quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O que há de mais bonito


Existem pessoas que são especiais. Meu filho mais velho, por exemplo. Chegou cedo. Muito cedo. Eu e a mãe dele éramos ainda muito jovens. Ela, adolescente. Eu, não muito diferente. Dois irresponsáveis, muitos sonhos e um ser lindo em nossos braços.

Lembro perfeitamente do dia em que ele nasceu. Um sábado. Sexta-feira era o prazo limite dado pela médica para que esperássemos pelo parto normal. Dentro daquela barriga enorme ele quase já não tinha espaço para se mexer. Se aguardássemos mais, talvez pudéssemos fazer com que ele entrasse em sofrimento. Pelo menos esta era a versão da médica. Diante da pressão, a cesariana foi marcada para o dia seguinte. Não dava mais para esperar.

Dia 21 de abril de 1990. 10h da manhã. O dia amanheceu iluminado naquele sábado. Na minha memória, o cenário é de céu azul com direito a todas as demais cores de um outono que jamais se perderá de mim. Demos entrada no hospital Lar Fabiano de Cristo, no Engenho Novo. No quarto, os preparativos e procedimentos necessários para uma cirurgia comum. Jejum. Assepsia total. Enfermeiras entrando e saindo todo o tempo. Ansiedade. Tensão. E todos os demais sentimentos que antecedem o nascimento de uma criança.

16h. A obstetra nos avisa que está tudo certo, que a cesariana está devidamente marcada e que ela iria em casa tomar um banho e voltar renovada para trazer nosso filho ao mundo. A mãe, deitada de lado, sustentando o peso da barriga na cama daquele hospital e o pai, desconfortavelmente instalado num daqueles sofás-camas que acabam com a coluna de qualquer acompanhante.

16h30. A mãe levanta. Precisa fazer xixi. Com aquele andar de pato que é característico das mulheres prestes a parir, lá foi ela. O pai, mezzo sentado, mezzo esparramado no tal sofá-cama, pergunta se está tudo bem . Um breve aceno de cabeça e a resposta é positiva. Um. Dois. Três. Quatro. Cinco... de repente um grito irrompe do banheiro.

- A bolsa estourou!

Numa velocidade digna de ter sido estudada pelo mais conceituado detentor de um prêmio Nobel de Física, corro com ela para debaixo do chuveiro, chamo a enfermeira, ligo para a médica, procuro manter a calma, está tudo bem, todos vão chegar a tempo. Começam as contrações. Respira. Conta até dez. Relaxa. Alivia. O intervalo entre uma contração e outra vai diminuindo.

- Dói!, ela reclama.

19h30. Quase três horas depois. O quarto está lotado de gente. Médica, pediatra, anestesista, assistente, pai, mãe, sogro, sogra, irmão, cunhada, cunhado, tias. Respira. Conta até dez. Relaxa. Alivia? Impossível com mais de oito de dilatação. Quase uma festa e aquele menino já coroando e outra cena que nunca mais vou esquecer: momentos antes da mãe ser levada para o centro cirúrgico já dava para ver perfeitamente a cabeça cabeluda do bebê apontando para fora. Ele estava mesmo chegando.

Eu não quis, não fui incentivado e hoje acho que não estava realmente preparado para assistir ao parto do meu filho mais velho. Lembro bem que fiquei no hall próximo ao centro cirúrgico escutando os gritos que vinham lá de dentro. Verdade que foram poucos os gritos. Para quem conhece a mãe, pode parecer que eu estou mentindo, mas não houve escândalo. Juro. O escândalo quem fez fui eu, ao ouvir o primeiro choro do meu filho que acabava de nascer, às 20h43.

-Quero ver meu filho!, gritei, num tom de voz visceral e desesperador que só quem me conhece de verdade sabe que eu sou capaz de gritar.

Como num passe de mágica surge a médica assistente com meu filho nos braços e ainda envolvido naquele misto de gordura e sangue. O olho esquerdo, se não me engano, fechado. O direito tentando exergar que lugar era aquele. Todo enrugado. Frágil e forte ao mesmo tempo. Lágrimas. Todas de felicidade. Deu tudo certo. Abraços. A mãe está ótima. Ele é perfeito.

