sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Mataram Romeu Tuma


Não vejo a hora destas eleições terminarem. De uns tempos para cá, meus dias têm sido consumidos por escândalos, falta de propostas, polêmicas e conspirações. Acrescente mais umas doses de tensão e responsabilidade com o fechamento da editoria de política da versão online do jornal em que trabalho. Este é basicamente o meu dia a dia. Eu vivo tenso. Mesmo que aparentemente eu esteja tranquilo, é só fachada. Eu vivo tenso. Por sorte pratiquei ioga antes de encarar esta rotina de jornal. Então eu paro, respiro e penso.

Hoje minha mulher me telefonou. Ela normalmente liga num horário péssimo, que é quando me reúno com o editor para saber quais matérias vamos dar de manchetes do dia seguinte. Eu e ela conversamos rapidamente em meio a um turbilhão de vozes que ecoavam das mais variadas editorias.

- Mamãe vai fazer cabrito assado amanhã e quer saber se você vai almoçar lá, disse ela num tom provocativo, ciente da minha tara por cabrito.

- Tipo de coisa que você não precisa nem me perguntar, respondi.

- Estou com saudades, ela deixou escapar.

- Te amo, falei baixinho.

O som das dezenas de TVs e rádios ligados nos mais diferentes canais não combinava com o clima de declarações do casal. Os resultados das mais novas pesquisas do Ibope para governadores e senadores de todo o Brasil abreviaram ainda mais nosso sopro de romantismo.

Em noite de pescoção é que não dá para ter romantismo mesmo.

[Pescoção, para quem não sabe, é a sexta-feira nas redações dos jornais diários. Dia de fechar, além da edição de sábado, a de domingo. No pescoção, que não tem ombro, vai-se madrugada adentro.]

Entre uma publicação e outra, tenho de dar uma olhada nas agendas dos candidatos. Tanto para presidente quanto para governador. Tem sempre aqueles que deixam para publicar suas agendas tarde da noite. Muitas vezes já passa da meia-noite quando chegam as danadas das agendas. Mas eleição é assim mesmo. Eu, que já estive no centro de algumas, sei bem como é isso.

Pausa para o banheiro. São quase oito da noite.

Volto para meu lugar. Ainda preciso acrescentar umas informações numas matérias. Daqui a pouco, no Jornal Nacional, sai a nova pesquisa Ibope sobre a corrida presidencial. Começo a pensar no texto. Dou uma twuitada para ver se algum jornalista adiantou o resultado, mas nada. Vou ter mesmo de esperar pela Fátima Bernardes.

- Tuma morreu!, alguém anunciou na redação.

- Cuma?

- Morreu. Está aqui na internet.

- Estava internado há mais de um mês no Sírio e Libanês, em São Paulo.

- Tinha câncer.

- Confirma isso aí. Morreu mesmo?

Corri pro Google e, ao digitar o nome do senador Romeu Tuma, duas matérias em dois sites respeitados e com credibilidade reconhecida noticiavam a morte do político. Poucos minutos depois, e numa velocidade que só mesmo o mundo virtual tem, milhares de pessoas já replicavam aquela notícia na rede.

- É notícia falsa. Tuma não morreu, gritaram lá do fundo.

- A família está desmentindo, disse um.

- O hospital também, disse outro.

- Ainda bem que não publicamos nada no site, eu pensei.

Mas o estrago estava feito. Romeu Tuma, ainda que a beira da morte, estava vivinho da Silva e seu nome havia entrado para os trends topics do Twitter, uma espécie de 15 minutos da fama no mundo dos 140 caracteres. Imagino que deva ter gerado um certo mal estar para os jornalistas que publicaram nos sites as matérias que anunciavam a morte do senador. Estas notícias a gente tem sempre de apurar. Com ou sem apuração, são fatos como estes que divertem, ensinam e ficam para sempre gravados na história de uma redação.

Romeu Tuma não foi minha manchete na página esta noite. Outras tantas matérias, sim. Termino de publicar tudo. Vídeos, textos, áudios, diagramação. Tudo em ordem. São uma e quinze da manhã. O motorista do jornal já está me esperando. Estou louco para chegar em casa. Chove um pouco. O chão molhado indica que já choveu bastante. Nem me dei conta. Entro no carro, chego o banco um pouco para trás, coloco o cinto. Estou sem sono. Seu Maurílio, o motorista, diz que ainda vai encarar a estrada para Juiz de Fora. Penso no plantão do final de semana às vésperas da eleição.

- Vai bater, eu disse assustado, vendo o carro do jornal derrapar em direção a uma van parada na Presidente Vargas.

Seu Maurílio conseguiu desviar. Por sorte. Eu poderia ter me machucado seriamente. Culpa de um irresponsável num carro estilo jipe importado, que passou por nós num ziguezague a cem por hora. Cheguei a anotar a placa do incosequente. Ou delinquente, sei lá.

- Numa dessas é que morre gente inocente por aí, esbravejou seu Maurílio.

O bom desta história é que ninguém morreu. Nem o Tuma nem eu.

Chego em casa, está tudo tranquilo. Todos dormem. Menos o cachorro, claro. Abro a porta da varanda, faço um carinho nele, ele pula no meu colo, me dá umas lambidas. Sente saudades, acho.

Ligo a TV. Duas da manhã. Reprise do programa da Astrid. Ela não sabia que o prazo para tirar a segunda via do título de eleitor havia sido prorrogado e nem soube explicar ao certo o empate na votação da Lei da Ficha Limpa que movimentou o SFT na noite anterior. Tive impressão que a Astrid não sabia mesmo muitas coisas. No seu programa, que passa ao vivo entre sete e oito da noite, ela também confirmou veementemente a morte do Romeu Tuma.

- Mal informada, eu ria sozinho.

3 comentários:

  1. Excelente texto! Acho que está entre os top 10! Fiquei com vontade que fosse um livro...

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  2. é, Marcio, bom mesmo seria que morte chegasse, de verdade, para a corrupção, para a falta de vergonha na cara desses políticos que nos fazem envergonhar de ser brasileiro.

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  3. Márcio, você é nota dez. Lendo seu blog, vejo que não estou tão distante da grande metrópole. Fico antenada e torcendo para novas notícias. Quem sabe ainda vou ler a salvação deste país dada por você? Bjs

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