sexta-feira, 23 de março de 2012

Pudera eu também falar

Dentro de mim há um parlatório,
Um desfiar de rosários, uma ladainha sem fim.
E os pensamentos em corredeiras,
penhascos, esquinas, ladeiras,
a percorrer cada canto
sobrevivendo como que por encanto
ao doce veneno do pranto
que melancolicamente escorre daqui.

Apenas ouço o que eles me dizem
mas não entendo muito bem o que eles querem.
Muito menos o que eles fazem.
São poetas a perderem tempo,
a vagabundearem por aí,
lapidando frases no mural da minha cabeça,
aquarela a derramar suas cores,
amores que eu jamais esqueci.

Gosto quando só o que resta é a palavra.
A fala bem marcada pela sílaba mais tônica
na voz solitária e doce de um cantador
que rima na lembrança o som daquilo que um dia se perdeu
na conversa que ficou eternizada no fundo da memória
afetivamente solidária, história escrita por diversos eus
que me revelam o significado do que jamais foi dito.
Repito: escrever, por vezes, me dói.

Pudera eu também falar.

sábado, 17 de março de 2012

Os poetas também morrem

Não sei quanto tempo ainda vou ficar por aqui.

Ele também não sabia.

Entretanto, conhecia ele o exato instante da palavra,
a urgência da frase ainda sequer escrita,
latente em suas ideias,
fremente em suas andanças,
firme em seus pensamentos traduzidos entre tantos versos
entreouvidos no murmurar da noite
reverberados, reinventados, alucinados até.

Sobe nas mesas e declama o texto de improviso
do orador de tantas vozes que se calam
num momento em que tudo para,
em que a gente dança no palco em que se cospe e se envenena
a lucidez que paralisa e bloqueia a fantasia,
e deixa então de ser real para se tornar poesia.

Corta, poeta.

Sangra em minha carne a tua vontade.
Faz de mim o verbo mais que imperfeito
E cicatriza na minha pele o gosto da tua verdade.
Antes que eu morra e tudo que eu fui desapareça
feito comida de traça no fundo do armário
ou o pó na estante que me serve de abrigo,
eu não ligo, apenas costuro o que você rascunha.

Então, rasga, poeta.

Esgarça, procura e provoca a minha inquietude.
Porque eu sei que também vou embora qualquer hora dessas
cedo ou tarde eu não vou me importar
e que seja em pleno caos da madrugada
sob a luz da tua retina descortinada sobre minha pele,
tua mão a me tocar de leve
e tua voz a me dizer não vá não vá não vá.

domingo, 11 de março de 2012

Deslizes são fatais

O ano era 2008. Eu estava em Juiz de Fora fazendo mais uma campanha politica e não pude acompanhar atentamente a eleição para a prefeitura do Rio de Janeiro, mas óbvio que eu sabia muito bem quem levaria meu voto. Meu candidato - tanto o de Juiz de Fora quanto o do Rio de Janeiro - conseguiu levar o pleito para o segundo turno e segundo turno é outra campanha, completamente diferente, com outra dinâmica, ainda mais estressante, especialmente para quem foi pago para ganhar a eleição. Eu elegi meu candidato.

O de Juiz de Fora. O do Rio não.

Numa campanha politica uma série de fatores é responsável tanto pelo sucesso quanto pelo fracasso do candidato. Desde a empatia com o eleitorado e a diposição de se tornar popular à firmeza de um bom discurso político, consistente, propositivo, sério, livre de preconceitos. Coisa cada vez mais rara. Até porque, o ser político nos dias de hoje, é provido de descrença e de desconfiança e desprovido de moral. Não vou me arriscar aqui a dizer que ao ser político de hoje em dia também falta ética, porque ética tem a ver com caráter e caráter, a gente sabe, é inerente ao ser humano. Todos têm. Seja ele bom ou ruim. E não me cabe aqui julgamento algum.

Em Juiz de Fora eu conseguia ver qualidades no meu candidato. Ele havia sido considerado o melhor secretário de desenvolvimento social do país no ano anterior, tinha um discurso sério, nunca me pareceu leviano e se mostrou com uma enorme disposição de fazer uma campanha onde ele tivesse um contato mais direto com o eleitor. A camisa social azul e o paletó deram lugar a camisas pólo e muita sola de sapato. Nossos programas eram basicamente gravados em externas, numa agenda de apresentação de propostas feita com a participação popular. A boa capacidade de improvisar do candidato aliada a um roteiro de gravação pré-estabelecido com a equipe deu certo e aquele político com fama de elitizado viu que tinha potencial para se tornar o preferido do povão. Assim foi feito.

Do quarto lugar nas pesquisas para o cargo de prefeito foram quase quatro meses de intenso trabalho. Não me arrependo de nada do que fiz naquela campanha. Tudo o que foi ao ar, e que levava minha assinatura, tinha verdade. Os textos, as edições, nada foi manipulado para encobrir um mal feito ou uma mentira. Todas as acusações eram rebatidas e devidamente esclarecidas. Todo o trabalho da equipe de criação daquela campanha foi feito com muita emoção, diga-se de passagem. Voltei para casa saboreando o doce gosto da vitória.

Mas meu candidato no Rio não teve a mesma sorte.

