quarta-feira, 26 de maio de 2010

Sou feliz desde então


Bem aqui ao lado do meu prédio tem uma escola. Das sete da manhã até por volta de umas cinco da tarde o play list dos baixinhos é repleto de musiquinhas tatibitates. Vai desde bate-palminha, bate até tindolelê, sem deixar de esquecer que o vovô viu a uva. Ou será que estou confundindo tudo com o tempo em que eu lia Davi, meu amiguinho? Mas isso não interessa!


Fui ao cinema domingo, segunda e terça desta semana. Domingo nem conta. Filme de criança. Horroroso. Não por ser filme de criança, pois adoro, mas nem meus filhos, estes sim, crianças, gostaram. Segunda fui ver "Viajo porque preciso, volto porque te amo". Fui esperando uma coisa e era outra. Travei uma batalha interna para não dormir enquanto assistia, confesso. Filme lento. Arrastado. Os personagens principais em momento nenhum aparecem. Nunca tinha visto um filme com uma narrativa daquelas. É documentário sem deixar de ser ficção. É digital e, acho, super-8, câmera de celular e mais umas outras possibilidades. Muitas fotos também. Um road movie sem lugar-comum. Um retrato fiel e atual de boa parte do povo brasileiro que, também confesso, me deixou bastante impressionado. Hoje agradeço por não ter cedido aos apelos de Morfeu. É um tipo de filme que bate depois. É isso.

Terça fui ver "O segredo dos teus olhos" e só pude confirmar que nossos hermanos estão mesmo fazendo filmes muito bons. Já na abertura o filme te conquista ao mesmo tempo que também te confunde. Faz como se embaralhasse tua mente para lá na frente te fazer juntar as peças. É agil. Conta com um elenco fantástico. Tem uma história de amor mal resolvida - o que, talvez para alguns, seja o ponto fraco do roteiro - e uma história de amor trágica. Uma tem final feliz. A outra? Dependendo do ponto de vista, também. É o tipo de filme que te faz sair do cinema saciado de uma história bem contada. Fui com Fred, a personificação da unanimidade e meu amigo pra lá de querido. Nem eu nem ele ficamos elocubrando a respeito da estética ou da narrativa do que acabamos de assistir. Não é do nosso feitio. Fred fez apenas uma observação, esta em relação à interpretação dos argentinos. "São mais naturais", ele disse, com razão. Tenho um outro amigo, que já se aventurou pelas searas do cinema nacional, que não tem o menor pudor em afirmar que não há atores no Brasil. Nem unzinho sequer. Sei também de um ator que diz por aí aos quatro cantos que o que falta mesmo são bons diretores. Acho que da próxima vez que eu encontrar com eles vou sugerir uma visitinha à Argentina.

Semana passada fui ver Beth Goulart interpretando Clarice Lispector. Simplesmente espetacular. Foi a Claudia quem lembrou e disse que aquela seria a última semana e que não poderíamos deixar de assistir. Ela mesma ligou para o teatro e soube que ainda havia uns 50 ingressos à venda. Fui correndo comprar. Sorte que o teatro é pequeno e que a fila I não ficava tão afastada do palco assim. Lembro muito pouco da imagem de Clarice Lispector. Quando ela morreu, em dezembro de 1977, eu tinha apenas 8 anos de idade e, confesso, não sou um exímio conhecedor da sua obra. Li muito pouca coisa dela. Uns trechos de "Água Viva" e um ou outro conto de "Para não esquecer" e tenho a impressão de ter visto, logo após sua morte, um programa de entrevistas com ela. Daí ver Beth Goulart no palco impressionantemente parecida com Clarice já valeria o espetáculo. Mas Beth faz muito mais além de dirigir e atuar. Ela nos toca profundamente com a sensibilidade única e complexa daquela escritora. A peça não conta uma história com começo meio e fim. Mas os textos de Clarice emocionam até o cerrar das cortinas. É peça em que o público bate palmas com vontade quando termina.

Saí de lá com uma sensação boa e repetindo algumas frases de Clarice feito um mantra. Eu estava mesmo num momento bom. Há poucas horas havia feito uma entrevista para trabalhar no O Globo. Uma vaga na editoria de política de um dos maiores jornais do País. O sonho que eu acalentava desde sempre. A oportunidade que eu esperava agora estava ali, meio que de repente. Uma conjunção de fatores positivos a começar por grandes amigos, como a Rachel, e minha presteza em colaborar com um amigo de um amigo. Isso sim. Mas esta é uma história que eu só conto ao vivo. O certo é que a ansiedade me corroeu exatas 24h após aquela entrevista.

Quinta-feira. Dia 20 de maio. 15h15. Rua Dias da Cruz engarrafada. Estou voltando do Jornal do Commercio, onde estava desde o início da manhã. Uma ambulância implora por passagem. Não sei como, mas ouço meu celular tocar. Número que eu não conhecia.

_ Márcio?
_ Eu.
_ Fulana de tal, do O Globo, tudo bem?
_ Tudo...
_ A vaga é sua.

Se a tal ambulância conseguiu passar, eu não lembro e nem lembro ao certo o que eu respondi no celular. Só lembro que eu não sabia se ria, se chorava, se corria ou se pulava. Fui para casa agradecendo mentalmente a quem eu devia agradecer, acompanhado de uma sensação parecida com a que eu tive quando Claudia finalmente decidiu ceder aos meus apelos por nossa história de amor. Isso há quase 15 anos. Sou feliz desde então.

5 comentários:

  1. Parabéns, Márcio! Tudo lindo e sincero no seu texto! Sorte no novo trabalho! Beijo! Daniela (da Bowne)

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  2. unanimidade ululante26 de maio de 2010 às 17:38

    Anos 90: Claudia para Marcio:

    - Babe, a vaga é sua.

    Vc merece.

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  3. Marcio! Quanta coisa linda!!! Vc está super inspirado!
    Por onde eu começo?
    Bom, parabéns pelo novo trabalho!
    Parabéns pelo seu amor com a Claudia!
    Parabéns por saber reconhecer um bom filme!
    Parabéns por ir ao cinema com os meninos, mesmo que seja pra ver um filme horrível!
    E que maravilha vc ter saído do teatro recitando Clarice! Eu sou simplesmente apaixonada pelas frases dela.
    Um grande abraço, amigo!

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  4. Bem bonito. Fiquei orgulhosa, babe.
    D.

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  5. Marcio.
    Agora também te sigo. Gostei do texto, vou ler os outros. Quando estava lendo parecia que ouvia você contando. Isso é bom.

    Beijos, meu amigo!

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