quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Folia de Reis, subúrbio e preconceito.


Só fui me dar conta de que eu era suburbano quando entrei na faculdade. Até então eu não tinha a menor noção de que eu pertencia a uma subespécie, considerado por muitos um ser de outro mundo, um alien ou algo parecido. Foi preciso atravessar o túnel Santa Bárbara diariamente e estudar jornalismo na FACHA para me dar conta de que eu era suburbano com todas as letras. Nunca, em momento nenhum da minha vida, o fato de morar no subúrbio foi um empecilho pra mim. Desde que descobri vida após o túnel _ nem sempre vida inteligente, diga-se de passagem _ usei e abusei do meu direito de ir e vir pra onde quer que fosse, pouco me importando que tipo de tribo eu iria encontrar ou se eu poderia pertencer a esta ou àquela. Se eu estivesse a fim de ver um filme na sessão da meia-noite nos primórdios do Cineclube Estação Botafogo, eu ia; se eu quisesse ficar na Farani até tarde da madrugada e depois voltar de ônibus pra casa sem receio de assaltos, eu ficava; se a vontade era de ver o pôr do sol no Arpoador, lá estava eu, da mesma maneira que eu ia pros cafundós de Niterói ou Realengo ou Tijuca e Rio Comprido na casa de meus amigos.
Digo isso porque hoje, conversando com um amigo, morador de Botafogo, percebi enraizado nele o tom do preconceito que muitas vezes nós, brasileiros, conseguimos camuflar. Não sou negro, não sou gay, não sou judeu, não sou portador de necessidades especiais, mas sou suburbano, o que para muitos é quase um pecado, motivo de piadas. Ou defeito, sei lá. "Mas por que você resolveu comprar um apartamento no Méier?" é uma das perguntas que mais ouço, sempre acompanhada de uma cara de estranhamento. Na maioria das vezes não me dou ao trabalho de responder e cada vez mais tenho a certeza de que esses que me fazem este tipo de questionamento pensam como aqueles que vivem no Primeiro Mundo e acham que vão encontrar macacos e índios soltos nas ruas de nossas cidades. Porque o estranhamento é o mesmo, só que numa visão macro. Ou não?
Mas vamos deixar o preconceito pra trás e falar das coisas boas do subúrbio. Ontem, assim que deu meia-noite, soou um foguetório dos bons aqui perto de casa. Desta vez era pra anunciar o Dia de Reis. Mais uma vez fui apanhado por boas lembranças da minha infância, no subúrbio de Pilares, onde nasci, morei até um ano de idade, mas por conta da minha avó e de outras tias, tios e primos, frequentei até a adolescência. Lá passava a Folia de Reis de casa em casa. Lembro de uns homens de uniforme e seus instrumentos musicais, umas meninas carregando umas bandeiras, a do Divino, e minha avó com um bolo que ela fazia com as frutas secas e as nozes que sobravam do Natal. Minha mãe também costumava fazer bolo nesta data, mas de uns tempos pra cá, por conta da diabetes, ela perdeu o prazer de fazer doces e seus bolos, assim como os da minha avó, ficaram na saudade. Confesso que faz anos que não vejo passar uma Folia de Reis. Mesmo aqui pelas bandas do Méier, subúrbio do Rio de Janeiro, o Dia de Reis é apenas o dia de desmontar a árvore e guardar os enfeites de Natal. E só. É como diz a letra da música do Tim Maia: "Hoje é o Dia de Santos Reis, anda meio esquecido, mas é dia da festa de Santos Reis!"
No mais, fui com meu filho, o número um, assistir ao filme do Lula. A oposição pode ficar tranquila. Não é um filmaço. Não emociona. E pela pequena quantidade de pessoas na sessão, deve durar pouco tempo em cartaz. É apenas um registro de parte da história de um homem que conseguiu romper com tudo aquilo que um dia conhecemos como preconceito. Mesmo que este preconceito ainda continue velado por aí.

6 comentários:

  1. Eu assisti Folia de reis poucas vezes na vida, uma que me marcou foi em Goiás e outra na Bahia. Ao tempo significados se perdem e rituais. Uma pena, mas quanto já não se perdeu e nem nos damos conta.

