quarta-feira, 13 de maio de 2020

Vírus imoral

Quando tudo começou, juntei todos os eus ali naquele apartamento-corpo morada de mim.

Cada um num canto.

Enquanto eu lia trechos de um conto nervoso, lá fora a noite se derramava em temporal.

Um outro eu ouvia os versos que eu mesmo escrevia cá dentro, rimas, ritmos, músicas.

Eu me pus a dançar.

Eu e eu noite e dia.

Pensei tantas coisas, revirei por inteiro, baguncei minhas gavetas, me desfiz de tudo aquilo que por muito tempo escondi.

Despido de mim.

Sobraram a fantasia do eu-menino, os delírios do eu-homem, e aquela minha liberdade imoral que contaminava feito o vírus perigoso no ar.

Foi então que me calei e me tranquei sozinho.

E em meio a tanto silêncio, os olhos dos outros eus confiantes de que tudo aquilo também ia passar.