sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O cavalheirismo acabou


Meu filho número dois dia desses virou para mim e disse com todas as letras que o cavalheirismo havia acabado. Eu fiquei surpreso com aquela frase dita por um menino de apenas nove anos. Tudo porque minutos antes, ao entrar no carro, ele, mais o meu filho número três, de sete anos, e mais a Vitória, a amiga que também tem nove, quase saíram no tapa porque todos queriam viajar ao lado da janela.

- Deixem a Vitória ir na janela hoje. Sejam cavalheiros - eu disse, tentando resolver a crise dos pequenos.

- Papai, o cavalheirismo acabou.

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Não faz muito tempo e minha mulher reclamou que eu nunca abro a porta do carro para ela entrar e nem a espero sair do elevador. Não sei se pelo fato de sempre termos sido amigos muito antes de namorarmos e entre nós nunca ter havido muita cerimônia, o certo é que não sou mesmo aquilo que se pode chamar de cavalheiro.

Sou meio desligado, só isso.

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Eu demorei alguns segundos para processar a informação que eu acabara de receber do meu filho. Quando eu poderia imaginar que um menino de apenas nove anos de idade pudesse ser tão claro, direto e objetivo ao decretar o fim de uma regra tão básica de educação e bons modos?

Ele ainda completou seu raciocínio dizendo que as mulheres hoje em dia são que nem os homens. Que elas trabalham, ganham dinheiro e não sabem fazer comida.

- Que nem a mamãe, ele disse.

Vitória, a única representante do sexo feminino naquele carro, concordava com tudo e ainda tinha lá seus argumentos, o que me fez ter a certeza de que aquela geração era mesmo diferente. O que cada uma daquelas crianças dizia tinha fundamento. Não eram frases soltas, como se repetissem o que ouviram há pouco. Não. As ideias se complementavam independentemente do sexo e era como se não houvesse mesmo diferença alguma entre meninos e meninas. Eu não tive outra opção a não ser em concordar com o fim do cavalheirismo.

Não sem antes fazer com que eles prometessem que nunca vão deixar a gentileza acabar.


- A gentileza é o cavalheirismo que não depende de gênero feminino ou masculino, eu pensei naquele exato instante.

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Se as mulheres há muito que vêm ocupando um espaço que até então era dos homens, os homens, por sua vez, já começaram a invadir o terreno das mulheres. Tenho cá minhas desconfianças de que seja mais por institinto de sobrevivência - da espécie, do casal e do relacionamento - do que propriamente por vontade própria que boa parte dos homens vai para a cozinha lavar a louça do jantar, por exemplo. Hoje, o tão discutido sexo frágil só dá sinais de fragilidade quando lhe convém ou quando precisa encarar um vidro de palmitos ou de azeitonas.

- Não tenho força, elas dizem.

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Minha mãe sempre teve uma postura que me parecia submissa. Era dona de casa, sabia cozinhar, fazia bolos que deixavam a vizinhança com água na boca e acreditava em tudo o que meu pai dizia. Hoje ela não faz mais bolos, quase não cozinha e a casa, boa parte da semana fica a cargo do meu pai, em quem ela ainda acredita em tudo o que fala.

Tenho minhas desconfianças de que o jeito manso da minha mãe talvez fosse só um disfarce.

Na verdade, acho que minha mãe é forte pra caramba.

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Meu pai tem cara de poucos amigos, daqueles que gostam de alimentar fama de durão. É macho alfa, autoritário e muitas vezes tentou fazer da nossa casa uma extensão dos quartéis que comandava com seus banhos frios, horários e regras.

- Não pense que está falando com seus soldados, respondia, de igual para igual, a minha mãe.

Volta e meia me pego pensando que este lado coronel do meu pai é só um disfarce para sua enorme fragilidade. O coronel, no fundo, no fundo, é frágil.

Já o vi - e o fiz - chorar algumas vezes.

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"Homem não chora!" era o que dizia a minha avó quando eu porventura me machucava.

Homem não chorava, isso sim. Assim como não lavava louça, não passava roupa, não arrumava a casa, não botava as crianças para dormir, não cuidava do almoço... ah, vó, o mundo está mesmo muito mudado!

Hoje as mulheres disputam o mercado de trabalho de igual para igual com os homens. São nossas chefes, governam nosso país, fumam, votam, usam calças, saem para beber sozinhas, compram camisinhas, pagam a conta, dão em cima, dizem não, discordam, concordam, amam, odeiam.

Hoje é todo mundo igual, vó. A geração dos seus bisnetos sabe muito bem disso e, entre outras coisas, já deu por encerrado o cavalheirismo.

- Só não deixem a gentileza acabar, eu imploro.

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