segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Diários I

Escrevo por ansiedade. Não que eu saiba escrever ou mesmo entenda o que escrevo. Não. Eu finjo. Desde que soube que todo poeta é um fingidor que eu finjo. Invento os versos. Conto as histórias. Junto frases despudoradamente, confesso.
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Eu preciso parar o tempo, me esconder das horas, fugir dos minutos. Há poucos segundos corri na janela em busca de um vento. Estava mesmo sem ar. Então invento histórias para prestar atenção em mim. Um estalar de coisas, de cores desconexas, de frases que refrescam as tintas nas minhas paredes. Feito a pele branca que me encosta e eu me enrosco, toco, aliso, quero e gozo.
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Pode ser que ao abrir os olhos eu não me reconheça. Pode ser que assim, depressa, tudo passe e eu nem perceba. Por que risco o traço sem certeza? Isso pouco importa, tanto faz. Eu fiz e sou e sigo as mesmas pistas de anos atrás.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Mataram Romeu Tuma


Não vejo a hora destas eleições terminarem. De uns tempos para cá, meus dias têm sido consumidos por escândalos, falta de propostas, polêmicas e conspirações. Acrescente mais umas doses de tensão e responsabilidade com o fechamento da editoria de política da versão online do jornal em que trabalho. Este é basicamente o meu dia a dia. Eu vivo tenso. Mesmo que aparentemente eu esteja tranquilo, é só fachada. Eu vivo tenso. Por sorte pratiquei ioga antes de encarar esta rotina de jornal. Então eu paro, respiro e penso.

Hoje minha mulher me telefonou. Ela normalmente liga num horário péssimo, que é quando me reúno com o editor para saber quais matérias vamos dar de manchetes do dia seguinte. Eu e ela conversamos rapidamente em meio a um turbilhão de vozes que ecoavam das mais variadas editorias.

- Mamãe vai fazer cabrito assado amanhã e quer saber se você vai almoçar lá, disse ela num tom provocativo, ciente da minha tara por cabrito.

- Tipo de coisa que você não precisa nem me perguntar, respondi.

- Estou com saudades, ela deixou escapar.

- Te amo, falei baixinho.

O som das dezenas de TVs e rádios ligados nos mais diferentes canais não combinava com o clima de declarações do casal. Os resultados das mais novas pesquisas do Ibope para governadores e senadores de todo o Brasil abreviaram ainda mais nosso sopro de romantismo.

Em noite de pescoção é que não dá para ter romantismo mesmo.

[Pescoção, para quem não sabe, é a sexta-feira nas redações dos jornais diários. Dia de fechar, além da edição de sábado, a de domingo. No pescoção, que não tem ombro, vai-se madrugada adentro.]

Entre uma publicação e outra, tenho de dar uma olhada nas agendas dos candidatos. Tanto para presidente quanto para governador. Tem sempre aqueles que deixam para publicar suas agendas tarde da noite. Muitas vezes já passa da meia-noite quando chegam as danadas das agendas. Mas eleição é assim mesmo. Eu, que já estive no centro de algumas, sei bem como é isso.

Pausa para o banheiro. São quase oito da noite.

Volto para meu lugar. Ainda preciso acrescentar umas informações numas matérias. Daqui a pouco, no Jornal Nacional, sai a nova pesquisa Ibope sobre a corrida presidencial. Começo a pensar no texto. Dou uma twuitada para ver se algum jornalista adiantou o resultado, mas nada. Vou ter mesmo de esperar pela Fátima Bernardes.

- Tuma morreu!, alguém anunciou na redação.

- Cuma?

- Morreu. Está aqui na internet.

- Estava internado há mais de um mês no Sírio e Libanês, em São Paulo.

- Tinha câncer.

- Confirma isso aí. Morreu mesmo?

Corri pro Google e, ao digitar o nome do senador Romeu Tuma, duas matérias em dois sites respeitados e com credibilidade reconhecida noticiavam a morte do político. Poucos minutos depois, e numa velocidade que só mesmo o mundo virtual tem, milhares de pessoas já replicavam aquela notícia na rede.

- É notícia falsa. Tuma não morreu, gritaram lá do fundo.

- A família está desmentindo, disse um.

- O hospital também, disse outro.

- Ainda bem que não publicamos nada no site, eu pensei.

Mas o estrago estava feito. Romeu Tuma, ainda que a beira da morte, estava vivinho da Silva e seu nome havia entrado para os trends topics do Twitter, uma espécie de 15 minutos da fama no mundo dos 140 caracteres. Imagino que deva ter gerado um certo mal estar para os jornalistas que publicaram nos sites as matérias que anunciavam a morte do senador. Estas notícias a gente tem sempre de apurar. Com ou sem apuração, são fatos como estes que divertem, ensinam e ficam para sempre gravados na história de uma redação.

