sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Sozinho


Tenho andado muito tempo sozinho. Por mais que eu encontre pessoas no decorrer do meu dia - não são poucas - tenho me sentido sozinho. Desde que mudei de jornal tenho vivido um certo clima de 'Feitiço de Áquila', aquele filme em que os personagens principais só se viam por instantes. Chego em casa, mulher e filhos dormindo. Assim que eu pulo da cama, eles estão de saída. Dá tempo para um beijo, um olhar carinhoso, um abraço de bom dia.

Fecho a porta.

Fico eu e o cachorro, que não fala, mas me pede para sair. Coleira na mão, hora do meu exercício diário de esquizofrenia. Subo pela rua meio que tentando travar um diálogo com o cão. Ele caga e anda, literalmente. Eu vou e limpo.

Volto para casa. Quase meio-dia. Bate a preguiça junto com a culpa e vou malhar. Mais devagar que nunca. Academia praticamente vazia. É hora de almoço, outro clima. Ali não sinto vontade de conversar. Só vou mesmo para suar, liberar umas toxinas e não deixar a máquina enferrujar. Isso tudo em uma hora, no máximo.

Em quinze minutos eu ando da academia até minha casa. Sozinho. Abro a porta e o vira-latas lá, abanando o rabo. Eu olho para ele e me dá uma agonia danada daquela vida de cão. Volta e meia dá uns latidos. A vizinha do andar de cima dia desses subiu comigo no elevador e disse que calopsita dela tinha aprendido a latir com o meu cachorro. Perguntou se eu já tinha ouvido a calopsita dela latindo.

- Não, nunca. Leva ela no 'Se vira nos trinta' - eu respondi.

Quase nunca falo com vizinhos.

Saio de casa já no meio da tarde. Tenho tentado ler um livro no trajeto casa-jornal, mas ainda não passei da página 22. Num instante estou na redação, onde fala-se muito sobre muitas coisas. A baixa umidade do ar e os incêndios por todo o Brasil têm me chamado a atenção em meio a tantos resultados de pesquisas eleitorais.

A impressão que se tem é a de que o jogo está ganho e eu cada vez mais tenho certeza de que esta é uma eleição atípica. Campanha que começou antecipadamente. Tudo muito bem planejado, bem arquitetado. Como só os mais inteligentes são capazes. Tenho cá minhas teorias a respeito da história recente da nossa política. Se há oito anos o Brasil estava ávido por mudanças, hoje a realidade é outra. Presenciamos o surgimento de uma era de continuidade e de uma classe média e uma oposição perdidas.

- Preciso conversar com uns amigos sobre isso, eu penso.

Penso também na Claudia e nos meus filhos. Preciso de mais tempo.

Eu tenho andado mesmo muito sozinho.

sábado, 21 de agosto de 2010

Rascunhos


Gosto da poesia que a vida me traz.

Gosto da vida que a poesia me faz.

Dos versos que ouço. Daquilo que eu digo.

Do pouco que eu vejo. Do muito que eu sinto.

Eu tenho mesmo muitas frases prontas rabiscadas no canto de um papel.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Delicadeza


Muitas vezes penso que minha vida é como um filme. E eu, no meu papel de protagonista a buscar meu próprio personagem. Estranho. Não que eu prepare um texto ou tente dirigir o que quer que seja. Longe disso. Até porque, acho que sou bom no improviso mesmo.

Confesso que foi com o tempo que aprendi a ter foco.

Sempre gostei de planos mais fechados, daqueles bem de perto, e minha vida sempre teve uma trilha sonora. Mas é verdade que vivo em busca de um bom roteiro. Exatamente como dizem por aí muitos atores com registro no sindicato.

Mas o meu registro é o que fica na memória, principalmente na memória afetiva.

Acho que já disse aqui, mas tenho mania de guardar só as boas lembranças. Sou do tipo, também, que não gosta de filmes tristes. Dificilmente eu pago para chorar. O último filme que vi e que me fez chorar foi A Partida. Japonês. Sensível até minha última vértebra. Chorei com vontade e feliz de estar chorando por um filme tão bonito. Como se eu, no meu papel de protagonista, percebesse ali, naquela sala de cinema, toda a minha capacidade de me emocionar. Talvez vocês não entendam. Só mesmo vendo o filme.

Outro dia comentei com um cara que conheci lá no jornal que eu tinha vontade de fazer um filme sobre a delicadeza. Talvez ele tenha achado meio estranho ouvir isso de um peludo com voz grossa feito eu. Mas é a mais pura verdade. Eu tenho mesmo muita vontade de fazer um filme onde eu vá de encontro à delicadeza das pessoas. Um filme para mostrar o lado mocinho de cada um de nós, seres humanos, já que há muitos vilões por aí.

Seria um road movie em busca da delicadeza perdida. Por que não? Imagine o Brasil como cenário e o povo todo como protagonista. Não há coadjuvantes nestas histórias que eles mesmos vão nos contar. Seremos meros observadores. Atentos. Surpresos com nossa capacidade de pensar e querer e realizar coisas boas.

Este mesmo cara que conheci lá no jornal me disse, não sei se no mesmo dia, que todos os gênios são mal humorados. Tive de discordar dele. Disse-lhe que ele afirmara aquilo por nunca ter conhecido o Sérgio Bernardes, meu querido camarada. Sérgio, sim, era um verdadeiro gênio. Grande em tudo o que fazia. Cineasta de raiz, eu diria. Com um quê razoável de loucura e de uma doçura inimaginável para um homem daquele tamanho. Sinto falta dele.

Com ele eu aprendi a ter um olhar mais suave na hora de fotografar a minha história e a desconfiar de quem afirme que todo gênio é mal humorado.