Nunca fui fã de futebol. Lembro que quando moleque até tentei me aventurar entre dribles e carrinhos, mas eu sequer conseguia fazer mais que duas embaixadinhas. Isso quando a bola não escapava dos meus pés logo de primeira. Motivo de chacota para alguns amigos que, só para me deixarem mais arrasado, volta e meia combinavam campeonato de embaixadinha. Minha participação chegava a ser ridícula. Mas eu tentava, confesso que tentava. Lembro até que cheguei a tirar umas fotos fantasiado de goleiro, com luvas, joelheiras e um indefectível kichute, num jogo organizado por algum pai de amigo da rua. Se não em engano tem fotos minhas em ação. Mas o primeiro capítulo da minha história com futebol termina aí.
A primeira Copa do Mundo da qual tenho lembrança é a Copa de 74, na então Alemanha Ocidental. Mas é uma vaga lembrança. Uma cena, para ser mais preciso. Um aparelho de televisão com imagens em preto e branco e meu tio Manoel sentado em frente, assistindo a um jogo que, lógico, não faço ideia de qual tenha sido. Depois, em 1978, veio a Copa da Argentina e a vitória pra lá de suspeita dos hermanos sobre o Peru por seis a zero. Este detalhe eu sei porque li mais tarde e não porque tenha me revoltado na época. Pouco lembro daquela Copa também.
Em 1982, na Espanha, a coisa muda de figura. Eu já era adolescente e a onda era pintar as ruas e os muros com o mascote da Copa, o Naranjito. O técnico era o Telê Santana e a seleção brasileira encantava o mundo com seus craques e seu futebol criativo. Havia uma expectativa de que o Brasil trouxesse a taça, mas fomos eliminados pela Itália na segunda fase. Lembro que na minha rua o tal Naranjito ficou desbotando por longos quatro anos, até ser substituído por uma caricatura do rosto do Leandro, ex-jogador do Flamengo que desistiu de embarcar para o México, na Copa de 86. O Brasil ficou em quinto lugar e o pai de um amigo meu morreu por conta disso. Triste.
Em 1990 eu já estava casado, meu filho mais velho era recém-nascido, a Copa foi na Itália e o técnico brasileiro Sebastião Lazaroni adotava o esquema defensivo. Era realmente uma outra fase. Para mim e para a seleção brasileira, eliminada logo nas oitavas de final. Meu casamento também não foi muito longe e menos de um ano depois eu estava de volta à casa dos meus pais. O que eu não poderia prever é que meu filho seria um verdadeiro fanático por futebol e que anos mais tarde ele seria o responsável por me levar ao Maracanã várias vezes para ver o Vasco jogar.
Mas aí veio 1994. A Copa foi nos Estados Unidos, um país que nunca teve a menor tradição no trato com a bola nos pés. Mas o Brasil tinha. E tinha também Romário, Bebeto, Parreira e Zagallo. Tinha ainda o então Ronaldinho, uma promessa que, se não me engano, jogava no Cruzeiro. A expressão "vai que é tuuuuua, Taffarel" virou mania. Foi uma Copa bonita, estádios cheios, todo aquele asseio norte-americano. Até um filme foi feito. E por brasileiros. Por fim, trouxemos a taça depois de uma final emocionante, num domingo que, peço a Deus eu nunca me esqueça daquele empate com a Itália e o coração entregue aos pênaltis. Era o tetra, vinte e quatro anos depois da Copa de 70, da qual só conheço as histórias. No tri eu tinha apenas um ano.
Quatro anos mais tarde, em 1998, eu confesso que não entendi nada. A seleção brasileira se curva diante da França e Ronaldo, que não lembro se ainda era Ronaldinho ou se já era o Fenômeno, teve aquelas estranhas convulsões. A seleção da casa derrotou os brasileiros por 3 x 0, num jogo em que nossa seleção foi protagonista de uma das mais polêmicas partidas de futebol de todos os tempos. E tristes. Pelo menos para nós, brasileiros.
