quarta-feira, 1 de julho de 2020

Hoje eu sei - ou delírios da pandemia I

Os ipês haviam florescido antes da hora e a alegria que eles trouxeram fazia tempos eu não percebia ali no coração-berçário do mundo. As ruas andavam vazias, ninguém encontrava ninguém. O silêncio predominava e a secura em minha garganta abafava ainda mais a minha voz que aqui jaz tão tímida.

Na noite passada ouvi passos apressados bem debaixo da minha janela. Tentei correr pra ver quem era, mas nem sombra restava. Só o vento trazendo a frente fria e arrastando as folhas das árvores no asfalto, feito coreografia de um balé qualquer. No céu, as nuvens fechando o tempo, e dentro daquelas casas só o vazio. 

Cerrei as cortinas, tevê ligada na sala, um ator canastrão em cena dizia que o seu maior medo era nunca mais encontrar aqueles que ele amava. Perdi a conta já do tempo que eu não encontro os meus, respondi pra mim mesmo, sem muita paciência para dramas e tentando manter a esperança de que tudo vai dar certo, como aprendi com a minha mãe.  

Lembro que eu sentia saudades do mar, água salgada na minha pele, meus pés na areia e do meu corpo flutuar até ser arrastado para muito além da arrebentação. Era quando me faltava o ar no peito carente dos abraços demorados, de poder tocar e sentir o outro bem ali junto a mim, o hálito quente, olho no olho e aquela vontade de estar perto de alguém que me ame de verdade. 

Eu me viro bem sozinho, hoje eu sei.