Como eu relatei há alguns parágrafos acima, segundo turno é outra campanha e qualquer deslize pode arruinar uma candidatura. E foi o que aconteceu com o meu candidato no Rio. Ao cumprir uma agenda deixou escapar na frente de um repórter uma frase que comprometeu, a meu ver, toda a sua trajetória de homem público. Na sua frase infeliz, ele afirmava que uma determinada vereadora, integrante da sua coligação, teria uma "visão suburbana" sobre a construção de um aterro sanitário e mais: que ela seria uma "analfabeta política". Moradores do subúrbio, como eu, mais preciosos que nunca para ele, de postura "Zona Sul", consideraram o comentário de um enorme preconceito. O outro candidato, claro, usou e abusou do fato, noticiado com alarde por toda a imprensa e agradece a Deus - e ao repórter - até hoje pelo acontecido.

Dois anos mais tarde este mesmo candidato tentou se eleger governador do estado. Mais uma vez não conseguiu. A derrota nas urnas não foi culpa de nenhum repórter que ao cumprir seu ofício publicou uma declaração infeliz, mas tenho cá minhas desconfianças de que aquele episódio com os suburbanos foi responsável por uma campanha sem muita convicção por parte da militância e também de sua parte. Eu, como bom suburbano, confesso que não me empolguei nem um pouco em ceder-lhe meu voto. Imagino que muitos outros pensaram como eu naquela eleição. Uma pena.

Agora, às vésperas de uma nova eleição municipal, a campanha parece ter sido nacionalizada em São Paulo. Mais uma vez uma queda de braço entre o PT e o PSDB. Lula, mesmo afastado do poder, lutando contra um câncer na laringe, continua dando provas de sua força política e impôs o nome de Fernando Haddad como pré-candidato do partido à prefeitura da maior cidade da América Latina, enquanto Serra, que carrega a pecha de candidato derrotado, depois de negar e muito fazer suspense, se apresenta como o nome dos tucanos para o cargo. Os olhos da imprensa estão virados para São Paulo porque lá a briga já começou e promete ser boa.

Aqui no Rio a situação ainda estava morna e a batalha parecia ganha. O atual prefeito é candidato à reeleição e tem a seu favor a máquina e uma agenda de eventos pra lá de positiva, além de contar com apoio de mais 19 partidos, o que lhe garante um tempo bastante significativo de propaganda na TV. Nenhuma outra candidatura havia se apresentado para a luta até que, há poucos dias, um acontecimento movimentou a imprensa e a vida política da cidade. A bela filha do ex-governador Garotinho, Clarissa, anunciou que será a candidata a vice na chapa de Rodrigo Maia, filho do ex-prefeito Cesar Maia que, entre outros legados, deixou para os cariocas um elefante branco mais conhecido como Cidade da Música, obra que consumiu uma fortuna e que ainda está inacabada. Um casamento perfeito, já que assunto, piada e, por que não?, desespero, não faltariam para, nós, eleitores cariocas.

Mas um outro fato acendeu a luz no fim do túnel da eleição no Rio de Janeiro. O mesmo repórter que publicou a frase infeliz daquele que era o meu candidato a prefeito em 2008, foi o primeiro a publicar uma matéria onde o pré-candidato Marcelo Freixo, do PSOL, conhecido por seu combate às milícias, anuncia que o seu candidato a vice na chapa será o fundador do grupo O Rappa, Marcelo Yuka, um dos artistas mais engajados da atualidade. No ano 2000 Yuka, famoso por suas composições contundentes e sempre carregadas de críticas, ficou paraplégico após levar um tiro num assalto no bairro da Tijuca e desde então participa ativamente de projetos sociais e assim como o Freixo, é dono de um discurso que, no mínimo, merece ser ouvido com respeito e atenção. É claro que ele deve estar preparado para os impropérios que irão surgir no ringue durante a campanha. Os reacionários, os moralistas, os demagogos e, lógico, os marqueteiros, estarão mais a postos que nunca e vão carimbá-lo de tudo. De maconheiro incentivador do uso de drogas a vagabundo.

Qualquer deslize será fatal.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Eles não sabem o que dizem. Nem eu.

Ando cansado dos que nunca se cansam de falar de amor. Eles não sabem o que dizem. Toda esta teoria de que bate no peito e depois não tem jeito e que é preciso perder a razão tem um quê de loucura, o que, por si só, não tem explicação. Portanto, descarte as teorias e não perca seu tempo com quem acha que vai ditar qualquer tipo de regra. Balela. Não acredite neles. Preste atenção apenas naquilo que você experimenta com a prática, com a vivência do dia a dia, com o olho no olho, pele na pele, no arrepio e no descompasso das batidas do seu coração, revelando que você é muito mais do que poderia supor.

Mas isso se você for capaz, porque eu sei que é difícil. Para alguns é até impossível.

Tem de caminhar até a beira do abismo e preparar o salto, o mergulho profundo, a verdadeira viagem que se faz olhando para dentro ao descobrir-se infinito. Sem medo, vergonha ou pudor. Por mais que tudo lá fora um dia se acabe e perca o sentido daquilo que nunca teve um porquê. Assim como o Deus, que está morto, o amor, para existir como amor de verdade, precisa muito mais que coragem. É preciso dar um tiro no escuro, acreditar no abstrato, fugir dos conceitos pré-estabelecidos e deixar de lado de uma vez por todas os preconceitos do que é sujo, impróprio, imoral ou não é permitido. Porque o amor tudo pode.

Permita-se.

Eu, que já me permiti tantas vezes, volta e meia me pego falando de amor por aí. Mas não me dê ouvidos. Isso cansa.

quinta-feira, 8 de março de 2012