sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Tô chegando, Rio. Até já, Brasília.

Confesso que cheguei em Brasília sem saber exatamente o que eu estava vindo fazer aqui e muito menos o porquê de ter aceitado o convite para vir para cá. O trabalho não me assustava, muito pelo contrário. Dessa parte eu estava bem consciente da responsabilidade que iria assumir e, apesar de confiante, nunca deixei que a soberba e o orgulho dessem as cartas. Carrego comigo a humildade de aprender todo dia com todo mundo desde sempre e aqui não foi diferente.

Passei todos esses doze meses dividindo o pequeno espaço da quitinete onde eu moro e que cismo em chamar de apartamento, com uma mala cor de cinza chumbo. Eu olhava diariamente para esta mala e era como se ela olhasse para mim e me dissesse para eu não esquecer que tudo é passageiro, que a vida é uma eterna sala de embarque e desembarque, e que a qualquer momento te apontam um próximo destino.

Uma das minhas maiores dúvidas antes de chegar aqui, depois de ter chegado e até esse momento, é como sobreviver longe das nossas raízes e dos nossos frutos? Como não me sentir abandonado e, tampouco, abandonando? Foram 48 anos morando sempre com alguém, dividindo quarto, compartilhando amor, casa cheia, comida no fogão, pai, mãe, irmão, mulheres, três filhos, um neto. Companhia. Tinha sempre alguém comigo. Fosse para namorar, brigar, cuidar, dormir, rir, chorar, jogar conversa fora. Nunca, jamais, em tempo algum eu havia ficado sozinho de fato. Eu e eu por tanto tempo. Um desafio e tanto. Brasília me colocou à prova.

De cara, estranhei o silêncio. Brasília, por si só, já é uma cidade silenciosa, sem esquinas, sem ninguém, cheia de espaços, cheia de vazios, retas e curvas que elegantemente te convidam à solidão. Não foi difícil me acostumar com o silêncio da cidade, nem com a distância entre tudo e todos. A luta maior foi entender como lidar com meu próprio silêncio, chegar em casa, saber que eu não teria com quem conversar e ter de aceitar a minha própria companhia. Foi um processo me aproximar de mim. Corre para a análise. Corre para a Chapada. Lê Espinosa, tira os sapatos, se encanta, encanta, faz versos, prosa, poesia. Precisei de um tempo, é verdade, e durante esse tempo eu me dividi entre querer ficar sozinho e exercitar o dom que Deus me deu de fazer amigos. Consegui as duas coisas. Já tenho amigos muito queridos aqui, reuni uma turma boa. Já tenho também a noção daquele que se cala dentro de mim, daquele que se permite ouvir e que reconhece quando é o outro que está falando e não ele e que ele não precisa ouvir o que não quer. É só fazer silêncio. Agora eu sei.

Aqui onde eu moro, pelas bandas da Asa Norte, entre o Congresso e o Palácio da Alvorada, tem uma varanda que dá vista para uma área verde, bonita, bem cuidada, e de onde dá para ver um pedaço do lago Paranoá. É uma varanda minúscula, mas que te acolhe e te chama para ficar por ali para sempre. Eu, que nunca recusei um bom convite, perdi a conta de quantas noites e madrugadas fiquei por ali sem abrir a boca, só eu e minhas saudades, uma orquídea que teima em viver florida, meus cigarros, algumas doses de gin tônica, meus medos, dores, angústias, dúvidas, amores, muita gratidão por tudo e todo aquele céu, ora me abraçando em nuvens, ora me sorrindo em estrelas. É realmente lindo, demasiadamente lindo, o céu de Brasília.

Amanhã, antevéspera de Natal, embarco à tarde para o Rio de Janeiro. Vou ficar um tempo perto das minhas raízes e dos meus frutos, das minhas memórias afetivas. Vou ver meus filhos, neto, pai, irmão, o mar. Vou dar um tempo do Cerrado, do pequi, da música sertaneja, essas evidências todas, e vou ao encontro das montanhas, florestas, morros e contornos da cidade quente, purgatório da beleza e do caos, mas que para mim continua sendo maravilhosa, não me pergunte o porquê. Vou, mas volto. E se volto é porque ainda não acabou. Vai ver está só começando.

Tô chegando, Rio. Até já, Brasília.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Hemisférios

Eu não sei o que eu faço de mim
se cada pedaço é de um jeito,
se ainda há nós dentro do peito,
um traço preciso dividindo tudo ao meio,
hemisférios norte e sul.

Meus dois lados.

Um bonito e um feio,
um vazio e um cheio,
um arrumado e um desfeito
e essa lua minguando de fases lá fora.

Traz com ela o vento insone da noite,
céu de estrelas coloridas,
abro os olhos,
tudo brilha,
e metade de mim quer andar descalço
nas areias quentes desse meu deserto particular.

A outra metade que fica quer se derramar em temporal,
se despir nas águas limpas do rio verde,
corpo solto,
correnteza,
mato, vida, natureza,
verso, verbo, rima.

Ponto final.