Romeu Tuma não foi minha manchete na página esta noite. Outras tantas matérias, sim. Termino de publicar tudo. Vídeos, textos, áudios, diagramação. Tudo em ordem. São uma e quinze da manhã. O motorista do jornal já está me esperando. Estou louco para chegar em casa. Chove um pouco. O chão molhado indica que já choveu bastante. Nem me dei conta. Entro no carro, chego o banco um pouco para trás, coloco o cinto. Estou sem sono. Seu Maurílio, o motorista, diz que ainda vai encarar a estrada para Juiz de Fora. Penso no plantão do final de semana às vésperas da eleição.

- Vai bater, eu disse assustado, vendo o carro do jornal derrapar em direção a uma van parada na Presidente Vargas.

Seu Maurílio conseguiu desviar. Por sorte. Eu poderia ter me machucado seriamente. Culpa de um irresponsável num carro estilo jipe importado, que passou por nós num ziguezague a cem por hora. Cheguei a anotar a placa do incosequente. Ou delinquente, sei lá.

- Numa dessas é que morre gente inocente por aí, esbravejou seu Maurílio.

O bom desta história é que ninguém morreu. Nem o Tuma nem eu.

Chego em casa, está tudo tranquilo. Todos dormem. Menos o cachorro, claro. Abro a porta da varanda, faço um carinho nele, ele pula no meu colo, me dá umas lambidas. Sente saudades, acho.

Ligo a TV. Duas da manhã. Reprise do programa da Astrid. Ela não sabia que o prazo para tirar a segunda via do título de eleitor havia sido prorrogado e nem soube explicar ao certo o empate na votação da Lei da Ficha Limpa que movimentou o SFT na noite anterior. Tive impressão que a Astrid não sabia mesmo muitas coisas. No seu programa, que passa ao vivo entre sete e oito da noite, ela também confirmou veementemente a morte do Romeu Tuma.

- Mal informada, eu ria sozinho.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Meninos




Esta semana foi aniversário dos meus filhos mais novos. Um fez nove e o outro, sete. O mais velho completou 20 anos em abril. Quando ele nasceu eu ainda era um menino, assim que nem ele é hoje. Aqui em casa são três meninos. Cada um com uma personalidade diferente, mas todos se parecem. Eu, que também sou diferente deles, me reconheço em gestos distintos de cada um daqueles três meninos. O modo de falar de um, o gosto apurado de outro, o humor, o porte, o olhar, os gestos. Cada um daqueles três meninos carrega muito de mim.

- É este o verdadeiro sentido da palavra reprodução - digo para mim mesmo.

Eu sou do tipo que acredita em vida após a morte, mas mesmo que eu não acreditasse, eu teria a certeza de que muito de mim vai seguir com meus meninos depois que eu terminar o que tiver de fazer por aqui. Com eles eu perpetuei a minha espécie, são continuações de mim. E olha que faz anos eu li um livro que falava sobre a filosofia perene, aquela que segue, que continua, que não tem fim. Eu lembro de ler tal livro dentro do metrô, voltando do trabalho. Eu era recém-formado. Um menino. Eu lia e pensava na vida e em como todos os fatores externos mudam a cada momento e em como estes fatores nos afetam. Aquele livro me ensinou que alguma coisa em meio a tantas mudanças permanecia.

- Eu só não entendia bem o que era - confesso.

'Sei que vou morrer mais tarde' é a frase com que começo um poema que escrevi ainda antes de entrar para a faculdade. O que talvez possa soar mórbido, trata-se de uma das maiores declarações de amor à vida que eu já fui capaz de expressar. Mesmo que naqueles versos eu deixassse claro que a história teria fim. Até porque, parte dela termina mesmo. A parte que envelhece, que se curva, que enrijece, que se cansa e que um dia para. Feito máquina. Nestas horas olho para os meus três meninos e vejo pulsando em cada um deles um pouco de mim.

- É como a centelha que nunca se apaga - eu penso.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Nonsense




O texto que vocês vão ler abaixo não é uma história de ficção. Aconteceu de verdade numa destas redes sociais que brotam na web. Um mal intencionado, já a fim de criar polêmica, postou uma espécie de viral político. Agradou a alguns. Desagradou a outros tantos. Do nada surgiram comentários que resultaram num entrave bolchevique versus czar de fundo de quintal. O mal intencionado foi obrigado a intervir. O nível das ofensas extrapolou e beirou o nonsense.

Foi então que comecei a achar graça.

