segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Com a vida nos trilhos


Nestes últimos dias eu tenho feito coisas que nunca havia feito antes na minha vida. Ainda não comentei com quase ninguém, mas semana passada fui contratado para trabalhar como repórter no Jornal do Commercio, um dos mais antigos do Rio de Janeiro. Talvez vocês não saibam, mas o fato é que eu me formei em jornalismo no começo da década de 90, há quase 20 anos. De lá pra cá dei muitas cabeçadas em dezenas de empregos, mas nunca havia pisado de verdade numa redação, só uma colaboração ou outra numa coluna aqui e outra ali. Nada mais. E não me pergunte o por quê. Não sei se conseguiria responder, mas tenho cá minhas desconfianças de que inconscientemente tentei me afastar da minha verdadeira vocação. Mas foi preciso amadurecer e assumir que o que eu mais gosto de fazer é mesmo escrever. Portanto, se a vida começa de verdade aos 40, eu acabo de nascer para a minha carreira. E o engraçado disso tudo é que nunca tive dúvidas na hora de escolher a minha profissão. Mas daí a entender as voltas que o mundo dá é uma outra história.

Mas como eu disse lá no começo deste post, tenho feito coisas nestes últimos dias que eu nunca havia feito antes. Trabalhar numa redação de um jornal diário é uma e a outra é andar de trem. Isso mesmo, andar de trem. Sempre morei no Méier e sempre convivi com os trilhos da linha férrea, porém nunca precisei ou quis andar de trem. E onde já se viu suburbano que nunca andou de trem? Já estava mais do que na hora de vencer este tabu. Meu pai já tinha me falado das vantagens do trem, como o fato de chegar mais rápido ao centro da cidade, não pegar engarrafamentos, não parar em centenas de pontos, fora o fato de ter vagões com ar condicionado. Mas confesso que não dei muita atenção ao que meu pai me dizia. Foi dia desses, conversando com um vizinho, advogado do BNDES, que prefere deixar seu carro na garagem e vai trabalhar de trem, que fui me dar conta do quanto eu estava sendo preconceituoso. Logo eu, que há uns posts atrás falei de preconceito!

Portanto resolvi encarar os trilhos e debutei num vagão de trem até a estação Central do Brasil no início da tarde de uma segunda-feira calorenta. Devo admitir que me enrolei um pouco, pois achava que era como no Metrô e precisava de bilhete. Mas não. Pelo menos na estação do Méier você paga e passa pela roleta, como se fosse a catraca de um ônibus qualquer. Devo admitir também que fiquei meio desorientado, sem saber de que lado embarcar, com medo de seguir viagem em direção contrária. Mas não. Bastou perguntar em qual plataforma era o embarque para a Central e estava tudo resolvido. O trem chegou rápido. Era o parador, com ar condicionado e vagões civilizadamente tranquilos, muito melhor que qualquer Metrô que a gente vê por aí. Ou por aqui pelo Rio de Janeiro, claro.

Em pouco mais de 20 minutos eu chegava à Central sem uma gota de suor sequer. Bastava apenas atravessar a rua e pegar um ônibus que me deixasse do outro lado do túnel, bem ali atrás da Rua Barão de Tefé. Ou seja, em meia hora eu estava dentro da redação pensando em como é bom experimentar coisas novas nas nossas vidas. E que estas coisas novas me ajudem a colocar minha vida nos trilhos, mesmo que estes trilhos sejam os da Central do Brasil!

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Os monstros que vivem dentro de nós