- Tem todos os dedos, eu pensava comigo mesmo, enquanto agradecia a Deus aquele momento único.

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Meu primeiro casamento acabou exatamente um ano e uma semana depois daquela noite. Mas o amor incondicional de pai e filho e toda uma história de amizade e respeito foi traçada desde então. Nunca deixei de me fazer presente e vivi todas as dores e as delícias de ser pai solteiro. Tivemos nossos problemas, claro. Não é nada fácil criar um filho. Mas foram poucas as vezes em que precisei ser rígido ou usar de palavras ásperas. Sempre tive a impressão de que meu filho número um me conhecia no olhar e vice-versa. Pode ser simples ilusão de pai. Pode ser. Mas guardo em meu peito as melhores impressões da paternidade. Por sorte tive o prazer de ter mais dois filhos e confirmar que tudo aquilo é realmente verdade.

Hoje, passados mais de vinte anos daquele dia 21 de abril de 1990, estou vendo uma história se repetir. E é engraçado e surpreendente como elas realmente se repetem. No mesmo mês, com a mesma idade que eu tinha, desta vez recebo o roteiro e fico sabendo que o personagem de pai não caberá a mim, mas a meu filho. Fiquei com o papel de avô. Confesso que custei a assimilar a ideia de ter um neto aos 42 anos, mesmo com os cabelos do peito teimando em nascer brancos e a barba cada vez mais grisalha. Coincidentemente - ou não - leio num site que a vida é um eterno ir e vir das mesmas histórias. Só que com diferentes protagonistas: o pai, o filho, o neto e o que há de mais bonito.


* Este post é especialmente para meu filho número um. Aquele que desde muito cedo - mesmo antes de nascer - teve o dom de despertar em mim o que há de mais bonito.

6 comentários:

  1. Ai, Márcio, isso lá é post que se escreva sem um aviso antes??? Tô com trabalho atrasado, vim numa pausa ver meu Google Reader e não tô podendo me acabar de chorar. Que lindo post, pqp!!
    Meu primeiro sobrinho nasceu quando eu tinha 23 anos. Minha irmã, 21, o cunhado, 19, não tínhamos mãe perto e não sabíamos o que estávamos fazendo. Se já foi maravilhoso e já mudou a minha vida sendo tia, só imagino o que vc deve ter sentindo. Sim, meu sobrinho também despertou em mim o que há de mais bonito e até hoje eu me identifico com ele só pelo olhar, que nem você com o seu filho.
    Ser avô cedo deve ser estranho, mas acho que você tem uma cabeça ótima para conseguir viver isso da melhor maneira.
    Parabéns!

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  2. Márcio, sua história de vida é linda. Aos poucos vou descobrindo o que há de melhor nos meus agregados.
    Vcs chegaram, e sem pedir licença, foram tomando conta daquele apê que tem muitas histórias pra contar. Eu e Arcésio éramos simples espectadores da "turma da Fernanda".
    Graça a Deus muitos ficaram e já fazem parte da família Villela.
    Estão presentes nos momentos de alegria e de tristeza ( e como fizeram ).Que Papai de Céu te proteja sempre vovô.

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  3. Vinícius foi pro Rio hj com a Luísa que veio passar o feriado aqui. Foi pra dar continuidade no tratamento dentário que vai durar muito tempo. Só de ficar sem ele essa semana me dói o coração. A saudade é intensa. Chego a ficar de mal humor. O número um a gente nunca esquece. Sei do que vc tá falando. Bjs e te amo muito vovô. Fê.

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  4. Passei pela mesma situação há 26 anos. Com apenas 20 anos fui mãe da mais bela filha que poderia desejar. Hj, aos quase 47, ainda não existe previsão da história se repetir com Luísa, mas se lembrarmos que Fabiana, minha irmã, é apenas 2 anos mais velha e já tem 4 filhos, que engravidou aos 18 e foi mão da primeira vez aos 19... é a história sempre se repete. Que seu neto traga a esperança de dias melhores, de um mundo melhor, porque se Deus ainda permite que venham ao mundo novos seres é porque acredita na humanidade!
    Parabéns vovô!

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