Mas em 2002 a gente trouxe o pentacampeonato. Foi a Copa do Japão e da Coreia e dos horários mais absurdos para se ver jogos de futebol, diga-se de passagem. Ter de acordar ainda de madrugada para ver a seleção brasileira jogar só se valesse muito a pena. Eu já estava casado de novo, tinha mais um filho, muito sono e mesmo assim eu estava lá, de pé, com um copo de iogurte na mão às sete da manhã vendo o time de Cafu, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho surpreenderem mais uma vez o mundo. Mundo, aliás, que andava mudado por conta do 11 de setembro de alguns meses atrás.
Lembro que estava em Buenos Aires na Copa de 2006 e me arrisquei a torcer pelo Brasil num jogo contra o Japão, num bar de Palermo. Foi um risco que eu e Claudia só resolvemos correr no primeiro tempo. Antes que o segundo iniciasse, nós já estávamos seguros em nosso quarto de hotel. Nossa seleção era a favorita. Até mesmo nas palavras de Maradona, a personificação da marra Argentina. Mas como todo favoritismo é perigoso, perdemos. Não o jogo contra o Japão, mas com a França, que nos despacharia para casa nas quartas-de-final. Mais uma vez os franceses. Estranho, eu achava. Mas estranho mesmo foi ver a Argentina ser eliminada enquanto eu esperava a hora de embarcar no avião. Num bar localizado no hall do aeroporto da capital argentina, lotado de hermanos enlouquecidos eu escondia meu riso sarcástico sobre a gola do pulôver.
Confesso que ainda não consegui me empolgar para valer nesta Copa da África do Sul. Alguns jogos me surpreenderam, é verdade, como a eliminação da Itália pela Eslováquia. Um 3 a 2 emocionante. Apesar de não ter visto nenhum jogo inteiro, exceto os do Brasil, também gostei de saber que a seleção Paraguaia está classificada para as oitavas. Não gostei foi de saber que os jogadores da seleção da Costa do Marfim ainda são meio primitivos. A seleção do Dunga ainda não convenceu, já o mau humor do técnico rompeu as barreiras de qualquer treino secreto e já caiu na boca do povo. Uns detestam, outros defendem. O certo é que ninguém gosta.
O empate com Portugal deu uma esfriada nos ânimos já não muito alterados. Eu, que vi o jogo na casa dos meus sogros lusitanos e, portanto, em território inimigo, acabei torcendo pelo empate, o que era bom para as duas seleções. Meu sogro, o português mais zen que eu conheço - se é que existe outro -, assistia ao jogo do Brasil e Portugal na sala ao mesmo tempo que assistia aos trogloditas da Costa do Marfim contra os pobrezinhos da Coreia do Norte no quarto. Olho lá, olho cá, o medo dele era de que o Brasil fizesse um gol e a Costa do Marfim sete. Se os portugueses perdessem para o Brasil teriam de disputar a segunda vaga pelo saldo de gols. E olha que os patrícios tinham é gol de sobra.
_ Mas a coitadinha da Coreia é meio fraquinha, ele repetia com sotaque carregado.
Os olhos da minha sogra brilhavam pelo empate e os meus viram nos dela um coração divido entre duas nações. Porque foi lá que ela nasceu, mas foi aqui que plantou suas sementes e fincou suas raízes. Assim como ela, meu sogro, e mais 'meu' tio Joaquim e 'minha' tia Emília. Vimos o jogo juntos. Eu, Claudia e as crianças de um lado e os de além-mar do outro. E nem foi combinado. Já o empate me pareceu jogo de pai para filho. Ou de filho para pai.
_ Fica tudo em família, disse meu sogro.
Litealmente, eu pensei.
_ Mas a coitadinha da Coreia é meio fraquinha, ele repetia com sotaque carregado.
Os olhos da minha sogra brilhavam pelo empate e os meus viram nos dela um coração divido entre duas nações. Porque foi lá que ela nasceu, mas foi aqui que plantou suas sementes e fincou suas raízes. Assim como ela, meu sogro, e mais 'meu' tio Joaquim e 'minha' tia Emília. Vimos o jogo juntos. Eu, Claudia e as crianças de um lado e os de além-mar do outro. E nem foi combinado. Já o empate me pareceu jogo de pai para filho. Ou de filho para pai.
_ Fica tudo em família, disse meu sogro.
Litealmente, eu pensei.