quarta-feira, 19 de junho de 2013

Dressed to kill

Janaína é uma mulata arrebatadora, com 1,75m, cintura fina, peitos fartos, cabelos tratados, cheirosa e vaidosa que só. Moradora de Marechal Hermes, trabalha no centro da cidade como secretária de um escritório de contabilidade. Casada, costuma sair cedo de casa para pegar o trem até a Central do Brasil, mas antes, prepara o café da manhã pro marido, Nestor, taxista, e pros filhos, Luana, Lorraine, Luan, de 5, 7 e 9 anos, que ficam com uma sobrinha. Janaína é do tipo que faz tudo todo dia sempre igual. Só que não.

Naquela manhã Janaína acordou mais cedo, tomou um banho demorado, passou cremes, caprichou na depilação e deu uma certa exagerada no perfume. Saiu do banheiro enrolada na toalha, entrou no quarto sem fazer muito barulho. Nestor ainda dormia, as crianças idem. Do fundo do armário tirou um vestido de jérsei com estampa de onça, decote sexy, comprimento acima do joelho, novinho em folha, nunca havia usado. Sobre o sutiã cor de pele e a calcinha sem costura, o vestido caiu feito uma luva. Brincos dourados, braceletes com pedrarias e um sapato alto salgo agulha completavam o visual mulata tipo exportação.

Na cozinha, deu um gole no café preto, comeu um pedaço de pão com manteiga e deixou sobre a mesa um bilhete para Nestor, o marido, dizendo que teve de sair mais cedo para preparar o almoço de aniversário de 70 anos do chefe, seu Hilário, mas que as mochilas das crianças estavam prontas e que era para ele deixá-las na casa da sobrinha, como de costume, que quando ela chegasse, mais tarde, ela passava lá para buscá-las.

Da estação de trem em Marechal Hermes à Central do Brasil e durante todo o dia Janaína ouviu cantadas de todos os feitios: Bom dia, tigresa. Que felina classuda. Essa gata é uma fera. E por aí vai. Janaína estava mesmo na alturas. O almoço do chefe foi um sucesso, todos os funcionários do escritório confraternizando, uma alegria contagiante. Parecia até festa de fim de ano.

No meio da tarde ainda teve bolo, salgadinhos e refrigerantes. O chefe não podia estar mais feliz. Nem Janaína, que vestida de onça, estava se sentindo mais poderosa que nunca. Até que no final do dia toca o seu celular. Era Nestor, o marido.

 - Fala, jaguar.

- Jaguar? Por quê?

- Você saiu de casa hoje igual a uma jaguatirica!

- Antes jaguatirica do que jararaca, feito a sua mãe. Faz o seguinte, Nestor, não me espera pra jantar. Pega as crianças e se vira, porque a jaguatirica aqui hoje vai demorar a chegar.

Desligou o telefone antes mesmo que o marido respondesse.


É isso q enfraquece...

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Vergonha e covardia

Depois de uma noite no mínimo histórica, onde paulistas e cariocas apanharam brutalmente daqueles que são pagos para garantir a segurança de todos, me perdi entre debates e panfletagens virtuais que vararam a madrugada e me tiraram o sono. Na timeline do facebook, a verdadeira e legítima cobertura da manifestação que mobilizou milhares de pessoas em algumas cidades do Brasil, mas especialmente Rio de Janeiro e São Paulo. As imagens, os vídeos e os relatos eram impressionantes. E mais impressionantes ainda se comparados à cobertura da mídia tradicional, que ainda chamava os manifestantes de vândalos, como se o protesto fosse simples baderna.

Covardia.

Mas não só a covardia daqueles que humilham com o cassetete nas mãos, protegidos por patentes, escudos e capacetes e baixam a porrada em cima de jornalistas, estudantes, trabalhadores, homens, mulheres, enfim. Não. Covardia pelo que somos submetidos diariamente. Seja o cara que mora na baixada e precisa acordar às 4h para pegar o trem lotado, atrasado, mal conservado, sendo empurrado para dentro dos vagões com a delicadeza de um carcerário, ao empresário, dono do Market Place Center Fields, que mora numa cobertura na Delfim Moreira, ali no comecinho do Leblon, paga seus impostos e quer viver num país justo.

Por que não?.

Por várias vezes li textos e publicações, de gente próxima até, chamando os manifestantes de vândalos. Realmente, vandalismo é inadmissível, coisa de povo mal educado, porco, sujo. Pra quê pichar igrejas, monumentos, quebrar praças inteiras? Mas não foi só isso que eu vi. De certo houve vandalismo, o lado pequeno da história, e justamente o lado que tentaram vender nas manchetes dos jornais. Lembro de acordar na quarta-feira e ler na capa do impresso que amanhece em minha porta a seguinte chamada: A Marcha da Insensatez, referindo-se à manifestação que já havia deixado São Paulo e o país em alerta na terça-feira. Insensatez?

De quem?

