sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Emaranhado

Por ora me despi da arte, engavetei as ideias, pus na estante os capítulos rascunhados das histórias que eu mesmo criei.

Por ora virei máquina, engrenagem, ferramenta, coadjuvante, figurante, apenas mais um em cena, diluído num sistema que eu sempre critiquei.

Só reconheço em mim a poesia.

Brota feito o gérmen que colore a sua vida. Que não para. Que não pensa. Só depois então respira. E vira a paráfrase, a metáfora, a antítese e outras tantas figuras que liberto por aqui, neste emaranhado de palavras.

Minha verdadeira poesia é uma viagem solitária, uma visão particular, uma singularidade. Vem num ritmo, tal a água que percorre o rio e refresca e limpa e entra e filtra.

Na poesia eu me sacio.

Porque muito de mim é poesia e do pouco que sobra eu faço versos.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Ídolos


Eu nunca tive ídolos. Nem na infância, quando os filhos costumam achar que seus pais são super-herois. Até porque, meu pai nunca fez questão de esconder suas fraquezas nem seu lado de pobre mortal. E não encare esta frase como uma crítica ou uma confissão daquelas que a gente só faz depois de anos na análise. Nada disso. É apenas uma constatação racional. Nada mais.

Na adolescência, quando me interessei de verdade pelos livros, vi despertar uma certa simpatia pelos mártires e suas histórias de luta pela liberdade. Che Guevara era para mim o maior de todos. Não necessariamente fiz dele um ídolo. Sequer deixei-me levar pelo modismo e nunca pendurei nenhum pôster com sua tradicional foto nas paredes do meu quarto. Mesmo assim, ele era um mito.

Um pouco antes, entre a infância e a adolescência, teve o Zico.

Apesar de eu torcer - sem muita convicção, confesso - pelo Vasco da Gama, o galinho de Quintino representava muito mais para mim do que o artilheiro do meu time, Roberto Dinamite. Zico era um jovem humilde, de um talento extraordinário, boa praça, bom moço, do tipo família. Não que o Dinamite não fosse. Mas o Zico, ele sim, era para mim um exemplo.

Uma das lembranças mais bacanas que eu tenho desta fase em que eu me despedia da infância é justamente a de uma tarde, num feriado de dia das crianças, talvez, quando o Zico apareceu na minha rua, no subúrbio do Méier, para distribuir brindes de uma loja de esportes que tinha bem na esquina de onde eu morava. Lembro que no tal sorteio eu ganhei uma bola de futebol com a assinatura dele.

Nem por isso ele se tornou meu ídolo.

No segundo grau, atual ensino médio, tive um professor de geografia que fazia a cabeça de boa parte da minha turma. Inlcusive a minha. Articulado até dizer chega, Dinaldo - nunca me esqueci seu nome - era o tipo de professor que tinha total domínio sobre os alunos. Não me lembro de uma única vez em que tenha se estressado com a turma por conta de falatório fora de hora ou outro inconveniente qualquer. O respeito que ele conquistara fora por conta da consciência política que ele fizera despertar naqueles jovens filhotes da ditadura militar.

Era 1985. Tancredo Neves havia sido eleito indiretamente presidente da República, o primeiro presidente civil depois de 21 anos com o Brasil entregue aos generais. E por conta daquele professor de geografia eu li 'As veias abertas da América Latina', do Eduardo Galeano, que trago como referência de formação intelectual. Por conta daquele professor de geografia, até hoje acho que comer no Mac Donald´s é praticamente um crime inafiançável. Coca-Cola? Adoro. Mas tenho plena consciência da dominação yankee que aquela bebida dos deuses representa.

Tudo por causa daquele professor de geografia.

Mesmo assim, ele nunca foi meu ídolo. Posso garantir.

Mais tarde, já na faculdade, quando descobri o sentido da palavra antropofagia, foi que me uni socialmente, economicamente e filosoficamente a todos e a tudo. Daí para a desconstrução de qualquer mito, foi um pulo. Se eu já desconfiava que não havia diferenças, foi então que pude ter certeza de que éramos todos iguais. Nem melhores nem piores. Naquela época, cursando os primeiros períodos de uma faculdade de jornalismo, eu vivia a era das minhas certezas mais absolutas.

Eu poderia mudar o mundo. 'Yes, you can', era a minha frase muito antes do Obama - que de ídolo não tem nada - ter se apropriado dela.

Hoje as minhas certezas estão longe de serem verdades absolutas. Mas aprendi com o tempo a mudar de opinião. Aprendi que é do vento que se faz a brisa e o tufão. E assim como o Raul, eu também prefiro ser esta metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Afinal, a vida fica muito mais fácil quando se é maleável. Mas desconfio que esta maleabilidade só vem com o tempo, com a maturidade, ou seja lá que nome isso tenha.

Aos 41 anos, casado pela segunda vez, pai de três filhos e prestes a ter um neto - portanto, mais maleável que nunca -, penso que o tal sentido da antropofagia me desconstruiu e fez de mim o que eu sou hoje: aquilo que eu ainda não sei bem o que é.

Então, veio a dúvida: seria o Oswald de Andrade o meu ídolo?