O fato de conhecer dois dos personagens centrais da história talvez tenha contribuído para que eu montasse a cena todinha na minha cabeça. Ao ler as frases eu conseguia ouvir a voz de um e de outro. Sabia exatamente o acento que cada um carregava nas palavras escritas ali, soltas naquela página da internet. Ou melhor, presas e devidamente registradas num site de relacionamento.

Imaginem um filme. Três grandes personagens. O primeiro é o mal intencionado, o que gosta de ver o circo pegar fogo, o que lança as polêmicas. O segundo é o pilhado, aquele que não tem noção de limites. Inteligente. Estudado. Mas, como eu disse, não tem noção de limites. O terceiro personagem escreve errado. É o representante da classe trabalhadora, a voz dos oprimidos. O segundo e o terceiro em instantes se transformam em inimigos mortais. Há uma batalha verbal, virtual, surreal entre eles.

Resolvi reproduzir os diálogos praticamente como foram escritos. Suprimi apenas personagens e nomes reais por fictícios para não comprometer nem A, nem B, nem C e muito menos me comprometer.


Com olhos de espectador foi que me diverti:

Quarta-feira. 21h52.
Mal intencionado publica um viral em sua página pessoal.
Em instantes começam a surgir alguns comentários. Alguns com erros gritantes de português.

Quarta-feira. 21h58. Bolchevique diz: A burguesia fede mas tem dinheiro pra comprar perfume, né? Esse comportamento de vcs é só mais uma prova do condicionamento burgues de vcs. Vão pras ruas e ousasm (ouçam, por favor) as pessoas POBRES.

Assim mesmo, tudo em caixa alta.

Quarta-feira. 22h22. Mal intencionado diz: ‎"Nunca na historia desse pais (sem acento) houve tanto dinheiro derramado em propaganda (sem vígula) companheiros". Alex meio programa da daquele pertido coisa feia, dava pra fazer 2 longas metragens e acho que umas 15 peças de teatro!!!! pensa nisso....ou vc ta ganhando bolsa familia tambem???/ bjs e saudades.

O mal intencionado não é dos piores. Tem muitos amigos. Começa aquela troca de mensagens carinhosas entre trogloditas que se conhecem há anos. Um sacaneia o outro. Coisa normal ente crianças na faixa dos trinta anos.

É aí que o nosso segundo personagem principal entra em cena.

Quinta-feira. 21h06· Czar se metendo onde não é chamado diz: Acho engraçado esses ataques à "burguesia" mas que não defendem tal candidatura. Atacou a burguesia, o estilo da roupa, mas não falou sobre os fatos apresentados aqui. Quero ver defender a candidatura e suas contradições apresentadas nesse vídeo...?

Quinta-feira. 21h28. Bolchevique sem entender diz: CUMA?????

Quinta-feira. 21h31. Czar gentil diz: Lê o texto mais 3 vezes que você entende.

Quinta-feira. 21h39. Bolchevique sem acreditar na grossseria diz: Acho que o companheiro quer uma posição mais clara. Se formos devender contradições para defender-mos (sic) um ponto de vista; nada nessa vida merecerá uma defessa (ôpa). A contradição é uma condição humana; não estamos livres dela, sem antes nos livra...r-mos (êita) de nosso ego, companheiro!

Quinta-feira. 21h44. Surtado diz: Eu quero que o companheiro se foda! Isso aqui não é lugar pra babaca nenhum vir me dizer o que eu devo pensar, dizer ou agir! sai fora camarada!

Quinta-feira. 21h45. Czar engajado diz: Eu defendo que as regras de trânsito devem ser respeitadas mas já cometi infrações. Políticos pregam por governos honestos e desviam milhões. Ambos estão em contradição, mas como tudo na vida, existe o mal e o pior. O filho da Cissa Guimarães estava andando de skate no túnel ilegalmente. O seu algoz, também. No entanto, a ilegalidade do ato do primeiro seria incapaz de tirar uma vida. Já o do segundo, não. O errado e o imperdoável. O direito, arte da defesa, usa justamente as contradiçoes para desvendar e desmascarar a impunidade. Dentro das variadas formas de defender um ponto de vista, é justamente através da contradiçao que se defende um ponto de vista num tribunal.Peço novamente, defenda a candidatura sem desviar a conversa para termos defasados como "podre burguesia", coisa que você não fez até agora nos seus inúmeros comentários.

Quinta-feira. 22h10. Bolchevique perdendo a razão diz: PIIIIIIIIIIIIIIII...


Quinta-feira. 22h11. Czar com vontade de brigar diz: calculo que vc esteja falando com outra pessoa, visto que nunca me adequei a tal terminologia (i.e. companheiro, camarada). Termilogia tão fora de moda, por sinal, que não se aplica nem mesmo na atual Rússia.

