quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Quando a paz é uma farsa

Não é de hoje que eu estou com a sensação de que o Rio de Janeiro vive uma farsa. A chegada das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas comunidades cariocas aconteceu com o apoio maciço da mídia. A tal pacificação nos foi vendida como algo triunfal, uma grande vitória do Governo do Estado contra o crime organizado. A emblemática invasão dos policiais na Vila Cruzeiro, que culminou com imagem de uma bandeira com a palavra paz hasteada no alto do morro, em pleno caldeirão que é o Complexo do Alemão, em novembro do ano passado, ilustrou inúmeras reportagens e vídeos publicitários do nosso governo. Um verdadeiro marco. Não se falava em outra coisa na cidade e a repercussão alcançava esferas internacionais. Sede dos Jogos Olímpicos de 2016 e palco de jogos da Copa do Mundo de 2014, o Rio de Janeiro, mais do que nunca, se transformou na meca para qualquer marqueteiro de plantão. E como política infelizmente não vive sem um marqueteiro, a imagem positiva que o governo tanto queria estava, enfim, criada.



Muito embora eu tenha me decepcionado com o episódio envolvendo a corporação do Corpo de Bombeiros, ainda acredito na seriedade da grande maioria dos que servem e arriscam suas vidas no Batalhão de Operações Especiais, o temido Bope. Só nunca entendi muito bem como é que ao invadirem os morros quase nenhum bandido era preso. Um ou outro pé de chinelo e olhe lá. Eu sempre nutri a impressão de que o Bope só invadia as favelas depois de tudo acertado com a bandidagem local ou com o dono do morro, vai saber. O certo é que as UPPs foram se espalhando pelas mais diversas comunidades do Rio de Janeiro, as autoridades se vangloriavam, a sociedade parecia estar mais segura, e a mídia cumprindo seu papel de vender a história da pacificação. Mas e os bandidos, onde estavam? Evaporaram? Esta era pergunta que nunca me saía da cabeça. Até porque, ainda não esqueci a cena dos traficantes fugindo no alto da Vila Cruzeiro sem que nenhum deles fosse capturado. A sensação que eu tive ao ver aquela cena foi parecida com a de um coito interrompido. A gente estava quase lá.



Escrevo isso porque nos últimos dias os jornais têm noticiado a volta do tráfico ao Complexo do Alemão após denúncias de um conflito entre moradores da comunidade e militares da chamada Força de Pacificação. A madrugada da última terça-feira, dia 6 de setembro, foi violenta, com um intenso tiroteio na área, que levou de volta à região o clima de terror e insegurança que aparentemente era coisa do passado. Depois de mais uma noite de conflitos, o secretário de segurança reforçou o policiamento e nesta quarta-feira, feirado nacional, foi obrigado a admitir que os traficantes haviam voltado à comunidade. O governador até agora não se pronunciou. Vergonha? Mas isso é até compreensível, já que para os vaidosos não é nada fácil assumir que algo não deu certo. Ainda mais em se tratando de um tema tão delicado quanto esse. Daí o silêncio, pode apostar.



Foi em silêncio que eu voltei para a casa depois de ter dado plantão no jornal neste Sete de Setembro. Não quis ligar o rádio, não tirei o ipod na mochila, acendi um cigarro e voltei pensando que, além das marchas contra a corrupção, que vêm tentando reacender uma certa chama de esperança num Brasil, há a injustiça maior que é viver numa cidade entregue ao crime organizado. Tudo fruto da corrupção, da ambição desmedida, do descaso, da falta de seriedade dos nossos políticos. Morro de raiva em ver uma cidade linda feito o Rio de Janeiro, cantada em prosa e verso como maravilhosa, porta de entrada de um país tão rico e promissor feito o nosso, viver a mentira de uma pacificação. Isso para mim é inadmissível.



Já não é de hoje que chegam denúncias de confrontos entre policiais das UPPs e as comunidades. Há cerca de duas semanas um amigo meu, morador do Leme, relatou um ataque a uma viatura da PM numa das principais ruas do bairro. Não é de hoje, também, que no caminho do jornal até minha casa as cabines policiais ficam fechadas e vazias durante a madrugada e, não raro, vejo uma patrulhinha parada e também vazia em frente às tais cabines. Será que a PM está com medo? A sensação de abandono e insegurança é enorme. Daqui da minha janela volta e meia ouço tiros na direção de Vila Isabel, onde fica o Morro dos Macacos, outra comunidade que foi pacificada recentemente. Os bailes funks no Lins são precedidos por rajadas de metralhadoras, a venda de drogas continua no morro e no asfalto da zona sul à zona norte da cidade. Os assaltos também. Só quem é cego não vê.


Mas ouve, até porque, as balas traçantes nos céus do Alemão anunciam que o pesadelo ainda não terminou.

Um comentário:

  1. Caraca Marcio, vc falou exatamente o que penso. Quero ver como vai ser durante a Copa, as Olimpíadas. O desgoverno do Rio é uma vergonha para os cariocas!

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