Era domingo. Aniversário de sete anos da Isabella. O combinado era comemorar na praia, almoçar e, no final da tarde, encontrar os amiguinhos para cantar parabéns no boliche. A menina acordou cedo, antes mesmo que os pais levantassem da cama, e estava que era só animação. Pulava, cantava, rodopiava, dançava pela sala do pequeno apartamento e repetia que aquele era o dia mais feliz da sua vida.
- Vamos, gente! Vamos porque eu estou muito feliz hoje!
Ela era a alegria da casa. Falante, educada, engraçada, vaidosa. Além de ser uma bonequinha. Morena, miudinha, cabelos encaracolados, olhos curiosos e dona do sorriso banguela mais lindo do planeta. Não havia quem não fosse apaixonado por Isabella. O pai babava. A mãe era só orgulho. Os avós? Corujas, claro. Isso sem falar na vizinhança.
- Essa menina é uma simpatia, dizia dona Janete, a síndica, toda vez que a encontrava.
- Ela é a coisa marfofa, exclamava Tereza, a vizinha do duzentos e dois, quando a via passar pelo corredor.
- Bom dia, minha princesa, cumprimentava seu Jorge, o porteiro do prédio, sempre que Isabella ia para a escola, ainda com os olhinhos fechados de sono, antes das sete da manhã.
E naquele domingo ela estava ainda mais radiante. Não cabia de tanta felicidade dentro do biquíni novo que ganhou da vó Cleide. Ganhou ainda um chapéu, um óculos de sol e uma saída de praia cor de rosa, que era a cor que ela mais gostava. Assim como seus pais, Isabella também adorava praia. Foi ela quem decidiu que queria ir à praia no dia do seu aniversário, almoçar fora e depois ir ao boliche com os amigos que ela mais gostava: Bianca, Isadora, Catarina, Arthur, Vinícius e Marina. Estava tudo combinado. Seria perfeito. A não ser por um simples detalhe: quando já estavam no carro, os pais de Isabella resolveram dar uma passada rápida no terreno que eles haviam comprado há poucos meses só para ver se o pessoal da obra tinha mesmo levantado o muro.
- É caminho, filha. A gente nem vai parar, papai promete.
Mentira.
Chegando no terreno, todos saíram do carro para ver o muro que finalmente estava de pé. Jana, a rotveiller, veio correndo, toda estabanada, e por pouco não derrubou Isabella no chão de terra batida. A menina nem se abalou e foi atrás da mãe, que catava algumas mangas caídas de tão maduras. O pai foi conferir as sobras de material enquanto sonhava com o dia em que ia ver sua casa erguida ali, bem do jeito que ele sempre quis. Já sabia até onde ia ficar a piscina, a churrasqueira e a mesa de pingue-pongue. Era uma área boa, com pouco mais de 600 metros quadrados, mas que, até então, só tinha mato, duas mangueiras, uma jabuticabeira e a casinha da Jana, a rotveiller que tomava conta do terreno.
- Tem um ovo, gritou Isabella. Tem um ovo aqui!
Antes mesmo que os pais falassem qualquer coisa, a menina veio correndo com o ovo na mão. Parecia um ovo de galinha, mas um pouco menor.
- É de galo garnizé, afirmou a mãe, cheia de autoridade.
- Como você sabe?, perguntou o pai.
- Desse tamanho, só pode.
- Posso ficar com ele?, apertou os olhinhos a menina.
- Claro que não, respondeu o pai.
- Isabella, a gente vai à praia, esqueceu?, disse a mãe.
- Deixa o ovo onde você o encontrou.
- Mas, papai, acho que está nascendo. Olha aqui, ergueu as duas mãos e mostrou o ovo que começava a rachar.
Num impulso, Isabella levou as mãos fechadas à altura do peito e ficou acalentando aquele ovinho, como se estivesse mesmo chocando. Jana, a rotveiller, não parava de latir, correndo de um lado para o outro no terreno. A menina não pensou duas vezes. Agarrou-se com o ovo e entrou no carro. Ficou encolhida lá no canto e dizia para os pais que tinha desistido de ir à praia. Também não queria mais almoçar fora. Não queria mais nada, só queria chocar o ovinho.
