sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Impressões


Acabou.

Terminou na noite desta sexta-feira uma das campanhas eleitorais mais feias de que já se teve notícia por aqui. A começar por um primeiro turno morno. Requentado apenas pelo pipocar de escândalos alimentados pela mídia. Dia após dia. Um primeiro turno tão morno que, no último debate da TV, os principais candidatos sequer se confrontaram. Um equivocado duelo entre covardes.

Ao menos foi o que me pareceu.

Sem que se pudesse piscar, começava o segundo turno. Outro clima. Mais pressão. Uns amam. Outros tantos odeiam. O cansaço deixando marcas na expressão de todos. Na redação, as folgas ficaram para depois. Antes, as notícias. De preferência em primeira mão. Exclusivas. Se fosse um furo, seria a glória.

Já no primeiro confronto na TV com apenas os dois candidatos, ficou claro que o tom do segundo turno seria áspero e que o jogo seria duro. Acusações. Escândalos. Boatos. O pior dos mundos. Tudo aquilo estampando as manchetes dos jornais diários. Uns até tomaram partido. Uma amiga brigou comigo numa destas redes sociais porque eu discordei de uma opinião dela e ela discordou de uma opinião minha.

Normal. Eu estou mais que acostumado.

Prova de que, se a campanha nas ruas teve direito a ataques com bolinhas de papel e balões com água, na internet o clima também esquentou. Dos que haviam esverdeado, muitos desbotaram e não tomaram partido. Porém outros, foram botando os bicos e as estrelas de fora e cada vez mais assumiam em qual lado estavam. Na eleição dos 140 caracteres, as redes sociais muitas vezes se transfomaram em tribunas da verdade alheia. Podia-se concordar. Ou não. E discutia-se. E tentava-se provar que A estava errado, embora B nunca estivesse certo.

Vídeos difamatórios multiplicavam-se numa velocidade estonteante e que nos deixava sem saber o que ainda poderia surgir. Foi então que vi o cenário da estratégia de marketing digital tupiniquim antropofágica montado. Complicado. Na tenativa de trilhar um caminho parecido com a campanha do Obama nos EUA dois anos antes, nossos cientistas políticos - ou publicitários, ou marqueteiros, ou seja lá o nome que se queira dar - ficaram pelo caminho e não entenderam nada. Ou então, viram o lado mau da força.

Era assim que eu pensava.

Enquanto escrevo este texto, a campanha ainda não está decidida. Só saberemos quem vai governar nosso país pelos próximos quatro anos no domingo, quando a última urna tiver sido apurada. Até lá é só especulação e uma ou outra pesquisa que se possa confiar. O último encontro dos candidatos na TV nesta eleição terminou há pouco. Levou para a TV eleitores indecisos e suas dúvidas foram traduzidas em perguntas. Os candidatos ficavam no centro, feito leões jogados numa arena.

Sem dúvida, um debate num formato inovador e que teve o mérito de encerrar esta campanha, tão marcada pelo excesso de baixarias e pela falta de propostas, com uma discussão onde os candidatos conseguiram ao menos manter um certo nível. Sabiamente, a regra do último debate proibia que os candidatos fizessem perguntas entre si. Desta forma, as acusações saíram de cena. Os protagonistas foram os eleitores - e seus nomes pra lá de estranhos - de cada região do país presentes naquele estúdio. Só então surgiram as propostas.

E eu fiquei com a nítida impressão de que já era tarde.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A dúvida




Se tem coisa que eu detesto, é hipocrisia. Mas vivo mergulhado nela. Por onde quer que eu ande e para onde quer que eu olhe, dou de cara com a hipocrisia.


E não estou aqui tentando me eximir da culpa de ser hipócrita, porque eu sei que sou hipócrita. Você também é. Não se engane. Afinal, todo mundo veste suas máscaras. Somos o que costumo chamar de sociedade dos mascarados. Mascaramos a nossa realidade, mascaramos nossos sentimentos, mascaramos até nossas vontades.

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Esta semana a sociedade brasileira foi às urnas esolher novos representantes. Centenas de políticos foram eleitos por todo o país. Senadores, deputados, governadores. Palhaços, até. Na maioria dos estados tudo se resolveu já no primeiro turno e a eleição agora praticamente se resume a quem vai ocupar o cargo de Presidente da República. São dois candidatos. Um homem e uma mulher. Nenhum representa o discurso da mudança. A novidade? Se houve, ficou de fora, no ambientalismo político da outra candidata, terceira colocada.

