segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Gaiola das Popozudas e outras preciosidades


Há quase dois anos eu estava em pleno processo de seleção para trabalhar no Sistema Globo de Rádio. A vaga era para produção de eventos e meu perfil parecia o ideal, de acordo com a pessoa que me indicou, e também, de acordo com as pessoas que me entrevistaram. Até porque, entre tantos outros candidatos, fui aprovado para a vaga e no primeiro dia últil de 2008 lá estava eu, na porta da Rádio, antes do horário combinado, ansioso para começar a trabalhar. Encontrei logo com aquela que seria minha chefe, que me pareceu gente boa, apesar da cara de poucos amigos. Alguma coisa fez com me identificasse com ela. Acho que o jeito fechadão, sério, meio frio até, o que pra mim era sinônimo de uma enorme timidez.
O certo é que ali começava meu martírio. Quem me conhece sabe que eu detesto funk, pagode, sertanejo ou qualquer outra coisa do gênero. Não que eu seja elitista, muito pelo contrário. Pelo menos eu não me vejo desta forma. Acho que eu sou pop pra caramba e minha juventude teve como trilha sonora Lulu Santos, Lobão, Metrô, Rádio Táxi, Kid Abelha, Léo Jaime, além dos clássicos da boa e velha MPB, claro. Tinha também Pink Floyd, Jimmy Hendrix, Janis Joplin, The Smiths, REM, The Cure e, mais recentemente, Radiohead, Coldplay, Beirut, Fleet Foxes, Céu, Maria Gadu... mas Belo, Suíngue Simpatia, Só Pra Contrariar, isso nunca! Então, cair dentro de uma rádio popular, foi o mesmo que mergulhar num abismo, num poço sem fundo, onde por mais que eu me esforçasse não conseguia fazer com que aquele tipo de música e de estilo de vida se adequasse ao que eu considerava normal ou aceitável. Na verdade eu nunca entendi e não entendo até hoje como uma rádio, com tamanha audiência, se prestava àquele papel. No meu entender aquilo tudo, aquela estética e aquele modo de pensar o gosto popular era muito rasteiro e um enorme desrespeito com o que é cultura popular de verdade. Ou será que é certo um meio de comunicação tão poderoso como uma rádio nivelar tão baixo assim e subestimar o povo e o que é considerado do povo?
Naquele meu primeiro dia de trabalho fui levado para fazer um tour nas casas de shows que eram parceiras dos programas da rádio, a antiga 98 FM. Era Verônica Costa, a Mãe Loura do Funk pra cá, um tal de Denis DJ, que eu nunca tinha ouvido falar, pra lá, entre outras preciosidades. Naquela noite, numa espécie de batismo, fui parar numa casa de shows no comecinho da Via Dutra, em São João de Meriti, onde a cerveja custava R$ 1,00 e o som que ali tocava não valia nem um centavo. Minha função era ver se as promotoras rebolavam direitinho em cima do palco e se jogavam os brindes na hora certa. Naquele instante eu comecei a achar que a rádio não apenas subestimava a inteligência do povo, mas a minha também.
Um pouco antes do carnaval eu comecei a promover um pagode embaixo do viaduto de Pilares, bairro onde meus pais nasceram, se conheceram, namoraram e viveram até eu completar um ano de idade. Toda sexta-feira, por volta das 22h lá ia eu revisitar minhas origens mas, confesso, era difícil me reconhecer por lá. Fácil era reconhecer a malandragem que ronda a noite carioca e mais uma vez eu me perguntava o que uma rádio daquele porte fazia ali.
Veio carnaval e eu fui escolhido para tomar conta do Terreirão do Samba, em plena Praça Onze. Todas as ações da rádio naquele local eram de minha inteira responsabilidade, desde a colocação do material de merchandising à distribuição dos brindes e tudo mais o que envolvesse promoção. Confesso que no começo fiquei assustado. Era muita gente e muito calor todos os dias. Mas foi animado, pois apesar de eu não gostar nem um pouco do conteúdo do que a rádio tocava nem de nenhum show daqueles que passaram por aquele palco no Terreirão, o pessoal que trabalhava comigo, a equipe da rádio, era muito bacana. Estávamos todos no mesmo barco e talvez por isso mesmo o espírito de união e de amizade prevalescesse sobre todas as outras coisas. Pelo menos no meu entender. E justamente por este motivo aquele carnaval vai ficar para sempre gravado na minha memória.
Depois do carnaval, enfim um trabalho bacana: transmissão ao vivo, via Internet, do programa do Sidney Rezende, direto da Casa de Cultura Laura Alvim, em homenagem ao aniversário da cidade. Convidados como Moacyr Luz, Jaqueline do vôlei, Sérgio Besserman, Perfeito Fortuna, entre outros, além da dinâmica da equipe de jornalismo do Sistema Globo de Rádio, me estimularam a encarar todo aquele trabalho e o desafio de transmitir pela primeira vez um programa de rádio via web tal e qual um talk show, com direito à imagens no site da Rádio CBN. Um marco. Pelo menos pra mim.
Terminado o evento, volto eu pra minha vidinha de pagodes e bailes funks. O último e derradeiro pagode embaixo do viaduto foi com apresentação do cantor Belo. O cara ainda estava cumprindo pena (olha o nível aí) e antes mesmo do show começar fui procurado por uma oficial de justiça que queria proibir o show por conta de uma dívida do artista. Não pensei duas vezes e enrolei a oficial enquanto pude e liguei para o coordenador da rádio. O cara mandou que eu não desse atenção à autoridade e que não deixasse aquilo atrapalhar nada, pois aquele show seria muito lucrativo para a rádio. Bastou ela me dar ordem de prisão para eu liberar tudo, inclusive onde ficava o controle financeiro do evento. Porra, imagina eu ser preso num pagode debaixo de um viaduto por conta de um show de um cantor que eu detesto promovido por uma rádio que confundia o popular com o baixo nível? Em menos de uma hora o coordenador da rádio chegava ao local do evento. Eu estava lá acompanhado da minha cara de poucos amigos. A não ser pela tal da Gracianne, não vi a menor graça naquele show. Minha reputação junto à diretoria do SGR se já não era boa, depois do Belo ficou pior. Pra completar, na semana seguinte era a vez de um baile funk com dezenas de convidados do tipo "Gaiola das Popozudas" e "Tati e as Gulosas" numa casa de shows lá pra dentro de São Gonçalo. Era muita gente, muitos ânimos alterados, muito dinheiro rolando e bem no finalzinho, depois de fechado o borderô e o resultado de quanto tinha dado em dinheiro, estancou uma porrada no palco. Eu, que não tinha nada a ver com aquilo, já estava no meu carro, pronto pra ir embora. Foi meu último evento na rádio. Na semana seguinte eu fui demitido.
Hoje, quando ouço som invasivo dos bailes funk nos morros cariocas e fico sabendo que o funk, com todas aquelas letras educativas, foi considerado patrimônio popular, cada vez mais eu penso no por quê de uma rádio como aquela existir. Qual a função de uma rádio? O lucro fácil manipulado pelo que ela considera gosto popular? Ou informar, educar e investir no que de melhor há em termos de cultura? Prometo continuar pensando nisso.

