúlio Vargas, o pai dos pobres. Já prometi a ele uma foto do Lula com a faixa presidencial. Se bem que não duvido nada que ele já tenha arrumado uma.

Do Jabor eu curto os filmes Tudo Bem _ com a Fernandona_, e Eu sei que vou te amar _ com a Fernandinha. Do Lula eu confesso que gosto de algumas coisas também. Sempre gostei. Mas com mais fidelidade e dedicação. Até porque eu me dei conta de que ele não é tão fiel assim àqueles ideais que defendia antes de subir a rampa do Planalto. Basta vermos as incansáveis vezes em que ele, que um dia já se confundiu com a ética e com a moral, se mostrou omisso. E, por que não, leviano? Hoje já consigo me imaginar votando num José Serra, por exemplo. Principalmente porque sei que o governo FHC, dos tucanos, foi um governo que marcou positivamente a vida dos brasileiros. Foi ali, com Fernando Henrique, com o fortalecimento da nossa moeda e da nossa economia, que o nosso País começou a trilhar um outro caminho. Portanto, eu não posso ser injusto nem ingênuo e embarcar numa guerra de nós contra eles. Porque o Brasil é um só, mesmo que múltiplo em suas culturas. Não dá para apagar um passado e achar que só existe Brasil depois de 2002. Isso não é verdade. Quem pensa assim está sendo ignorante.

Ou não é ignorância apoiar políticos como Garotinho? Ou não é ignorância desrespeitar e debochar da legislação eleitoral, que proíbe campanhas fora de hora? Ou não é ignorância espalhar boatos de que um provável governo do PSDB acabaria com o programa Bolsa Família? Ou não é ignorância um Estado governado por sindicalistas deslumbrados com as mamatas do poder? Mas acho que o Jabor _ por quem eu nem nutro tanta admiração assim, repito _, não se referia a este tipo de ignorância, mas àquela em que falta o conhecimento. E daí para gerar mal entendidos, é um pulo. Tal e qual aconteceu com meu amigo, que de ignorante não tem nada.