sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Uma mulher, muitas histórias e 3 rins


Conheci Tônia numa festa no Lapa Café, a mesma festa que já citei aqui dois ou três posts atrás. Estávamos sentados na mesma mesa sem saber o que pedir para comer, mas certos de que estávamos com fome. No cardápio um tal sanduíche de pizza margueritta que nada mais era do que um pão árabe recheado de muçarela (novas regras, não estranhem), tomates e manjericão. Ela gostou da ideia e embarcou no mesmo pedido que eu. Foi o bastante para iniciarmos um bate-papo descompromissado e carregado no bom humor, por vezes negro, mas sempre bom humor.

O calor estava no auge naquela noite e enquanto minha cerveja preta não chegava ela me contou que aos 18 anos resolveu morar no Senegal. Ficou por lá 3 anos suportando o calor e vivendo as mais exóticas experiências. O calor por lá era tanto _ no Senegal _ que era comum dormirem no chão enrolados em panos molhados. Loucura! Se bem que meu cachorro, o Bem, andou dormindo assim semana passada, eu disse a ela. Até porque, o calor aqui andou mesmo senegalês.

Da África ela rumou para a Suécia, onde conheceu o Gabeira, que até então era apenas o Fernando. Teve um rolo com ele e ficaram amigos até hoje. Fernando, o nosso Gabeira, a ensinou a fazer café e ela o ensinou a fazer arroz integral e a ter uma alimentação mais saudável. O rolo foi apenas um rolo mesmo e não durou muito. Era 1978 ou 1979, ela não soube bem precisar, mas foi na época da Abertura, quando Gabeira, o Fernando, pode voltar ao Brasil e ela rumou para Paris, até porque ela não era asilada política e queria mais era curtir a Europa. Sempre gastando cerca de 10 dólares por dia, ela me disse. Na França ela ficou por mais 1 ano e 8 meses trabalhando com o que aparecesse pela frente. Só não vendi drogas e nem o meu corpinho, de resto fiz de tudo um pouco, afirmou.


Nossos sanduíches chegaram. Frios, diga-se de passagem. A Cerpa que ela havia pedido já estava no fim e ela pediu outra à graçonete. Eu perguntei se a garçonete havia esquecido da minha cerveja preta. Ela me respondeu com um sorriso amarelo e disse que estava indo buscar naquele instante. Tudo bem, nem estava quente e minha sede pouco importava. O papo estava interessante e, na boa, eu nem sou tão fã de cerveja assim. Se a cerveja não aparecesse na mesa dali a instantes eu ia pedir uma soda mesmo, já que o que eu queria era matar a sede. E só.

Tônia voltou ao Brasil no início dos anos 80. Todas aquelas datas me deixaram intrigado com uma coisa: que idade aquela mulher teria? Se na década de 70, quando eu era apenas uma criança, ela ensinou ao Gabeira, então Fernando, a fazer arroz integral, já tinha morado 3 anos no Senegal, depois Suécia, França, isso sem falar em Nova Iorque, onde viveu um tempo antes de ir para a África, que idade aquela mulher teria agora, meu Deus? Fiquei com aquilo na cabeça até que não me contive:

_ Estou intrigado. Que idade você tem?
_ 53, ela respondeu sem a menor cerimônia.

Eu fiquei com cara de paisagem, pois aquela mulher aparentava no máximo uns 40 anos, mas com todas aquelas histórias que ela disse ter vivido ela não poderia mesmo ter a idade que eu estava imaginando. Ela continou dizendo que nunca teve problemas em revelar a idade e que achava a maior frescura das mulheres quando fingem ou escondem a idade que têm. Tônia era daquelas que realmente tinham seus 53 anos bem vividos, com muitas histórias, experiências fantásticas. É produtora. Tinha acabo de produzir o Fashion Rocks e já estava iniciando, mais uma vez, a produção do Vivo Open Air, evento que reúne gente bacana e cinema ao ar livre no Jóquei do Rio de Janeiro. Fez também o Survivor, programa estilo No Limite, gravado na Amazônia há uns anos. Foi lá que conheceu o Rodrigo, meu amigo, e por conta disso acabamos nos conhecendo naquela noite quente em plena Lapa.

Passado algum tempo, depois de eu ter desistido da cerveja preta, ter bebido minha soda e me conformado com uns copos de Cerpa e atento a outras tantas histórias, ela abriu a bolsa e puxou uma caixinha, daquelas de guardar comprimidos. Tirou 3, dos grandes, e engoliu a seco. Mais uma vez minha curiosidade falou mais alto e perguntei o por quê de tanto remédio. Foi aí então que ela me contou uma das histórias mais bacanas que eu já ouvi até hoje. Começou dizendo que as mulheres da suas família morrem cedo. Sua mãe morreu aos 66 e ela achava que não duraria muito mais também não. O pai, se estivesse ali naquele bar com a gente, eu não diria que já tem mais de 70. Mas ela havia puxado à mãe e sua saúde era frágil.

Há cerca de 3 anos fez um transplante renal. Estava na fila fazia anos e na iminência de ter de encarar hemodiálise, o que para ela seria o mesmo que a morte. Exames e mais exames entre os parentes e nada. Nenhum deles era compatível para doação. Pra não deixar a depressão tomar conta, pegou uma grana que tinha de reserva e rumou para Paris. Ficou por lá mais dois meses antes de voltar ao Brasil para começar as sessões de hemodiálise. Desembarcou por aqui dias antes do seu aniversário de 50 anos. Os amigos resolveram fazer uma festa surpresa e no meio desta festa uma amiga vira-se para ela e diz: "o meu rim é teu". Ela pensou se tratar de papo de bêbado e não deu muita atenção ao que amiga dissera até que no dia seguinte a tal amiga telefonou e confirmou o que havia dito na noite anterior. Ela ia ganhar um rim.

Com toda a urgência necessária para um transplante, as duas correram aos exames. Em poucos dias o resultado: tudo certo, era compatível. O rim saudável da amiga era o melhor presente que ela poderia ganhar nesta vida. A operação foi um verdadeiro sucesso e hoje ela vive com 3 rins. Os dois originais de fábrica não servem pra nada, mas estão lá guardadinhos. Já o que ela ganhou de presente, filtra tudo direitinho e permite que ela seja essa mulher espontânea que eu conheci numa noite quente num bar da Lapa e que continua a contar suas histórias por aí. Antes de nos despedirmos ela me confidenciou que seu sonho é montar uma banca de mixirica, nossa famosa tangerina, na beira de uma estrada qualquer, já que para todo profissional liberal a aposentadoria não passa de um sonho. Afinal, ela já estava cansada desta vida de produzir isso ou aquilo e já estava ficando velha. Disse a ela que assim que eu ganhar na mega sena compro não apenas uma banquinha, mas um hortifruti pra ela tomar conta e viver feliz para sempre. Porque ela merece.

3 comentários:

  1. Nunca me entedio ao ler seus posts... Que mulher interessante e admirável!!! Olha, joguei meus nºszinhos na Megasena e saiba que se ganhar, com certeza, irei procurá-lo para conhecer essa Tônia ;) Que ela tenha sempre muita saúde, aliás todos nós, né. Afinal com o calor que tem feito haja banho e saúde!!!! Beijos amado, bom findi!

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  2. Vem cá, sua mulher sabe disso? Fica de papinho com mulheres com cara de 40 anos na Lapa, tu abre o olho heim.

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  3. Amigo do coraçaõ

    Estou encantada com teu blog...
    Faz mais de hora que me delicio com teus escrevinhados...
    Vais cansar de me sentir por aqui...

    Amei...

    Bjs.

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