sexta-feira, 19 de junho de 2020

Arrebentação

Já batia aqui dentro a saudade e, em meu peito escudo, um baú de lembranças soltas feito passos de um balé com as canções que eu nunca esqueci. Era como se as palavras ficassem à sua espera para dançar e enquanto ele não aparecesse, elas, as palavras, apenas ecoavam em meu ouvido sem o menor sentido. 

Sempre foi assim. 

Porque volta e meia ele se afasta. Como se não quisesse mais saber de mim. Já cheguei a pensar que fosse ser para sempre, mas aprendi com o tempo que eu não vivo sem ele e ele não vive sem mim. Porque corre em meu leito um rio de frases perfeitas, correntezas de rimas que, de tão lindas, só conseguem desaguar nas suas mãos.  

E, então, ele escreve e tudo ganha outro sentido. 

É quando a água do rio se agita porque sabe que vai chegar no mar, naquela imensidão que é o mar, e mexe com o que a gente tem de mais profundo. Quando ele escreve, revira aqui dentro de um tudo, memórias apagadas, sonhos naufragados e amores que eu nunca vivi. 

Eu sempre me afogo entre as estrofes soltas na espuma das suas ondas. Ele, na minha arrebentação.  

Eu sou oceano poema. Ele é às vezes sim, às vezes não.