sexta-feira, 16 de julho de 2010

Música até o fim

Nunca tive um só cd de Elizeth Cardoso. Embora conheça suas músicas desde criança graças à minha minha mãe, que volta e meia cantarolava uns versos que, conforme suas palavras, eram do tempo do ronca. Só bem mais tarde fui prestar atenção naquelas músicas e no talento daquela que foi uma das maiores cantoras brasileiras. Eram preciosidades feito Ellizeth Cardoso que faziam sucesso e a cabeça da geração dos meus pais. Lembro eu, bem menino, de um lp da Maysa e toda aquela fossa na minha casa. Dalva de Oliveira era habitué e volta e meia surgia uma Ângela Maria. Nelson Gonçalves também batia ponto e Roberto Carlos nunca perdeu a majestade. É o rei. O primeiro disco de João Gilberto tenho guardado até hoje. Depois veio Elis. Lembro que minha avó, mãe do meu pai, só se deu conta do talento da Elis pouco antes de morrer. Eu não. Gosto dela desde sempre.

Um dia eu descobri o Milton e os mineiros do Clube da Esquina. Injetei na veia. Sentinela é um dos discos cujas faixas devem constar do meu dna de tanto que me emocionam e me inspiram. Um pouco antes conheci Vinícius, Toquinho e toda sua poesia. Chico veio depois, meio tímido, mas arrebatador. Por Caetano sempre rolou admiração e muita atenção ao que ele dizia. Gil foi com Realce. E teve Baby, teve Moraes, teve Alceu. Mas Elizeth Cardoso nunca.

Daí que hoje cedo, ao ler o jornal, dei de cara com uma matéria falando da Divina. Dos seus 90 anos. A matéria começava com uma declaração de Tom Jobim, explicando o por quê de Elizeth ter sido escolhida para gravar o LP Canção do Amor Demais, onde se ouve pela primeira vez o violão de João Gilberto. Li de um fôlego só e levantei do sofá com o firme propósito de comprar um cd ao menos daquela que era dona de uma suavidade mais suburbana do que de beira de praia, conforme a matéria dizia. Me arrumei para ir pro jornal e no caminho entrei na loja de discos mais antiga do Méier. Uma das únicas do Rio de Janeiro que, por ora, sobreviveram aos downloads. Entrei meio descrente de que iria encontrar o que eu queria. Afinal, disco de Elizeth Cardoso, no Méier? Só deve ter na Modern Sound, eu pensava. Que nada. Comprei logo dois.

No jornal, mostrei para um amigo as aquisições, mas fui cooptado por uma passeata, por um comício e por seus flashes intermináveis. O tempo voou na redação hoje por conta disso. Quando vi já eram mais de dez da noite, eu só tinha ido ao banheiro duas vezes, comido um sanduíche entre uma publicação e outra e ainda me restavam duas páginas para virar até meia-noite, antes de chegar em casa, relaxar e ouvir Elizeth. Até lá eu estaria no olho do furacão e nem sei como consegui tempo de me emocionar com um vídeo que postaram no Twitter. É uma gravação com o grande Paulo Moura, feita dias antes de sua morte, esta semana. Ele na varanda da Clínica Sao Vicente, nos últimos sopros de vida. Um olhar já distante. Uma postura elegante. E música até o fim.

Despedida from Eduardo Escorel on Vimeo.

Eu também quero música até o fim da minha vida. Juro.

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