segunda-feira, 20 de junho de 2016

Nublado

Ela havia chorado um brado lamentoso, uma espécie de querela infinita a noite toda. Chorou sozinha no seu quarto cinza e o frio daquele inverno que mal começara entrava pela fresta da janela, cortinas fazendo sombra, cama bagunçada, lençóis baratos, livros, smartphone, televisão. A verdade é que ela estava só mais uma vez. Uma solidão que a deixava asfixiada, doía-lhe o peito, quase matava. Um sufocamento lento, gradativo, que aumentava a cada lembrança, a cada visita da saudade e essa saudade cada vez mais aflita, nervosa, histérica. A dor.

Quebrou um copo na parede, cravou as unhas no pescoço e as lágrimas já banhavam seus seios fartos, os mamilos arrepiados e o corpo nu em posição fetal largado bem ali no meio do chão. A madrugada toda e aquele cheiro de cigarro insuportável que emanava da sua pele. Dava dó de ver. Dias antes era lera um poema que dizia que o amor era uma espécie de câncer. Ora, como se ela não soubesse, como se ela não sentisse, como se ela não sofresse daquele mal. Então, chorava copiosamente.

Na playlist tocou Gal. Como dois e dois. Algumas lágrimas bastavam pra consolar e tudo em volta estava mesmo tão deserto, conforme dizia a música. Há certas coisas que não são simples coincidências, ela pensou. Pensou também que há meses tentava se reerguer e nada. Havia uma espécie de corrente, uma âncora imaginária que a prendia naquele mundo nublado, um mundo que nunca fora o dela. Logo ela, que gostava de dias pintados de azul. Mas aquele amor, aquele amor que o poeta chamou de câncer, desbotou tudo.

Lá fora já amanhecia e o canto de alguns pássaros anunciava um novo dia. Naquela hora tudo a afligia. Pra quê mais um dia? Ela não precisava de tudo aquilo de novo. Estava farta daquele recomeço, daquelas mesmas horas, das mesmas pessoas, da falta de assunto, tamanha mesmice. Odiava rotina, achava sem sentido, sem graça. Queria outra vida, mas precisava se livrar da âncora. Estava cansada. Fraca. Pouco tempo depois ela dormiu.

Teve sonhos em preto e branco.

domingo, 19 de junho de 2016

Final infeliz

Há amores que são feito um câncer:
quando surgem, nos destroem por completo,
nos arrebatam, nos tiram o chão.
nos deixam totalmente cegos.

São do tipo que se espalham por todo o corpo:
órgãos, pele, língua, boca, pulmão.
Criam feridas, viram metástases,
contaminam e matam sem dó nem perdão.

Esses amores são os doentios,
os que nos levam à derrocada.
Cravam uma facada em nosso peito
e enchem a nossa cara de porrada.

Da classe de amores que são tão ruins,
daqueles que devemos extirpar,
eliminar de uma vez da nossa vida
feito tudo aquilo que não presta.

Esses amores são finitos
e da história deles nada resta.
Por mais que no início tenha sido tudo tão bonito,
cedo ou tarde ele diz: não te amo mais.

Há amores com final infeliz.