sexta-feira, 13 de agosto de 2021

No way out

Andou esfriando esses dias. 

E a pálida luz que invadia a sala daquele apartamento no último andar do bairro mais tranquilo da cidade inquietava seu coração. Assim como a saudade de tudo que ficara para trás, o frio nunca lhe fizera bem. Apertava-lhe o peito, retraía os órgãos, doía de tremer seus ossos. Era quando sentia-se só, mesmo que com todos os que, de uma maneira ou de outra, sempre pensavam estar por perto. 

Naquelas manhãs era só o vazio mesmo, o vácuo, a insegurança da palavra proibida rabiscada na parede ocre, que sustentava a estante improvisada e coberta de livros. Tantas histórias, memórias, fotografias esquecidas em álbuns empoeirados de uma vida que não existia mais. Estava quase tudo ali. Bem na sua frente. Bastava abrir os olhos úmidos. 

Mas a luz pálida daquelas manhãs prejudicava a visão e o vento que corria fazia lembrar daqueles que carregam uma enorme frieza na alma, pesada como um muro de pedras, barreira milimetricamente erguida. Autossuficientes e indiferentes, eles dizem. Ai de quem cruza com essas almas. No way out.  

Não faz muito tempo, antes do fim da última primavera, talvez, quis ouvir palavras bonitas novamente. Pediu que lhe sussurrassem pequenos versos de arrepiar do dedo do pé ao pescoço, que lhe transformassem tudo ao redor em poesia nua, como sempre fizera em suas rimas despidas de pudor. Vida é poema, alguém lhe disse um dia. Nunca mais esqueceu disso e, desde então, implora para que o novo lhe toque a alma nesses tempos tão estranhos. 

Os ipês chegaram mais cedo este ano. Tomara seja um bom sinal, tomara.