domingo, 13 de outubro de 2013

Não sejamos tão ingênuos

Então você acorda e há um mundo diferente lá fora. Sim, é só mais um domingo, são as mesmas nuvens de algodão, o mesmo céu de anil, o mesmo gosto do café amargo e toda a falta que eu sinto de algumas partes de mim. O silêncio daquelas manhãs de domingo sempre me intrigaram. Para mim, tão afeito ao barulho e à velocidade do dia-a-dia rotineiro, era como se nelas, naquelas manhãs, o mundo descansasse e cedesse lugar à preguiça. A tal da pausa, tantas vezes necessária, até recomeçar.

Lembro bem de uma tia que sempre me dizia: "Levantar da cama aos domingos não é difícil. Difícil é recomeçar." Eu era criança quando ouvia tal frase e, confesso, custei a entender o que ela queria dizer com aquilo. Houve uma época em que eu achava que era um recado velado, como se ela implicasse com a minha preguiça, tão mais sem vergonha nas manhãs de domingo. Só mais tarde, anos depois da minha tia ter morrido, foi que entendi o que poderia estar implícito naquilo que ela tanto dizia. Não é mesmo nada fácil recomeçar.  

Eu queria levantar da cama aos domingos com superpoderes e, enfim, enxergar a vida com óculos cor-de-rosa. Queria poder prender cada sem-vergonha que se acha no direito de roubar o que é do outro, de cercear a liberdade de quem quer que seja, de surrupiar na maior cara-de-pau e de me dizer o que é certo, o que é errado ou o que pode e o que não pode. Queria, também, exterminar com as raças de alguns políticos que estampam as manchetes dos jornais e que estão há séculos no comando, acumulando e exercitando o egoísmo desacerbado, enquanto esquecem que é preciso compartilhar, dividir, multiplicar, socializar e respeitar a vida daquele que pisa neste solo com as mesmas necessidades que ele. Poque ele, assim como eu ou você, é um qualquer um.

Queria levantar da cama, correr na varanda e gritar para o meu vizinho que desce a rua que somos todos iguais. Queria que ele, que não perde um Jornal Nacional depois do jantar preparado pela esposa, soubesse que temos, sim o dever de nos manifestar, de invadir as ruas e exigir melhores condições. Queria que daquele domingo em diante a voz dos protesto legítimos não precisasse ceder espaço nos noticiários para os black blocs e sua quebradeira geral, que, juro, ainda tenho cá minhas dúvidas se são ou não necessárias. Queria, na verdade, que tudo isso fosse apenas parte de um processo de reconfiguração ou atualização de sistema da humanidade, feito um software mesmo ou um aplicativo que fizesse com que ela levantasse menos ingênua a cada manhã.

Aí, então, seria este o sinal de um recomeço? O ponto final que anuncia a pausa? Ou já seria o início de um novo parágrafo na nossa história? Eu, neste contexto, sou um personagem que convive com um exército de black blocs em mim não é de hoje, provocando uma quebradeira interna generalizada. Como se o centro desse mundo em ebulição doesse aqui no meu peito, feito a bala de borracha ou o tiro certeiro da arma letal dos meganhas. Porque meu peito é o núcleo quente que derrete, dissolve, digere, transforma e transfere. 

Eu, graças aos midiáticos vândalos que cá me habitam e tacam fogo no que não presta, carrego a certeza de que não sou mais o mesmo. Talvez por isso, hoje, neste domingo, eu tenha acordado vendo um mundo diferente lá fora.






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