    Mas Márcio, tudo bem que você não seja gay, negro ou judeu, afinal, ninguém é perfeito, mas muitos são modestos. Mas você é MEU REI (com sotaque bahiano)

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  2. Sou de Ramos e já morei também na Penha. Em 98, um ser pós-túnel me olhou com surpresa quando eu falei que tinha Internet. "Internet em Ramos? Sério??" Deixei falando sozinho.
    Uma vez simplesmente não consegui que a mãe de uma ex-amiga me dissesse onde na Zona Sul ela tinha colocado a lista de casamento, pra eu ir comprar. Ela insistiu em me indicar a loja da Tijuca, "porque o pessoalzinho da Tijuca está indo todo lá". Não adiantou eu falar que estudava na UFRJ (Praia Vermelha) e trabalhava em Botafogo. Simplesmente ela se recusou. Afinal, pra ela, eu era tão gentalha quanto o "pessoalzinho da Tijuca".
    Outra mãe de uma amiga minha se surpreendeu quando eu disse que via o marido dela, pai da minha amiga, correndo na Lagoa. "Ué, mas o que você estava fazendo lá??" Claro, né, hoje em dia sou o "pesssoalzinho da Tijuca", como eu consigo o milagre de dirigir 15 km pra ir à Lagoa, né?
    Nojo desses elitismos.
    Beijo!

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  3. Sou de Padre Miguel, e hj na casa da minha sogra, no méier, vejo ainda esse preconceito.
    Na adolescência, morando em PM e passando férias na serra, meus amigos eram, ou pós-tunel ou o pessoalzinho da tijuca. E, se eu quizesse encontra-los no Rio depois das férias, eu que fosse encontrá-los. Resultado: EU IA, como vou até hoje, mas ando dirigindo meu carrinho por todo o Rio, conheço mesmo. E digo: Obrigada!
    Não entendo, em que ano estamos mesmo ?

    Marcio, adorei, e nunca vi uma festa de Reis, somente pela TV. Lá em casa é dia de desmontar a árvore (rs ;) !!!!

    Beijo

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  4. Adoro a riqueza cultural do subúrbio. Vamos marcar um restaurante na sua área pra matar as saudades e enriquecer meu blog?

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  5. No outro dia perguntei a uma amiga porque ela era vegetariana. Ela mudou o semblante e me hostilizou. Defendeu seu vegetarianismo com agressividade, a um passo da histeria. Momentaneamente, não entendi tamanha fúria e o porque da defesa inflamada, visto que eu não a tinha atacado. Era uma inocente pergunta com o intuito de saber se ela era vegetariana por crer que carne não faz bem ao organismo ou se para defender os bichos de mortes e confinamentos cruéis. Assim que mudamos de assunto e ela se acalmou, refleti e entendi imediatamente a razão da agressividade.
    Num país onde 99% da população come churrasco e feijoada, imaginei quantas pessoas deviam perguntar-lhe o porquê do vegetarianismo. Sem contar as imensas bobagens e acusações que devem ter lhe dito durante a vida toda.
    Penso que algo semelhante aconteceu com você. A pergunta que te fiz ("Porque comprar um apartamento no Méier?") teve uma resposta lógica da sua parte ("Porque toda a minha família mora no Méier").
    Antes de vir para o Rio-Botafogo, sempre morei no subúrbio. Na adolescência, adorava. Depois dos 20, não detestava, mas preferia não estar ali (mas financeiramente era impossível). Ao chegar à cidade maravilhosa, preferi alugar um apto minúsculo na zona sul a um grande na zona norte. Localização tornou-se algo fundamental na minha vida de noitadas e praia (e sem carro). A sua amiga disse acima que chega tranquilamente à lagoa percorrendo 15 km. Eu quero chegar lá em 5 min. de bicicleta. Quero sair de casa a pé, sem precisar de carro.
    Sempre acho que quem justifica demais uma acusação de preconceito, é porque realmente tem esse preconceito. Mas garanto que me alongo na minha defesa porque nossa amizade é recente e você me conhece mal.
    Com mais papos de 6 horas (???) na praia e muito mormaço, você vai entender que eu acredito que cada um deve viver como quer e onde quer onde se sente feliz e bem. Seja no Méier ou em Beverly Hills.

    PS- No mais, as pessoas são diferentes e devem ser respeitadas. O fato da minha família morar no mesmo bairro que eu, seria motivo para eu me mudar para outro e não comprar um apartamento lá. HAHAHA.

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  6. parabens pelo blog...
    Na musica country VIRGINIA DE MAURO a LULLY de BETO CARRERO vem fazendo o maior sucesso com seu CD MUNDO ENCANTADO em homenagem ao Parque Temático em PENHA/SC. Asssistam no YOUTUBE sessão TRAPINHASTUBE, musicas como: CAVALEIRO DA VITÓRIA, MEU PADRINHO BETO CARRERO, ENTRE OUTRAS...
    VIRGINIA DE MAURO a LULLY é o sonho eterno de BETO CARRERO e a mão de DEUS.

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