O segundo turno não me pegou de surpresa. E nem me tirou a esperança, diga-se de passagem. As mais recentes pesquisas apresentavam indícios de que teríamos de voltar às urnas em 31 de outubro. Uma tal onda verde arrastou uma multidão de eleitores e por pouco não se torna uma tsunami, ameaçando a candidatura de um dos dois candidatos que estava na frente. Talvez - e isto não é nada mais nada menos que uma suposição - se a campanha tivesse mais umas duas ou três semanas, o quadro fosse outro e a discussão fosse mais propositiva do que caluniosa.

Já disse aqui mais de uma vez e repito: esta foi uma campanha atípica. Começou dois anos antes, quando o criador resolveu aparecer com a sua criatura. Ali - de um modo que só um político que sabe muito bem o que quer, faz - dava-se início à corrida eleitoral. Todos os dias, nas páginas dos principais jornais, lá estava a criatura junto ao criador. Quando a criatura já tinha nome e sobrenome, começou a ser fotografada sozinha. Já tinha vida própria e já gerava pauta sem se esforçar. Especulações. Teorias. Denúncias. Câncer. Temer. E assim, aos poucos, surgia oficialmente uma candidatura.

Do outro lado, uma oposição sem um líder, sem uma voz que a representasse de verdade e que se sobrepusesse ou que ao menos falasse de igual para igual com o criador. O criador era o cara e a cara da oposição não surgia. Por várias vezes tive a impressão de que a oposição não sabia o que fazer. Falavam muito. Especulavam. Enraiveciam. Ouvi soar os tambores de Minas, mas não sei se por esperteza ou se por vaidade, os tambores não ultrapassaram suas montanhas. Demoraram a dar a cara a tapa e eis que surge então o candidato. Aquele. O mesmo que já se esperava que fosse. Discursos. Frases feitas. Promessas. Saúde. Falta de carisma, de vice. E assim, aos poucos, surgia a candidatura da oposição.

Pouco se discutiu a respeito de política de lá para cá. Só escândalos e denúncias. Estes não faltaram. Para se ter noção do quanto esta campanha foi atípica e, por que não?, chata, basta lembrar do último debate do primeiro turno. Não houve o enfrentamento que se esperava. Os candidatos mais bem colocados nas pesquisas se evitaram e o que se viu na TV - disponível no Youtube perto de você - daqui a alguns anos vai virar tese de doutorado de um aspirante a cientista político.

O segundo turno, claro, não poderia começar bem. Questões que deveriam ser tratadas sob a ótica da responsabilidade e do esclarecimento estão sendo usadas como armas numa guerra suja e de viéis moralista e, portanto, hipócrita.



Esta campanha, além de atípica, está feia.

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Há dois anos eu fiz parte de uma equipe vitoriosa que elegeu um prefeito numa campanha no mínimo emocionante. Quando nós chegamos na cidade, o então candidato estava em segundo lugar com tendência de queda. Pelo menos era o que apontavam os estudiosos. Ele teria de disputar votos com aquele que por anos foi seu pior inimigo político. Era um embate quase que familiar. A outra candidata era uma mulher que corria por fora, era da onda vermelha, e nunca havia se candidatado a nenhum cargo público. Ela enchia a cidade de margaridas e de discursos acadêmicos enquanto meu candidato, um digno representante da classe dos almofadinhas, arregaçava as mangas e ia apertar a mão de cada morador daquela cidade.

Ele descobriu que tinha carisma e eu descobri mais ou menos como é que se constrói um astro pop - com as devidas proporções, claro.

Aquele que um dia foi considerado de elite, agora era o candidato do povo. O seu pior inimigo tinha ficado para trás e o foco era ela: a acadêmica, a mulher, a novidade, a mudança. Só que ela esqueceu ou não sabia que para governar ia precisar de um programa de governo. Foi então que não perdoamos. Aquela era uma candidata sem programa de governo, repetíamos exaustivamente. Já o meu candidato, este tinha pelo menos 45 pontos que poderiam ser discutidos em seu programa, devidamente impresso e distribuído.

Ganhamos de virada.

Desde então me pergunto se não fui hipócrita naquela campanha.