8 comentários:

  1. ñ consigo te imaginar num baile funk...kkkkkkk
    bem q naquela micareta no riocentro, vc se divertiu,aposto!
    cara eu sei como é isso,moro aonde o funk é quem manda,eu já ñ aguento, imagino vc.bom texto márcio,ri pacas.zé(cinegrafista)

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  2. eu com certeza teria aproveitado a oportunidade como experiência de vida ao invés de ficar tão resignado. Imagino quantas histórias boas para roteiros sairiam dali...

    Quanto ao funk e suas letras "educativas" temos que lembrar que os primeiros sambas tinham letras simples, ingênuas e bobas. Talvez se tivesse sido inventado hoje, estaria repleto de palavrões e baixarias. O rap era pífio quando surgiu e hoje é um gênero musical respeitado e com artistas bastante criativos. Acho que o funk é muito jovem para ser julgado. Acredito que um dia ouviremos funk de qualidade. mas, realmente hoje em dia não dá mesmo para escutar.
    Ah, e você é elitista pra caceta!

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  3. Marcio, meu xará chei de marra, eu não fiquei RESIGNADOo mas, sim, INDIGNADO!!! E realmente tive muito boas ideias para fazer alguns documentários a partir daquilo que vivi naqueles meses de bailes e pagodes. Inclusive tenho amigos da rádio que topariam participar. Bora sentar um dia e conversar pra ver se eu e vc fazemos alguma coisa juntos que não seja apenas campanhas políticas?
    E elitista é o meu cacete, isso sim! Hehehehe!

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  4. Marcio, tbm fiquei na dúvida se vc não foi, é ou está sendo elitista no seu texto...não gostar de alguns gêneros musicais faz parte, mas declarar NUNCA a alguns artistas me trouxe a sensação de má qualidade...será que foi isso, q vc quiz dizer? Gosto tem pra tudo e rádio popular é assim mesmo, tanto que vc esteve numa e viu como funcionam as coisas, mas tbm não entendi tanto espanto, será que vc ficaria de saco cheio se tivesse trabalhado numa Souza Cruz nos tempos em que a indústria tinha "glamour", será que vc estaria puto no depto de mkt da Coca-Cola, que bem à saúde tbm não faz, e produz aquele monte de pets que, até a geração dos seus bisnetos muita coisa pra frente, vai poluir o mundo??? Criticar o sistema faz parte...agora lucro manipulado se vc continuar pensando, não vai faltar texto, esse tema é bombação!!! e deixa o funk em paz, meu amigo!!! hehehe
    Bjs

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  5. Neusa, minha amiga anônima, eu não QUIZ dizer nada disso, apenas QUIS expressar minha opinião em relação a um meio de comunicação de massa feito as rádios se prestarem ao papel de conivência com certos métodos estabelecidos em prol da má educação do nosso povo. Só isso. No mais, eu até acho que o funk pode ter o seu valor, assim como o pagode. Apenas não sou consumidor destes gêneros musicais. Pelo menos por enquanto... até porque, a língua é o chicote do rabo!

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  6. Márcio, eu ia adorar ver na televisão você sendo preso. Rsrsrs. Pô nem tomou tapa nem nada já saiu cagüetando?

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  7. Eu fiz a capa do último cd do belo. Na reunião de briefing com o produtor e o empresário (o Belo faltou..), eu fiz várias perguntas e uma delas era se o belo tinha problema/implicância com alguma cor (vide roberto carlos). De pronto o produtor me responde: "com cor ele não tem problema não, só com a justiça"

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  8. ... Quando entrei no teu blog... pensei que colheria receitas para algum manjar diferente para as festas... risos...
    De fato... mil e uma receita de viver... muito jogo de cintura...
    Adorei tua maneira fácil de comunicar... juntar letrinhas...
    voltarei sempre...

    Bjs.

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