Ninguém estava nas ruas para protestar apenas contra um aumento de míseros vinte centavos de real nas tarifas de ônibus. Muito embora míseros sejamos nós. O que se viu na noite desta quinta-feira nas ruas foram surtos de indignação, um movimento maciço de protesto contra o que oprime, contra o que é covarde, contra o que é verdadeiramente vandalismo. Porque somos, sim, nós, todos os brasileiros, vandalizados por esse poder que corrompe e assombra e maltrata.

Somos vandalizados no momento em que pagamos nossos impostos e não temos transporte público de qualidade, não temos um serviço de saúde que atenda a todos com um mínimo de dignidade, não temos segurança, esgoto, asfalto, luz, muitas vezes nada. Somos vandalizados quando tomamos porrada na cara e viramos alvo daqueles que deveriam garantir a nossa segurança. E não falo aqui somente da truculência da corporação militar. Falo daqueles que estão no Planalto Central ou dentro de seus palácios de governo interessados nos contratos que vão lhes garantir cada vez mais regalias e poder.

Vergonha.


sexta-feira, 7 de junho de 2013

Capitão Américo

Capitão Américo é daqueles militares que não deixam a patente cair nem quando estão em casa, no lazer com a família. Do tipo durão, acostumado a comandar batalhão de soldados, não é de dar explicações a ninguém. A não ser quando comandado, claro. Casado com Elenice, mulher batalhadora - apesar de ser loira, como ela mesmo faz questão de afirmar -, Capitão Américo traz o casamento no cabresto: gosta de chegar em casa e ver o jantar pronto, os filhos de banho tomado, o Jornal Nacional, a novela, o 'até amanhã, meus filhos', o 'chega pra cá, patroa', o 'foi bom pra você, amor?' e o "boa noite".

Ciumento num nível patológico, vive controlando as ligações que Elenice faz no celular e volta e meia quer saber quais sites ela acessa no laptop que ele deu de presente no último aniversário de casamento. Desde então, cada um tem o seu, que é para evitar briga e preservar a relação. Numa dessas noites, enquanto Elenice tomava banho e as crianças já dormiam, corroído por uma curiosidade absurda, fora dos padrões da normalidade, Capitão Américo resolve instalar um programa espião no laptop da mulher, para rastrear toda e qualquer conversa que ela viesse a ter nos chats das redes sociais. O processo não demorou muito e em poucos minutos o rastreador de conversas alheias estava infiltrado no laptop de Elenice. Capitão Américo só esqueceu de um detalhe: desaparecer com o papel das instruções de instalação. Esqueceu a prova do crime do ali mesmo, junto a umas correspondências e contas a pagar.

Dia seguinte Elenice acorda louca para acessar o seu facebook e dá de cara com o tal papel. Ela, que apesar de loira, de burra não tem nada, na hora se deu conta do que o marido fizera. Como vingança é mesmo um prato que se deve comer frio, deixou passar alguns dias - poucos, é verdade - e, num momento de distração do capitão Américo, foi lá e fez o mesmo no laptop dele. Só que, claro, jogou fora o papel com as instruções.

Num piscar de olhos começaram a surgir conversas comprometedoras do Capitão Américo com dezenas de mulheres nos mais variados chats. Uma delas, inclusive, a melhor amiga de Elenice. Caso clássico de adultério. Ficou puta. Fumou um maço de cigarros de uma vez. Gravou tudo num pendrive. Mas manteve a linha quando o marido voltou da caserna, agindo naturalmente, como se nada tivesse acontecido. Loira, inteligente e ardilosa, eu diria. Naquela mesma noite transformou aqueles arquivos num pdf, determinada a montar uma apresentação. O power point da traição virtual. Foi dormir cheia de si.

No café da manhã, após os filhos saírem para a escola e entre xícaras de café amargo e cestas de pão francês, Elenice diz que precisa mostrar uma coisa para Capitão Américo em seu laptop. Capitão Américo diz que não pode, que está atrasado, que hoje é dia de ordem unida, que ainda precisa engraxar o coturno, entre outras desculpas.

- Não aceito desculpas, Américo - disse ela, com a autoridade de um coronel.

O Capitão arregala os olhos e quase presta continência. Afinal, Elenice nunca havia falado assim com ele antes e antes mesmo que ele se recusasse mais uma vez, ela foi iniciando os slides. Um a um. Bem devagar, que era pra dar tempo dele (re)ler tudo o que havia escrito naquelas últimas semanas nos chats com as amigas.

Após o último slide, um silêncio que jamais houve naquela casa e uma única certeza: Capitão Américo perdera a batalha.

- Isso é só para te avisar que eu sou loira, mas não sou burra, e que a comandante dessa casa agora sou eu.

Isso sim é golpe de estado!

terça-feira, 4 de junho de 2013

A primeira pedra

Perdoa.
Porque é no erro que se revela o homem e eu aqui estou.
Joga você sobre esse corpo, que é o meu, todas as pedras.
Desde a primeira.

Atira em mim.
Mira em minha face suja suas verdades.
Faz do meu contorno o alvo e me acerta
a frase exata.

A palavra certa.
O gesto preciso.
A flecha que atravessa o peito
e fere o corte à lâmina que ainda sangra.

Tira.
Subtrai de mim o que não é certo,
Se decerto você estiver com a razão.
De outro modo, não.

Quem não tem pecados?