- Minha filha, você não é galinha. Esse pinto, se nascer, não vai sobreviver longe da mãe dele, sentenciou o pai.
- Seu pai tem razão, Bella. Deixa o ovinho aqui e vamos à praia. É seu aniversário, lembra?
- Mas mamãe, a mãe dele não está aqui. Ele não vai gostar de nascer e não encontrar a mãe dele. Deixa eu ser a mãe dele?
Não demorou mais que dois minutos e o danado do pintinho começou a quebrar a casca do ovo.
- Ai, meu Deus, tá nascendo, mãe! Vamos para casa, pai!
Não teve jeito. Naquele dia não teve mais praia, nem almoço em restaurante e muito menos boliche. Isabella quis comemorar o aniversário com o filhinho, digo, com o pintinho que nasceu nas suas mãos.
- Onofre.O nome dele é Onofre, repetia a menina, encantada com o pinto que acabara de chocar.
O fato é que Onofre sobreviveu. Com duas semanas, já era um frangote. E o mais incrível: por onde Isabella ia, Onofre ia atrás. Bastava ela chegar do colégio e, pronto. Eram inseparáveis. Dava gosto de ver. Dona Janete, a síndica, de início não gostou muito. Ficou preocupada com o que os outros moradores iam falar, já que Onofre piava dia e noite.
- E quando esse bicho começar a cantar ainda de madrugada, como vai ser?
- Liga, não, dona Janete. Bom que a gente acorda cedo. Nesse prédio aqui todo mundo adora a Isabella. Duvido que alguém reclame, acalmou Tereza, a vizinha do duzentos e dois.
E não deu tempo mesmo de ninguém reclamar. Onofre ainda não havia completado um mês e os pais de Isabella resolveram passar no terreno mais uma vez para acompanhar a obra. Foram todos. Isabella e Onofre no banco de trás. O galinho ia todo garboso ao lado da menina, que sorria, toda contente. Ela realmente nutria por ele um sentimento de mãe. Ela piava e ele piava em seguida, como se estivessem conversando. Todos riam. Onofre já era da família. Comia da melhor ração e bebia água sempre fresquinha. Era um galinho garnizé muito do bem tratado, com as penas avermelhadas, o bico brilhoso, peito estufado e a crista já dando sinas que ia tombar para a esquerda, feito um topete.
Chegando no terreno, todos saíram do carro para ver o andamento da construção. Jana, a rotveiller, mais uma vez veio estabanada. Isabella pegou Onofre no colo, a mãe foi catar mangas, o pai foi ver as sobras de material. O muro já estava pintado, o mato havia sido capinado, o terreno ao lado já tinha sido comprado. Estava um dia quente, de sol, céu azul, quase nenhuma nuvem. Bom para um passeio. Tão bom que Isabella resolveu soltar o Onofre no chão para que ele pudesse conhecer o lugar de onde ele veio.
- Foi bem aqui que eu te achei, Onofre, começou a contar Isabella.
Onofre, tadinho, não deu meia dúzia de ciscadas no terreno. Jana, a rotveiller, quando viu aquele galo solto, correu feito uma louca e engoliu Onofre numa só mordida.
Os pais se entreolharam incrédulos. Isabella, aterrorizada com a cena, deu um grito que ecoa até hoje e desmaiou. Jana, a assassina, digo, a rotveiller, percebendo que era culpada pela gravidade da situação, se escondeu no fundo da sua casinha e de lá só saiu quando começou a engasgar com o bico do Onofre, que era de difícil digestão.
Tadinho do Onofre. Só sobrou o bico.
Tadinha da Isabella. Recuperou-se do trauma a duras penas.
Tadinha da Isabella. Recuperou-se do trauma a duras penas.
Esqueceu-se do Kauã, mas só isso. Sensacional, como diria Arcesinho
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