quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Amigo é pra essas coisas

Quase uma da manhã e o telefone toca. A figura pula da cama, vai atender. Do outro lado da linha, seu melhor amigo com voz de quem está apavorado, como se o mundo estivesse acabando.
- Fodeu, roubaram meu carro - diz ele.
- Onde você está? Te machucaram? E a Lêda? As crianças? - o outro amigo pergunta.
- Estão bem. Estão aqui comigo, mas a Lêda está dizendo que vai se separar de mim.
- Mas o que tem a ver uma coisa com a outra?
- Culpa da minha sogra...
- Dona Nêuma? O que foi que ela fez?
- Morreu.
- Para de sacanagem. Tarde pra cacete e vc ligando pra minha casa pra passar trote?
- Não é trote. Roubaram meu carro e a dona Nêuma morreu, porra!
- Os assaltantes mataram ela? Vc já chamou a polícia?
- Não, não chamei e não foram os assaltantes que mataram a velha. Ela empacotou hj cedo enquanto a gente ia pra Minas passar o final de semana na casa de uns parentes. Um susto danado. Imagina?
- Sério?
- Sério, cara. No meio da viagem eu comecei a achar estranho o silêncio da jararaca. Ela, que sempre falava pelos cotovelos, estava calada por demais. Quando paramos para comer alguma coisa, já perto de São João Del Rey, ela parecia dormir profundamente. Chamamos uma, duas, três vezes e ela nada. Daniel disse que a avó estava gelada. Foi aí que bateu o frio na espinha. Lêda só chorava e pedia pra eu trazer a mãe dela de volta. Bate na cara daqui, pega no pulso dali e nada. Mortinha.
- E aí?
- E aí que eu disse que ia voltar pra casa, que não tinha mais jeito e que era melhor colocar o corpo da velha na mala do carro porque pagar translado de defunto devia ser caro pacas e sequer o décimo-terceiro eu tinha recebido.
- Não acredito que você colocou a dona Nêuma na mala?
- Coloquei, porra. Eu ia fazer o quê? Ligar pra polícia? Achei mais fácil trazer o corpo na mala e quando chegasse aqui eu dava um jeito. Esqueceu que o primo da Lêda é médico? Ele dá uns atestados sempre que alguém precisa. Ele não ia negar.
- Que merda, cara. Mas e o carro?
- Pois é. Roubaram na Avenida Brasil. Sabe ali onde fica o Bob´s?
- Sei.
- Foi ali. A gente estava chegando, mas o Daniel pediu pra eu parar porque ele precisava ir ao banheiro. Saímos todos do carro. Só a defunta ficou, claro.
- Não acredito.
- Quando voltamos não tinha mais carro, nem dona Nêuma, nem nada. Lêda quis me matar, Daniel danou a chorar e a Clarinha no colo, sem entender nada, tadinha.
- Cara, que louco isso. E agora?
- Não sei. Não posso nem acionar o seguro. Não paguei as últimas parcelas.
- Já se benzeu?
- Uma centena de vezes. Perdi a conta. Posso dormir aí? Lêda não quer que eu fique em casa.
- Vem, né? Já perdi o sono mesmo.

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