sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Histórias do apocalipse


Nada neste mundo me deixa mais estressado do que rotina. Detesto ter de fazer sempre as mesmas coisas, ir sempre aos mesmos lugares, ver sempre as mesmas pessoas. Sempre fui assim. Desde pequeno. Na infância, lembro que meu pai sempre perguntava a mim e ao meu irmão onde nós queríamos ir passear. Uma vez eu escolhia e da outra vez, meu irmão. Civilizadamente.


Ou seria rotineiramente?


Cinemas, feira de selos (que colecionávamos), o clube numa Barra da Tijuca ainda antes da invasão dos emergentes e o saudoso Tívoli Parque, na Lagoa, eram algumas das minhas opções. Já meu irmão, não pensava duas vezes antes de responder:

- Zoológico!

Devo ter ido umas 287 vezes ao zoológico do Rio antes mesmo de completar dez anos de idade. Se você fizer as contas, dá uma média de 28,7 visitas por ano aos leões, macacos, girafas, zebras, pavões. Se eu tivesse guardado todos os tíquetes de entrada, poderia estar no Guiness, o livro dos recordes, com toda a certeza.


Para se ter uma ideia, de tanto ler as mesmas plaquinhas em frente às jaulas, eu sabia - e acho que ainda sei - de cor e salteado quais eram as preferências alimentares de cada animal, quanto cada um pesava, quais eram os seus países de origem.

Só nunca consegui saber uma coisa:

- Como meu irmão não enjoava de fazer sempre o mesmo passeio?

Esta minha aversão à rotina talvez possa explicar a minha trajetória profissional. Já corri o mundo quando se trata de trabalho na área de comunicação social. De produtora à agência de publicidade, passando por assessorias de imprensa e roteiros para institucionais e curtas-metragens, já fiz de tudo e um pouco mais.


Vai ver a escolha por jornalismo já trazia, inconscientemente, a certeza de ter uma profissão onde eu não fosse obrigado a fazer sempre as mesmas coisas e que me abrisse um leque de opções. Aliado ao prazer de escrever, eu teria um mundo de gente interessante para conhecer e uma infinidade de histórias para contar. E o que é melhor: usando das mais variadas linguagens.

Hoje, prestes a completar 42 anos e ganhar um neto, me vejo dentro da redação de um dos maiores jornais do país com a mesma garra dos jovens com seus vinte e poucos e em início de carreira. São jovens tão cheios de certezas e planos e eu ali, entre eles, com um único plano - o de aprender mais - e tão poucas certezas. Apenas com a leve desconfiança de que vida não carrega em si nenhuma verdade absoluta.

A vida, isso sim, é cheia de surpresas. Boas e ruins.

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Quarta-feira, 12 de janeiro. Saio da cama, leio o jornal e vou passear com o cachorro, o que já virou rotina, diga-se de passagem. O clima está abafado. Céu nublado e muitas nuvens carregadas. Choveu durante a madrugada. Começam a chegar as notícias de que um temporal havia feito estragos em Teresópolis e Nova Friburgo, cidades da região serrana do Rio de Janeiro. O que não se poderia imaginar é que os estragos, na verdade, se tratavam de uma enorme tragédia, com um número assustador de mortes e cenas que vão demorar um bom tempo para saírem de nossa memória.

Chego no jornal meia hora mais cedo, ávido por saber exatamente o que estava acontecendo. Se imaginávamos que teríamos uma semana tranquila, onde apenas uma reunião ministerial ou a chegada de Ronaldinho Gaúcho ao tal clube da Gávea pudessem valer de manchete, a tromba dágua que destruiu boa parte daquelas cidades e arrastou centenas ou talvez milhares de pessoas, ganhou, de longe, a disputa pelas primeiras páginas e a atenção de todos. E com ela, mais um mutirão de repórteres naquela redação dispostos a levar ao leitor a melhor informação, a melhor cobertura, as melhores histórias. O número de mortos não parava de aumentar e todos, de todas as editorias, solidários com a dor e a tragédia daqueles que presenciaram cenas de um verdadeiro apocalipse.

- Definitivamente, não há rotina dentro de uma redação - eu concluía, triste, com tudo aquilo que estava vendo e ouvindo.

Entre imagens impressionantes de barrancos desabando sobre bairros inteiros e resgates dignos de filmes-catástrofes, analistas e autoridades começavam a dominar os noticiários com suas afirmações, certezas e declarações pontuadas pelo que há de mais hipócrita e , por que não?, demagogo que possa existir.

- Afinal, sempre temos enchentes, senhor governador.

- Não há novidade alguma nisso, senhor prefeito.

- São histórias que se repetem ano após ano, presidente.

Histórias que mesmo aqueles que não gostam de rotina, feito eu, não sentem o menor prazer em contar.

Um comentário:

  1. Tenho uma ótima proposta pra vc sair da rotina. Venha pra Cabo Frio!! Traga sua família. Fique na minha casa. Vamos à praia, tomar chopp no calçadão, levar os meninos pra andar de skate na pracinha. Faça isso enquanto seu neto não nasce. Aí a rotina vai ser comprar fraldas e levar o baby pra tomar sol de manhã na pracinha. Bjs.
    Em tempo: voltei a blogar.

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