Dia desses li num post de uma amiga numa dessas redes
sociais algo a respeito de uma certa ausência criativa que muitas vezes acomete
quem tem o hábito de escrever. Confesso que quando essa pandemia de coronavírus
começou eu até pensei que fosse baixar o santo escrevinhador em mim, um caboclo contador de boas histórias, mas me enganei.
Talvez o fato de eu ter ficado um bom tempo isolado, sem encontrar quase
ninguém nessa Brasília já tão árida, só eu comigo mesmo, tenha servido para me
mostrar que eu não sou um bom laboratório para quem, como eu, gosta de brincar
com as palavras vez ou outra. Não que eu não seja interessante, isso eu sei que
eu sou. E não há nada de soberba nessa afirmação. É que eu sou um cara confuso,
cheio de nuances, trago comigo as percepções únicas de uma vida que desde cedo vejo
passar feito um filme diante dos meus olhos, lentes miúdas, muitas vezes tão sensíveis,
e então, crio cenas ao meu redor.
E eu acho isso muito interessante.
Escrevi uns dois ou três pequenos poemas nesses meses, é
verdade. Esses poemas por aí que eu escrevo desde sempre. Eu ainda era um menino
e, quisesse ou não, já criava algumas estrofes mal estruturadas na minha cabeça
e corria para botar tudo no papel. Hoje, um pouco mais crescidinho que aquele
menino, descobri que a matéria-prima do poema sou eu conversando com os outros
que só eu sei que habitam em mim. Para eu parir um poema é só eu navegar para
dentro desse mar de versos, rimas, dores e amores desses eus que seguem a minha
correnteza, nesse eu oceano, e nadar com eles sem perder o fôlego, até a minha arrebentação.
Palavras, são tantas, a me nausear.
Não fiz amigos novos nesse ano esquisito. Digo amigos
físicos mesmo, desses que a gente olha no olho, abraça quando é de abraço e beija
quando é de beijo. Aqui em Brasília eu tenho uns poucos e bons, minhas referências
afetivas do Cerrado, que estiveram por perto nesses dias estranhos e que
estarão para sempre por perto, mesmo que estejamos longe. Por outro lado, fiz
alguns amigos virtuais, desses que a gente nunca viu ao vivo e a cores, mas que
acabam sendo amigos também devido a esses Facebooks e Instagrams da vida, que
estreitam muitos laços e fazem com que a gente se sinta íntimo de uma pessoa só
porque ela publica determinadas coisas que vão ao encontro do que você pensa e
faz e gosta. Então, a gente se aproxima e se atrai e se fala de vez em quando e
se abre e se descobre um pouco naquele outro que está longe, naquele outro que
a gente nunca viu, mas que também já é amigo, claro.
Eu gosto muito disso.
No meu último dia no Rio de Janeiro, dois dias antes de tudo
fechar por conta desse vírus que está aí, acordei cedo porque precisava voltar
para Brasília e lembro que ao levantar da cama uma voz falou no meu ouvido que
minha vida ia mudar. É bastante esquizofrênico, eu sei, mas eu ouvi a voz me dizer
com todas as letras que minha vida ia mudar, acredite. Na hora não dei atenção,
mas os dias foram passando e aquela frase passava a fazer todo sentido. Em menos
de quinze dias eu mudei de apartamento. Saí de perto do lago, vim para o plano.
Saí de um flat sem fogão e vim para um apartamento de verdade. Deixei a piscina
para trás e me encontrei no pedal. Quase não ando mais de carro, tenho andado
muito a pé. Nunca mais apareci para
trabalhar no escritório, resolvo tudo em casa, na maioria das vezes pelo meu
celular mesmo. Meus ternos estão cheirando a naftalina, minhas calças estão
pensando que se aposentaram, meus sapatos já nem lembram mais de mim.
E eu não acho isso ruim.
Hoje, um pouco antes de eu resolver sentar para escrever esses
poucos parágrafos aqui, uma dessas amigas virtuais que fiz esse ano me mandou
uma mensagem dizendo que com certeza ela vai sair desse ano uma outra pessoa.
Eu respondi que está todo mundo tendo de lidar com uma questão muito importante
nas suas vidas e que quem tem um mínimo de sensibilidade vai sair diferente
disso tudo. Ela me disse que agora sabe que não tem controle de nada. Eu disse
que não adianta planejar nada porque a vida vem e te mostra que quem manda é
ela e pronto.
Ponto final.