quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

All we need is love


Depois de alguns dias fora de casa, cheguei e dei de cara com a geladeira praticamente vazia. Alguns alimentos já vencidos que a empregada esquecera de jogar fora, outros já nos finalmentes e a certeza de ter de encarar um mercado mesmo com os 50 graus que torram os miolos de qualquer mortal que se arrisca nas ruas do Rio de Janeiro em pleno verão do aquecimento global. A notícia logo pela manhã da morte de Zilda Arns, vítima do terremoto que arrasou o já arrasado Haiti, fez meu dia começar estranho. Minha cabeça ainda parecia balançar feito o barco em que estive praticamente todo o dia de ontem e eu fiquei com receio de ser uma crise de labirintite, mas não, tudo indica que foi alarme falso; minha mulher e meus filhos mais novos não conseguiram levantar da cama antes das 10h30; o café da manhã saiu por volta do meio-dia; às duas da tarde a vizinha convidou os pequenos para um cineminha com os filhos dela e o jeito foi improvisar um almoço pra eles não irem ao cinema com fome. No freezer, um pote com o que um dia foi uma feijoada e no armário, dois pacotes de macarrão instantâneo. Em menos de cinco minutos eles já tinham almoçado e estavam prontos para o passeio. Paz. Sossego. Ar condicionado. Clima de montanha no meu quarto. E de romance também.
Algumas horas se passaram. O telefone tocou. Era a vizinha dizendo que estava tudo bem, que iam fazer um lanche e demorar mais um pouquinho. Sem problemas. Aquele final de tarde estava mesmo preguiçosamente gostoso, mas minha mulher resolveu levantar da cama e sair para revelar as fotos acumuladas na câmera e de quebra passar na padaria para comprar umas coisas para o lanche. Não tive coragem de sair do quarto e encarar o caldeirão que se formava à beira do corredor do meu apartamento.
- Quer ir comigo, ela teve coragem de me perguntar.
- Nem morto, eu respondi.
Aproveitei que eu estava no ar condicionado e tomei coragem para ligar para a NET e resolver o problema dos canais que estavam fora do ar. Juro que eu pensei que fosse ficar horas pendurado com aqueles atendentes e seus gerúndios intermináveis. Quebrei a cara, pois em menos de dez minutos os canais estavam todos restabelecidos. Na GloboNews uma entrevista com um coronel do exército brasileiro comentava a situação do Haiti e mais uma vez eu lembrei da Zilda Arns e do quanto somos carentes de bons exemplos feito ela. Mais cedo eu havia lido no blog da colunista Míriam Leitão uma frase a respeito de Zilda Arns que me fez pensar na missão de cada um aqui por estas bandas. O título do post era "Zilda Arns: combateu o bom combate pelas crianças", onde ela afirmava que a perda de Zilda era uma grande perda para o país. Assim como a colunista, eu também sempre tive uma enorme admiração pela fundadora da Pastoral da Criança. Nunca tive a sorte de entrevistá-la, mas sempre que tinha a oportunidade de vê-la na TV não tinha dúvidas de se tratar de uma pessoa especial, daquelas que deixam para sempre a marca do bem por onde quer que passem. Depois de salvar a vida de milhares de brasileiros em condições de miséria, Zilda Arns resolveu levar a Pastoral da Criança para outros tantos países do mundo. Estava no Haiti para mais uma destas missões. Junto com ela morreram mais 11 militares brasileiros e outras cerca de 100 mil pessoas. Na internet o que se vê é o retrato de um país devastado e suas necessidades infinitas. No G1 a manchete é de que Lula telefonou para Obama e pediu ajuda às vítimas no Haiti, mas eu não sei se "o cara" vai conseguir alguma coisa com o Nobel da Paz. Angelina Jolie e Brad Pitt já se comprometeram a ajudar.
Em meio a tantos pensamentos as crianças chegaram do cinema praticamente ao mesmo tempo que minha mulher com as fotos devidamente ampliadas e nosso lanche da padaria. Com tanto calor não sinto muita fome. Comi um sanduíche misto e bebi um mate com bastante gelo. Enquanto os filhos dos vizinhos iam entrando eu ia saindo para encarar o mercado. Calor. No céu, algumas nuvens. Mercado vazio. Achei tudo mais caro. A comida do cachorro, então, estava pela hora da morte. Isso porque o índice da inflação de 2009, anunciado hoje, foi o segundo menor da década. Comprei apenas o que precisava comprar e na hora de pagar tive uma surpresa: dei de cara com o livro "O Banquete", de Platão, nas mãos do caixa que me atendeu. Fiquei surpreso e feliz ao mesmo tempo. Este livro é um dos que minha mulher mais gosta e eu só li porque ela me obrigou. É um livro de leitura difícil, sem nenhum apelo popular, apesar de se tratar de uma celebração ao amor, ingrediente que anda faltando nas prateleiras de muitos corações por aí. O rapazinho do caixa disse que não sabia se ia conseguir ler até o fim porque estava achando meio complicado.
- Li "O Mundo de Sofia" e parti pra este, ele me disse.
Eu respondi que era pra ele não desistir, mas não sei se consegui convencê-lo. Tomara que sim. Até porque, hoje, depois da morte de Zilda Arns, só consigo pensar que tudo o que mais precisamos é amor. Seja ele como ele for.

2 comentários:

  1. Questions:
    -porque uma mulher melancia é muito mais conhecida que uma zilda arns?
    -feijoada e macarrão dá uma pasta fagiolli? seus filhos estão bem?
    -porque as pessoas acham que ao ler o mundo de sofia, estão prontas para filosofar?

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  2. Adorei o texto...
    Muito bom mesmo.
    Só agora parei para pensar que dou mais importância aos exemplos gringos do que os que estão aqui dentro, pretendo mudar isso a partir de agora.
    Abraços!

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