terça-feira, 9 de julho de 2019

O mundo precisa de afeto, porra.

Sabe-se lá por quanto tempo nosso encontro havia sido adiado. Uma vida inteira, bem capaz. Ultimamente, em meio a tantas polêmicas, tantos desentendimentos, tantos homens sórdidos, talvez o melhor fosse mesmo o afastamento por completo de tudo e de todos, o silêncio absoluto, uma outra encarnação, se é que isso existe. Há meses já que não chovia e toda aquela secura entre as gentes, o sol castigando a pele, a terra vermelha tapando os poros, feridas expostas na palma da mão estendida bem ali sobre nossos corpos outrora nus, o meu e o seu, vulneráveis, indefesos, jogados no chão. Ao redor tudo era um deserto, papel em branco, um vazio assustador. A lucidez, que nunca foi muito firme, deu lugar a devaneios, fantasias, ilusões e outras tempestades provisórias dentro de mim. De nós. Loucura. 

Não me lembro quando nem onde, mas você chegou a me confessar que sonhava sonhos coloridos e que nesses sonhos você nadava em rios de águas cristalinas, subia correndo de um fôlego só as montanhas mais verdes e mais íngremes e lá de cima soprava meu nome entre nuvens branquinhas de algodão. Você chegou a dizer que me amava. Mais de uma vez. Eu nunca acreditei. Nunca quis acreditar. Não me interessava. Na verdade, eu achava aquilo tudo muito piegas, me incomodava. Esse papo de sentimento logo pra cima de mim, que desde cedo fui obrigado a aprender a me virar pra sobreviver, pra ser quem eu sou, pra sair daquele lodo de onde eu vim, não colava. Eu nunca soube o que é carinho de verdade e nem nunca quis saber. Você insistia. Eu desisti. Tudo se acabou.

Algum tempo depois eu li uma frase rabiscada num muro que dizia que o mundo precisa de afeto, porra. Assim mesmo, com todas as letras e vírgulas. Eu estava sozinho zanzando pelo centro abandonado e sujo da cidade, era noite, fazia frio, eu não queria voltar para casa, não tinha nada para fazer, pouca coisa, quase nada, me interessava e aquela frase de repente me fez lembrar você. Não sei precisar por quanto tempo fiquei parado, hipnotizado em frente ao tal muro onde aquela frase estava escrita. Só sei que por alguns instantes tudo parou e era como se eu ouvisse a sua voz sussurrando no meu ouvido que o mundo precisa de afeto, porra, uma, duas, mil vezes aquela frase ecoando na minha cabeça. Uma ambulância com uma sirene estridente passou apressada e me despertou daquele transe. Mais uma vez era só eu e eu ali. Um espécie de náusea e, do nada, um vento estranho varreu tudo pra longe de mim. Eu gelei de saudades por te saber nunca mais. 

 Vida é encontro, hoje eu sei.