Final de tarde. Nuvens carregadas no céu anunciam que vem chuva das boas. Dentro de casa o corre-corre é grande. Vamos deixar as crianças com a sogra e partir para a sessão de cinema em Botafogo. Não podemos atrasar um minuto caso contrário perdemos o início do filme. Eu detesto perder o início de qualquer filme. Não fiz a barba. Vou deixar para amanhã. Ligo pra sogra e a Fátima vai descer e buscar as crianças na portaria. Desta vez eles não reclamaram, mas foi preciso negociar com antecedência. Com eles agora é assim. Acham que mandam nas nossas vidas e eu desconfio de que mandam mesmo. Isso porque a gente permite. Quero ver mais tarde, quando já estiverem grandes, com suas namoradas, se vão querer saber de ficar por perto. Duvido.
O trânsito está bom. Em menos de 15 minutos cruzo a Radial Oeste e entro no elevado que vai me levar ao Rebouças e dali ao cinema são mais uns 10 minutinhos. Dentro do túnel eu e Claudia damos um grau e o som que rola é "Never gonna girl like you before". Vontade de dançar. A música ainda rola mais uma vez. Há uma fila grande em frente ao cinema. Dois filmes bem cotados estreando hoje, mas eu saí de casa com a intenção de ver "Onde vivem os monstros", de Spike Jonze, o mesmo diretor de "Quero ser John Malcovitch". O relógio da esquina da Voluntários da Pátria marca 19h13. O filme começa às 19h15. Ainda não estacionei o carro. Dou uma volta no quarteirão e por sorte um carro está saindo da vaga. Pego dois reais para o guardador e praticamente arrasto a Claudia pra fila dos ingressos. Ela não gosta. Reclama que sou estressado. Às vezes sou mesmo. Ainda mais quando quero ver um filme e estou atrasado. Enquanto ela fica na fila vou ao banheiro. Ela resolve ir ao banheiro quando já está com os ingressos na mão e o filme começando. Entro sozinho na sala. Perdi o comecinho do filme mas não o fio da meada. Ela demora um pouco mais a entrar na sala. Ficou chateada porque eu não esperei por ela. Diz que foi falta de consideração minha. Eu acho que a falta de consideração foi dela e não respondo mais nada. Quero prestar atenção no filme. A trilha sonora é espetacular e a história é uma fábula delirante baseada num clássico da literatura infantil norte-americana. Não sei se é um filme para crianças, mas de certo que é um filme para a criança que ainda existe em cada um de nós.
O filme conta a história de Max, um menino bastante levado e dono de uma imaginação pra lá de fértil. Uma noite, ao desobedecer sua mãe, leva uma enorme e merecida bronca. De castigo e fantasiado de lobo, sua imaginação o leva a um lugar fantástico, povoado por criaturas gigantes. A partir daí o filme se transforma numa enorme aventura, repleto de referências lúdicas, além de questões relacionadas aos sentimentos mais primitivos da infância, como o medo, a raiva, a solidão e o lado selvagem que todos nós temos. Seriam estes sentimentos os verdadeiros monstros que carregamos dentro de nós? O filme nos dá esta resposta de uma maneira sensível, divertida e, por que não?, deslumbrante.
Saí do cinema pensando no quanto eu fui solitário quando criança e no quanto a minha imaginação me levou a lugares tão fantásticos quanto a história que eu acabara de assistir. Lembrei do medo que eu sentia ao ficar sozinho em casa, mesmo estando junto de meu irmão mais novo. Da raiva que eu sentia quando contrariado. Dos monstros que habitavam minha imaginação. Das histórias que minha mãe contava para que eu dormisse. Das artes que eu aprontava. Dos meus tempos de menino. Tempo este que eu ainda guardo dentro de mim, mesmo que os monstros ao redor teimem em me dizer que ele não volta mais.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

