Esta semana li no perfil de um pseudoamigo meu numas destas redes sociais a brilhante frase: "Natal é o momento em que todos são falsos consigo mesmos". Aquele surto de pseudointeligência me chamou a atenção. Confesso que volta e meia publico umas frases meio absurdas, na tentativa de também ser pseudointeligente, mas aquela, em especial, eu li, reli, li mais umas tantas vezes e não entendi muito bem o que ele quis dizer. Ou talvez tenha entendido tudo, sabe-se lá. A verdade é que eu, particularmente, gosto de Natal. Talvez porque ainda tenha filhos pequenos, e agora um neto, e enxergue neles muito do meu passado e das noites de Natal felizes que eu vivi na casa da minha avó Altair na minha mais remota infância, não sei. Só sei que gosto e pronto. Mas reconheço e respeito aqueles que não veem graça nesta data, talvez por considerá-la comercial demais, onde deixa-se de lado o verdadeiro significado do que é a noite de Natal e passa a valer apenas a figura caótica do bom velhinho derretendo dentro da fantasia e toda aquela correria pelos presentes e os shoppings lotados, as filas quilométricas dos supermercados, os preços absurdos e toda aquela gente se esbarrando nas ruas enquanto a juventude se bronzeia na praia lambuzada ao sol de 40 graus e as cariocas cada vez mais gostosas e quase nuas feito as índias de outrora e os marombeiros, os 'legalize', a playboyzada e a rapaziada reunida em cada esquina, sem camisa, um calor danado, o churrasco de final de ano, a cerveja no boteco, a caixinha dos porteiros, o bolão da mega-sena da virada, a saudade apertada daquele que você não encontra mais, a receita do pernil, um bom vinho, o bacalhau, as rabanadas, noite feliz.
Não.
Talvez seja melhor mesmo remoer aquela mágoa que existe entre os entes queridos da sua família e relembrar o incômodo daquele parente distante que só aparece nestas épocas e sempre com o mesmo assunto irritante. Pode ser o tal primo problemático, filho daquela sua tia histérica, viúva rica deslumbrada e que acabou de se mudar para uma mansão lá pelos lados da Barra e que o tempo todo não para de repetir que morre de medo de passar pela Linha Amarela depois das nove da noite e que sabe histórias terríveis de sequestros-relâmpagos com mulheres que dirigem sozinhas, ainda mais com o carro que ela tem agora, um importado coreano, tração nas quatro rodas, câmbio automático, computador de bordo, dvd e entrada usb, seu presente de Natal. Tem também toda aquela obrigação de estar sorrindo e desejando os melhores votos quando na verdade você acha aquilo tudo um saco e quer mais é que tudo se acabe pra você poder ficar sozinho, quieto no seu canto, sem falar nada e sem querer saber de mais ninguém.
Tudo bem.
Eu vou trabalhar neste Natal. Ano passado também trabalhei. Por incrível que pareça, não vou contrariado. Não é novidade para quase ninguém que eu detesto plantão, mas vida de jornalista é assim e eu já meio que me acostumei com toda esta urgência das notícias do dia a dia e de toda a agitação e tensão que é o trabalho numa redação de um grande jornal. O mundo realmente não para e as coisas acontecem a cada instante numa velocidade cada vez mais estonteante, on-line, on time, full time. Não é só porque é noite de Natal que vai ser diferente depois de um ano inteiro entre quedas de ministros, escândalos do governo Dilma, manifestações anticorrupção, faxinas, herança maldita, privatarias, o câncer do Lula, o do meu sogro, a morte da minha tia e também a do Sérgio Britto e do Joãosinho Trinta e da Cesária Évora todos no mesmo dia. Não. Pelo simples fato de ser noite de Natal estarei contente. E não estarei contente por obrigação, não carregarei o meu sorriso largo como um peso, um fardo, uma farsa, porque mesmo que alguma coisa me aborreça, que alguma eventualidade aconteça, vou sair do jornal a tempo de encontrar com algumas das pessoas que eu mais amo porque graças a Deus eu tenho amor para dar e vender e distribuir e semear assim mesmo sem pausa porque seja lá o que for é o que faz a minha vida ter mais sentido mesmo que tudo ao meu redor muitas vezes me diga não.
É o amor que me faz ser verdadeiro e é o amor que eu celebro nas noites de Natal. Não sou um seguidor fiel, puro e casto de religião alguma mas tenho sim minhas crenças e minhas falhas e meus pecados, confesso. Não sou perfeito mas minha fé é inabalável. Tudo vai dar certo no final desde que haja amor, eu penso, e lembro que há dois mil e onze anos nascia um cara que conseguiu decodificar um pouco este sentimento que chamamos amor e até hoje aquilo que ele pregava, as palavras que ele dizia, aquela parte da verdade que ele trazia estão vivos embora algumas vezes o homem pareça não se dar conta e prefira se esconder na falsidade de sentimentos que nada têm de nobres e esquecem e magoam e ferem e matam o amor.
Nas noites de Natal eu não sou falso comigo mesmo, como dizia a tal frase do meu pseudoamigo. Nunca fui. Nas noites de Natal, como nas outras noites do ano, eu sou verdadeiro. Porque eu só quero amor.
Pra você e pra mim.