quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Uma outra luz

Acaba logo porque já deu a hora.
Saiba que é preciso acompanhar o passo
do mundo que escorre e corre,
enquanto uns morrem e outros apenas vão embora.

Ontem mesmo soprou por aqui o vento do passado.
Passou por mim assim sem jeito, o vento.
Fez como se fosse um gesto lento,
quase uma brisa leve. Breve.

Antes tivesse vindo um tormento, a fúria.
A tempestade anunciada logo cedo.
O mar quebrando em ondas na minha janela.
O medo que cega e paralisa o coração em silêncio.

Ouça o que eu digo e acaba com isso.
Apague as luzes e bata a porta.
Dê adeus e veja se não esqueceu nada.
O que não tem significado deixe mesmo para trás.

Há que se pensar no novo,
que vem num dia atrás do outro, uma certa ânsia de chegar.
Como os batimentos que não param no meu pulso,
lembram que o tempo é fracionado, ritmado, curto.

Porque é de repente que tudo se acaba.
Quando se vê, é mais um ano que termina.
O sol queimando as marcas da minha pele.
Um outro brilho ainda mais intenso que se descortina.

Fiat lux.



















quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Amigo é pra essas coisas

Quase uma da manhã e o telefone toca. A figura pula da cama, vai atender. Do outro lado da linha, seu melhor amigo com voz de quem está apavorado, como se o mundo estivesse acabando.
- Fodeu, roubaram meu carro - diz ele.
- Onde você está? Te machucaram? E a Lêda? As crianças? - o outro amigo pergunta.
- Estão bem. Estão aqui comigo, mas a Lêda está dizendo que vai se separar de mim.
- Mas o que tem a ver uma coisa com a outra?
- Culpa da minha sogra...
- Dona Nêuma? O que foi que ela fez?
- Morreu.
- Para de sacanagem. Tarde pra cacete e vc ligando pra minha casa pra passar trote?
- Não é trote. Roubaram meu carro e a dona Nêuma morreu, porra!
- Os assaltantes mataram ela? Vc já chamou a polícia?
- Não, não chamei e não foram os assaltantes que mataram a velha. Ela empacotou hj cedo enquanto a gente ia pra Minas passar o final de semana na casa de uns parentes. Um susto danado. Imagina?
- Sério?
- Sério, cara. No meio da viagem eu comecei a achar estranho o silêncio da jararaca. Ela, que sempre falava pelos cotovelos, estava calada por demais. Quando paramos para comer alguma coisa, já perto de São João Del Rey, ela parecia dormir profundamente. Chamamos uma, duas, três vezes e ela nada. Daniel disse que a avó estava gelada. Foi aí que bateu o frio na espinha. Lêda só chorava e pedia pra eu trazer a mãe dela de volta. Bate na cara daqui, pega no pulso dali e nada. Mortinha.
- E aí?
- E aí que eu disse que ia voltar pra casa, que não tinha mais jeito e que era melhor colocar o corpo da velha na mala do carro porque pagar translado de defunto devia ser caro pacas e sequer o décimo-terceiro eu tinha recebido.
- Não acredito que você colocou a dona Nêuma na mala?
- Coloquei, porra. Eu ia fazer o quê? Ligar pra polícia? Achei mais fácil trazer o corpo na mala e quando chegasse aqui eu dava um jeito. Esqueceu que o primo da Lêda é médico? Ele dá uns atestados sempre que alguém precisa. Ele não ia negar.
- Que merda, cara. Mas e o carro?
- Pois é. Roubaram na Avenida Brasil. Sabe ali onde fica o Bob´s?
- Sei.
- Foi ali. A gente estava chegando, mas o Daniel pediu pra eu parar porque ele precisava ir ao banheiro. Saímos todos do carro. Só a defunta ficou, claro.
- Não acredito.
- Quando voltamos não tinha mais carro, nem dona Nêuma, nem nada. Lêda quis me matar, Daniel danou a chorar e a Clarinha no colo, sem entender nada, tadinha.
- Cara, que louco isso. E agora?
- Não sei. Não posso nem acionar o seguro. Não paguei as últimas parcelas.
- Já se benzeu?
- Uma centena de vezes. Perdi a conta. Posso dormir aí? Lêda não quer que eu fique em casa.
- Vem, né? Já perdi o sono mesmo.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Oculta

És muito mais do que isso.
És tudo aquilo que não me foi permitido.

És aquela que não vê.
A luz que clareia.
A voz doce da sereia.
O encanto do mar.

És o calor que abafa.
O fogo que queima.
A mão que me afaga.
A outra que me arranha.

És de um jeito que arde.
Morde meus lábios tensos,
Chega perto, encosta.
Mostra os seios sobre minha face oculta.

És pedra bruta.
Virgem, santa,
intensa, pouca, louca.
Puta.

És outra que não a mesma.



terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Eu nada sei

Porque eu não sei de nada e você também vive no escuro.
Tão às cegas, tão alheio, tão não sei quê de mim que nem sei.
Certas horas tudo é tão complicado que o mundo parece que está todo errado, meu Deus.

A mentira que eu conto, a verdade que você esconde,
o tanto que eu procuro e não encontro, sem jeito,
um sujeito oculto e no outro, explícito, tão eu.

A face que reflete no espelho não é a minha, mas sou eu quem crio.
Tal qual a arte que trai e fere luminosamente minha retina,
ou o traço que desconheço, feito sombra que se arrasta num final de dia.

A luz que invade por detrás da cortina da sala
ilumina exatamente o verso que eu tento eternizar em minha pele.
É quando eu desconfio que nas minhas veias correm rimas soltas.

É só uma leve desconfiança.
Daquelas que se tem quando ainda se permite ser criança.
Porque o certo mesmo é que eu não sei de nada.