All we need is love


Depois de alguns dias fora de casa, cheguei e dei de cara com a geladeira praticamente vazia. Alguns alimentos já vencidos que a empregada esquecera de jogar fora, outros já nos finalmentes e a certeza de ter de encarar um mercado mesmo com os 50 graus que torram os miolos de qualquer mortal que se arrisca nas ruas do Rio de Janeiro em pleno verão do aquecimento global. A notícia logo pela manhã da morte de Zilda Arns, vítima do terremoto que arrasou o já arrasado Haiti, fez meu dia começar estranho. Minha cabeça ainda parecia balançar feito o barco em que estive praticamente todo o dia de ontem e eu fiquei com receio de ser uma crise de labirintite, mas não, tudo indica que foi alarme falso; minha mulher e meus filhos mais novos não conseguiram levantar da cama antes das 10h30; o café da manhã saiu por volta do meio-dia; às duas da tarde a vizinha convidou os pequenos para um cineminha com os filhos dela e o jeito foi improvisar um almoço pra eles não irem ao cinema com fome. No freezer, um pote com o que um dia foi uma feijoada e no armário, dois pacotes de macarrão instantâneo. Em menos de cinco minutos eles já tinham almoçado e estavam prontos para o passeio. Paz. Sossego. Ar condicionado. Clima de montanha no meu quarto. E de romance também.
Algumas horas se passaram. O telefone tocou. Era a vizinha dizendo que estava tudo bem, que iam fazer um lanche e demorar mais um pouquinho. Sem problemas. Aquele final de tarde estava mesmo preguiçosamente gostoso, mas minha mulher resolveu levantar da cama e sair para revelar as fotos acumuladas na câmera e de quebra passar na padaria para comprar umas coisas para o lanche. Não tive coragem de sair do quarto e encarar o caldeirão que se formava à beira do corredor do meu apartamento.
- Quer ir comigo, ela teve coragem de me perguntar.
- Nem morto, eu respondi.
Aproveitei que eu estava no ar condicionado e tomei coragem para ligar para a NET e resolver o problema dos canais que estavam fora do ar. Juro que eu pensei que fosse ficar horas pendurado com aqueles atendentes e seus gerúndios intermináveis. Quebrei a cara, pois em menos de dez minutos os canais estavam todos restabelecidos. Na GloboNews uma entrevista com um coronel do exército brasileiro comentava a situação do Haiti e mais uma vez eu lembrei da Zilda Arns e do quanto somos carentes de bons exemplos feito ela. Mais cedo eu havia lido no blog da colunista Míriam Leitão uma frase a respeito de Zilda Arns que me fez pensar na missão de cada um aqui por estas bandas. O título do post era "Zilda Arns: combateu o bom combate pelas crianças", onde ela afirmava que a perda de Zilda era uma grande perda para o país. Assim como a colunista, eu também sempre tive uma enorme admiração pela fundadora da Pastoral da Criança. Nunca tive a sorte de entrevistá-la, mas sempre que tinha a oportunidade de vê-la na TV não tinha dúvidas de se tratar de uma pessoa especial, daquelas que deixam para sempre a marca do bem por onde quer que passem. Depois de salvar a vida de milhares de brasileiros em condições de miséria, Zilda Arns resolveu levar a Pastoral da Criança para outros tantos países do mundo. Estava no Haiti para mais uma destas missões. Junto com ela morreram mais 11 militares brasileiros e outras cerca de 100 mil pessoas. Na internet o que se vê é o retrato de um país devastado e suas necessidades infinitas. No G1 a manchete é de que Lula telefonou para Obama e pediu ajuda às vítimas no Haiti, mas eu não sei se "o cara" vai conseguir alguma coisa com o Nobel da Paz. Angelina Jolie e Brad Pitt já se comprometeram a ajudar.
Em meio a tantos pensamentos as crianças chegaram do cinema praticamente ao mesmo tempo que minha mulher com as fotos devidamente ampliadas e nosso lanche da padaria. Com tanto calor não sinto muita fome. Comi um sanduíche misto e bebi um mate com bastante gelo. Enquanto os filhos dos vizinhos iam entrando eu ia saindo para encarar o mercado. Calor. No céu, algumas nuvens. Mercado vazio. Achei tudo mais caro. A comida do cachorro, então, estava pela hora da morte. Isso porque o índice da inflação de 2009, anunciado hoje, foi o segundo menor da década. Comprei apenas o que precisava comprar e na hora de pagar tive uma surpresa: dei de cara com o livro "O Banquete", de Platão, nas mãos do caixa que me atendeu. Fiquei surpreso e feliz ao mesmo tempo. Este livro é um dos que minha mulher mais gosta e eu só li porque ela me obrigou. É um livro de leitura difícil, sem nenhum apelo popular, apesar de se tratar de uma celebração ao amor, ingrediente que anda faltando nas prateleiras de muitos corações por aí. O rapazinho do caixa disse que não sabia se ia conseguir ler até o fim porque estava achando meio complicado.
- Li "O Mundo de Sofia" e parti pra este, ele me disse.
Eu respondi que era pra ele não desistir, mas não sei se consegui convencê-lo. Tomara que sim. Até porque, hoje, depois da morte de Zilda Arns, só consigo pensar que tudo o que mais precisamos é amor. Seja ele como ele for.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Folia de Reis, subúrbio e preconceito.


