Ontem fez exatos três meses que cheguei em Brasília. Não foi decisão fácil vir para cá, sair de perto dos filhos, deixar a casa onde você viveu praticamente toda a sua vida, pegar sua história, suas incertezas, suas angústias, esperanças, expectativas, juntar tudo numa mala e desembarcar numa cidade que, à primeira vista, é estranha à beça.
A começar pela política e os bastidores do centro do poder, a energia aqui é diferente. Tudo parece que vibra numa outra esfera. Para o bem e para o mal.
É uma cidade que não tem esquinas, onde não se esbarra com uma viva alma nas ruas, que não tem botequim e muito menos o português da padaria. Pãozinho francês quentinho no café da manhã? Esquece. Ainda não vi uma feira livre, antes mesmo das dez da noite já está o maior silêncio, chove aqui e não chove ali, a pele fica seca, o nariz sangra, falta o ar. Terrível.
Mas, pegando carona com nosso amigo Caetano, alguma coisa acontece no coração de quem se deixa levar pelo traço fino do arquiteto e pelas curvas dos monumentos que se juntam às nuvens de um céu que parece não ter fim.
Aqui já me perdi entre asas, quadras e eixos monumentais, já fiquei zonzo nas tesourinhas, queria ir para um lado, estava indo para o outro. Mas é aqui, onde precisei me perder várias vezes, que eu ando desconfiado que vou me encontrar. Ou, pelo menos, vou encaixar algumas peças nesse imenso quebra-cabeças vulgarmente conhecido como eu mesmo.
Não faz muito tempo e eu fui moído feito carne de segunda. Triturado. Pisoteado. Desfiz casamento, quebrei paradigmas, descobri outros amores, subi aos céus, caí no limbo, perdi vergonha, mantive a dignidade e a vontade de ter tudo de volta. Precisei ser forte quando meu irmão adoeceu. Precisei ser ainda mais forte quando minha mãe morreu. Me restou muita saudade, mas também uma certeza: eu sou uma fortaleza. Porque sou filho daquele que criou a rocha.
Forte e pisando firme eu cheguei aqui nessa cidade projetada em cima dessa terra vermelha, desse barro que teima em pintar o cenário e se apropriar dos meus pés e de tudo ao meu redor. Lá longe, o horizonte é de um azul tão bonito e tem o vento soprando em meus ouvidos que agora eu também sou parte disso.
O resto é passado. Já esqueci.