Então você acorda e há um mundo diferente lá fora. Sim, é só mais
um domingo, são as mesmas nuvens de algodão, o mesmo céu de anil, o mesmo gosto
do café amargo e toda a falta que eu sinto de algumas partes de mim. O silêncio
daquelas manhãs de domingo sempre me intrigaram. Para mim, tão afeito ao
barulho e à velocidade do dia-a-dia rotineiro, era como se nelas, naquelas
manhãs, o mundo descansasse e cedesse lugar à preguiça. A tal da pausa, tantas
vezes necessária, até recomeçar.
Lembro bem de uma tia que sempre me dizia:
"Levantar da cama aos domingos não é difícil. Difícil é recomeçar."
Eu era criança quando ouvia tal frase e, confesso, custei a entender o que ela
queria dizer com aquilo. Houve uma época em que eu achava que era um recado
velado, como se ela implicasse com a minha preguiça, tão mais sem vergonha nas
manhãs de domingo. Só mais tarde, anos depois da minha tia ter morrido, foi que
entendi o que poderia estar implícito naquilo que ela tanto dizia. Não é mesmo
nada fácil recomeçar.
Eu queria levantar da cama aos domingos
com superpoderes e, enfim, enxergar a vida com óculos cor-de-rosa. Queria poder
prender cada sem-vergonha que se acha no direito de roubar o que é do outro, de
cercear a liberdade de quem quer que seja, de surrupiar na maior cara-de-pau e
de me dizer o que é certo, o que é errado ou o que pode e o que não pode.
Queria, também, exterminar com as raças de alguns políticos que estampam
as manchetes dos jornais e que estão há séculos no comando, acumulando e
exercitando o egoísmo desacerbado, enquanto esquecem que é preciso
compartilhar, dividir, multiplicar, socializar e respeitar a vida daquele que
pisa neste solo com as mesmas necessidades que ele. Poque ele, assim como eu ou
você, é um qualquer um.
Queria levantar da cama, correr na varanda
e gritar para o meu vizinho que desce a rua que somos todos iguais. Queria que
ele, que não perde um Jornal Nacional depois do jantar preparado pela esposa,
soubesse que temos, sim o dever de nos manifestar, de invadir as ruas e exigir
melhores condições. Queria que daquele domingo em diante a voz dos protesto
legítimos não precisasse ceder espaço nos noticiários para os black blocs e sua
quebradeira geral, que, juro, ainda tenho cá minhas dúvidas se são ou não
necessárias. Queria, na verdade, que tudo isso fosse apenas parte de um
processo de reconfiguração ou atualização de sistema da humanidade, feito um software mesmo ou um aplicativo que fizesse com que ela levantasse menos ingênua a cada manhã.
Aí, então, seria este o sinal de um
recomeço? O ponto final que anuncia a pausa? Ou já seria o início de um novo
parágrafo na nossa história? Eu, neste contexto, sou um personagem que convive com um exército de black blocs em mim não é de hoje, provocando uma quebradeira
interna generalizada. Como se o centro desse mundo em ebulição doesse aqui no
meu peito, feito a bala de borracha ou o tiro certeiro da arma letal dos meganhas. Porque meu peito é o núcleo quente que derrete, dissolve, digere, transforma e
transfere.
Eu, graças aos midiáticos vândalos que cá me habitam e tacam fogo no que não presta, carrego a certeza de que não sou mais o mesmo. Talvez por isso, hoje, neste domingo, eu tenha acordado vendo um mundo diferente lá fora.
Eu, graças aos midiáticos vândalos que cá me habitam e tacam fogo no que não presta, carrego a certeza de que não sou mais o mesmo. Talvez por isso, hoje, neste domingo, eu tenha acordado vendo um mundo diferente lá fora.
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