Só fui me dar conta de que eu era suburbano quando entrei na faculdade. Até então eu não tinha a menor noção de que eu pertencia a uma subespécie, considerado por muitos um ser de outro mundo, um alien ou algo parecido. Foi preciso atravessar o túnel Santa Bárbara diariamente e estudar jornalismo na FACHA para me dar conta de que eu era suburbano com todas as letras. Nunca, em momento nenhum da minha vida, o fato de morar no subúrbio foi um empecilho pra mim. Desde que descobri vida após o túnel _ nem sempre vida inteligente, diga-se de passagem _ usei e abusei do meu direito de ir e vir pra onde quer que fosse, pouco me importando que tipo de tribo eu iria encontrar ou se eu poderia pertencer a esta ou àquela. Se eu estivesse a fim de ver um filme na sessão da meia-noite nos primórdios do Cineclube Estação Botafogo, eu ia; se eu quisesse ficar na Farani até tarde da madrugada e depois voltar de ônibus pra casa sem receio de assaltos, eu ficava; se a vontade era de ver o pôr do sol no Arpoador, lá estava eu, da mesma maneira que eu ia pros cafundós de Niterói ou Realengo ou Tijuca e Rio Comprido na casa de meus amigos.
Digo isso porque hoje, conversando com um amigo, morador de Botafogo, percebi enraizado nele o tom do preconceito que muitas vezes nós, brasileiros, conseguimos camuflar. Não sou negro, não sou gay, não sou judeu, não sou portador de necessidades especiais, mas sou suburbano, o que para muitos é quase um pecado, motivo de piadas. Ou defeito, sei lá. "Mas por que você resolveu comprar um apartamento no Méier?" é uma das perguntas que mais ouço, sempre acompanhada de uma cara de estranhamento. Na maioria das vezes não me dou ao trabalho de responder e cada vez mais tenho a certeza de que esses que me fazem este tipo de questionamento pensam como aqueles que vivem no Primeiro Mundo e acham que vão encontrar macacos e índios soltos nas ruas de nossas cidades. Porque o estranhamento é o mesmo, só que numa visão macro. Ou não?
Mas vamos deixar o preconceito pra trás e falar das coisas boas do subúrbio. Ontem, assim que deu meia-noite, soou um foguetório dos bons aqui perto de casa. Desta vez era pra anunciar o Dia de Reis. Mais uma vez fui apanhado por boas lembranças da minha infância, no subúrbio de Pilares, onde nasci, morei até um ano de idade, mas por conta da minha avó e de outras tias, tios e primos, frequentei até a adolescência. Lá passava a Folia de Reis de casa em casa. Lembro de uns homens de uniforme e seus instrumentos musicais, umas meninas carregando umas bandeiras, a do Divino, e minha avó com um bolo que ela fazia com as frutas secas e as nozes que sobravam do Natal. Minha mãe também costumava fazer bolo nesta data, mas de uns tempos pra cá, por conta da diabetes, ela perdeu o prazer de fazer doces e seus bolos, assim como os da minha avó, ficaram na saudade. Confesso que faz anos que não vejo passar uma Folia de Reis. Mesmo aqui pelas bandas do Méier, subúrbio do Rio de Janeiro, o Dia de Reis é apenas o dia de desmontar a árvore e guardar os enfeites de Natal. E só. É como diz a letra da música do Tim Maia: "Hoje é o Dia de Santos Reis, anda meio esquecido, mas é dia da festa de Santos Reis!"
No mais, fui com meu filho, o número um, assistir ao filme do Lula. A oposição pode ficar tranquila. Não é um filmaço. Não emociona. E pela pequena quantidade de pessoas na sessão, deve durar pouco tempo em cartaz. É apenas um registro de parte da história de um homem que conseguiu romper com tudo aquilo que um dia conhecemos como preconceito. Mesmo que este preconceito ainda continue velado por aí.