sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Da arte de deixar boas lembranças

Não faz dois dias e um conhecido meu me perguntou por que é que algumas pessoas apenas passam por nossas vidas. Eu não lembro bem o que foi que respondi, mas na hora pensei na terrível dor da perda e em como é importante deixar boas lembranças a quem quer que seja, já que mais cedo ou mais tarde vamos nos ver pela última vez.


A verdade é que, muitas vezes, um simples gesto, uma frase bem colocada ou um olhar sincero de amizade podem mudar o rumo de quem, num determinado momento, está apenas passando ao seu lado.

Lembro que há alguns anos, na minha primeira campanha política, indiquei três livros a um rapaz, o Patrick, que editava os vídeos comigo. Ele gostava de tocar violão e dos meus cds do Clube da esquina. Ele era de pouca conversa, mas comigo falava pelos cotovelos. Muito provavelmente porque eu puxava assunto, como todo bom jornalista.

O primeiro livro que indiquei foi Budapeste, do Chico Buarque, que ganhei da Rachel, grande amiga, assim que foi lançado e levei para ler durante os meses que passei no interior de São Paulo. O outro foi Pilates, do Cony, que eu considero uma obra-prima e que me foi apresentado por um outro amigo, o Aldenir. A história, sobre um homem que fora castrado, em princípio meu causou um certo estranhamento, mas antes que eu terminasse de ler a segunda página, já estava às gargalhadas, completamente vidrado no texto.

Confesso que eu nunca tinha gargalhado lendo um livro antes.

O terceiro que indiquei foi Ecce Homo, uma das obras mais loucas de Nietzsche, onde o filósofo faz meio que um apanhado de todo o seu pensamento e deixa revelar o receio que ele tinha em não ser compreendido. Um texto controverso de um autor com transtornos mentais e que nunca economizou nas palavras e nas afirmações. Até hoje eu não entendo muito bem o que Nietzsche quis dizer em seus livros, mas volta e meia releio o que ele escreveu e sei que de uma maneira ou de outra aquilo tudo que está escrito é primordial para a minha vida.

Faz oito anos que não vejo o Patrick.

A última vez que tive notícias dele foi quando ele me mandou uma mensagem dizendo que não trabalhava mais como editor e que aqueles três livros que um dia eu disse para ele comprar tinham mudado a sua vida. Disse que tinha adorado os três e que Pilates arrancara-lhe crises de riso de passar vergonha dependendo do lugar em que estivesse.

Budapeste ele contou que finalizou num voo para Londres e que o livro marcou sua viagem para a terra dos reis e rainhas. No aeroporto de Lisboa ele conheceu uma brasileira que também estava lendo Budapeste e são amigos até hoje.

Quanto ao Nietzsche, ele me confessou ter sido seu primeiro contato com o pensamento científico e ler Ecce Homo foi definitivo na sua decisão pelo mundo acadêmico, vida que segue atualmente com muita alegria. Patrick me disse ainda que sem que eu soubesse acabei sendo muito importante na sua formação humana.

"Você me deu o exemplo certo no momento certo. Nunca tive a oportunidade de lhe agradecer por isso" foram as suas duas últimas frases.

Nunca mais nos vimos desde aquela campanha e até hoje tenho minhas dúvidas se posso servir de exemplo para o que quer que seja. Mas sempre que penso no Patrick tenho a certeza de que o que realmente importa são as boas lembranças.

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Algumas pessoas apenas passam por nossas vidas feito coisa sem importância, um rastro de córrego seco, um apertar de mãos efêmero, um apagar de luzes fugaz.

Tenho uma dó danada de quem apenas passa pela vida.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Eis aqui a minha palavra

A palavra é o meu reflexo,
o meu espelho.

É nela que se vê em mim o que há de mais nítido.

Na palavra eu me revelo,
Junto as frases, rimo um verso.
Simplifico o que pode ser complexo,
Traduzo, me explico, converso e troco.

A palavra me conquista.
Grifa rascunhos em mim.
Grava em meu peito escritos de sorte,
Feito tatuagem colorida,
Que alegra e cicatriza
O couro forte da minha própria pele.

Sou página em branco.
Um caderno sem pauta.
Letra morta enterrada entre parêntesis.
Uma espécie de aposto perdido nas vírgulas.

Sem nexo ou adjetivos nem verbetes que eu possa decifrar.

É na palavra que eu me mostro
Quando permito interpretar meu texto.
Folheio-me.
Leio-me.
Deleito-me.

Satisfaço meus hiatos,
Procuro sinônimos nas minhas entrelinhas,
Vou de encontro ao vocálico
Construindo monossilabicamente meus parágrafos
Até o ponto final.

Só então eu viro a página.