Quinta-feira. 22h11. Bolchevique chutando pau da barraca diz: Ok. E vai tomar no cú ainda está em moda?

Quinta-feira. 21h11. Czar já completamente pilhado diz: Está. Só que hoje em dia não é mais ofensivo. Pelo contrário, fala-se até para agradar alguém. Exemplo: você ganha um presente surpresa e fala: Ah, vai tomar no cú!!!Para ser ofensivo tem que dar endereço ao cú. VAI TOMAR BEM NO CENTRO DO S...EU SEBENTO CÚ!!!Se tiver mais coisas a aprender, é só perguntar.P.S.- No entanto, CUMA, está bastante fora de moda. Eu tiraria esse termo Didi Mocó do seu vocabulário.

Quinta-feira. 23h16. Mal intencionado tenso e carregando no sotaque diz: Ô, coquinho (o apelido do Czar é coquinho), vc tomou o q hj???? A personagem daquele vídeo, além de ser mentirosa arrogante, é mt feia e eu odeio mulher feia...e tem uma outra chata que nao fala nada com nada...putz e tem quem começou com essa merda de proibir o cigarro!!!!! Todos uma merda!!!!!! vou votar em papai noel!!!!!!! Sai de mim mulher feia

Quinta-feira. 23h44. Intruso diz: coquinho deixa de ser otário cara, tá querendo tirar onda de que? deixa de cafona cara, seu lugar é no orkut, lá que povo gosta de se meter na conversa alheia... deixa de ser baixo astral! E vai fazer um cursinho de coste (la coste?) e costura já que vc gosta tanto de moda assim!

Quinta-feira. 23h46. Czar que já virou coquinho diz: Pensou para caramba e veio com esse trocadilho sem graça sobre moda...? Ô, mal intencionado, o seu colega da claquete falsificada me manda tomar no cú sem me conhecer, e você pergunta o que eu tomei? Mas já estou acostumado com pessoas que votam neste partido mas não conseguem argumentar o porquê. É realmente uma missão difícil. Tem que se recorrer a ofensas mesmo. Obviamente, isso demonstra o fraco poder de argumentação dos seus caros colegas, mas isso é outra história. Agora, quero ver me perguntar ao vivo se tomar no cú, tá na moda. No facebook é fácil. Quando vier ao Rio, me apresenta para ele. Posso dar um workshop sobre outras utilidades para uma claquete.

Quinta-feira.23h48. Bolchevique boca-suja diz: é pq eu não fico plantado diante do computador.... tenho mais o que fazer ô babaca. tô dizendo que vc é muito tosco filho! Quem aqui vai votar naquela candidatura? só se for vc! quem tá fazendo papel de homenzinho revoltadinho aqui é vc, mando vc tomar no cú ao vivo do jeito que vc quiser! E enfio a mão na sua cara a hora que vc quiser... prego... procure saber quem eu sou pra depois dizer que minha claquete é falsificada, e sobre utilidades da claquete eu ensino na minha segnda aula na universidade. Não sou cara de workshopzinhos não, cresça e apareça! vc deve tá na TPM procura outro pra encher o saco, hoje é quinta-feira, toma um banhozinho e vai caçar um homem na rua cara e me deixa!

Sexta-feira. 14h23. Mal intencionado acorda, lê e diz: sabia que vc dois iam se amar!!!!! incrivel!!! o lance vcs tem que se conhecer!!!!!


Sexta-feira. 15h30. Bolchevique curto e grosso diz: tb acho

Sexta-feira. 15h31. Coquinho czar diz: Eu faço questão de conhecer. Pode demorar o tempo que for. Mas, quando isso acontecer, vai ficar muito feio se afinar. Já vi o físico da criança... Só não dá para ser em Muriaé pq é longe pra caralho.



Sexta-feira, 17h13. Mal intencionado preocupado diz: chegar no Rio vamos nos encontrar e conversar!!!!!!


Sexta-feira. 17h18. Bolchevique espantado diz: Muriaé??? ixiiii o cara tá na minha cola... mas com uns 7 meses de atrazo (assim com z) rssss .... afinar?... não me conhece mesmo!

Sexta-feira. 17h18. Coquinho já no ringue diz: Pelo q vi da sua foto, afinar não se aplica mesmo a vc. Já engordar...


Sexta-feira. 17h19. Bolchevique solta o verbo: Caralho vc é doente! Chato e carente! PQP me erra cara!


Sexta-feira. 17h22. Czar superior diz: Vou equiparar o seu nível infantil: vc é gordo, feio, estrábico e quatro olhos. Nhonho do caralho. nananinaná.


Até o encerramento deste texto nenhum personagem fez mais nenhum comentário.


E, que eu saiba, ainda não se encontraram.