domingo, 4 de setembro de 2011

A parte invisível que me cabe

Chegou ao ponto de sufocar. O peito doía feito tivesse apanhado bastante. O nó na garganta, o choro contido, as mãos geladas e o outro sempre ali defronte a lhe perguntar o que há. Ele já sabia de praticamente tudo, mas o outro vivia lhe fazendo muitas perguntas. Uma curiosidade infinita. Um questionamento atrás do outro. Um verdadeiro inquérito. Chato. Tenso. Frio. No lugar das respostas, silêncio.

Ficou quase dois dias inteiros sem falar. Não saiu de casa, não atendeu interfone, desligou celular, tirou telefone do gancho. Ficou mudo. Nem um murmúrio, nem um ai, nada. Nem ele ouviu o som de sua voz. Esvaziou a mente, limpou a sujeira, sacodiu a poeira, deitou, tentou dormir, levantou, caiu. Levou junto o outro, que estava sempre ali a postos e parecia enlouquecer com tamanha indiferença. Ele havia conseguido erguer uma barreira entre os dois, como se não quisesse mais ver o outro na sua frente.

Não sou e nem quero ser invisível, dizia o outro. Dizia também que não precisava viver escondido, trancado a sete chaves, segredo de estado. Não era nenhum criminoso, fugitivo ou um ser esqueroso, portador de doença contagiosa. Nada disso. Ele existia, sim, e amava, sim, e sorria, sim, e cantava os versos da alegria, dia e noite e noite e dia. O outro também sofria, sentia na pele as feridas, tentava driblar as tantas dores da vida. Aquilo tudo o incomodava demais. E mais o silêncio. E mais a distância. Foi então que o outro, já quase louco, começou a se dar conta de que com ele estaria cada vez mais sozinho. Por mais que o outro precisasse dele.

E ele - que na verdade era o outro - para o outro - que na verdade era ele - para todos os efeitos não existia.







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