sexta-feira, 20 de maio de 2011

Dark room




Ele só percebeu que estava preso naquele quarto escuro horas mais tarde. Pior ainda: foi como se depois dos quarenta anos só fizesse sentido somente a partir dali, daquele ponto em que se deu conta de que estava preso. Pés e mãos atados. Os olhos vendados, a boca amordaçada. Ficou paralisado, consciente de que não teria mais como fugir de si mesmo. Lembrou da sua terapeuta e das massagens que ela fazia nele após as sessões semanais de tortura mental. Era uma espécie de alento após a dor profunda. E para ele nunca fora fácil expor as suas dores, muito menos reconhecer que a vida não era feita somente de amores. Ele já não era tão jovem, mas conservava os sonhos e os ideais que considerava os mais justos.

Que melhores armas ele poderia ter para enfrentar as batalhas do dia a dia, senão acreditar no amor e na justiça?

Não que ele já não tivesse experimentado as lágrimas. Claro que já. Mas não havia sobrado mácula, mágoa, ressentimento. Nada. Sob a redoma da ingenuidade, conscientemente ou não, ele se resguaradava, ele se protegia. Para apagar de vez um gesto mais ríspido, bastava-lhe um sorriso de bom dia e o de ruim que tivesse acontecido ficava no passado. Não precisava nem de desculpas.

Ele era feliz assim, mas não sabia.

Foi mais tarde, bem mais tarde que ele soube que a vida tinha um lado frio e cruel. E não foi preciso que mãe ou pai morressem ou algum outro tipo pior de desgraça para ele entender que cada um traz consigo as suas próprias tragédias. Elas permanecem feito código genético, passam de geração em geração, são como marcas perenes da existência humana. E não há nada que se possa fazer quanto a isso. A não ser enfrentá-las sem medo de encarar a dor.

Completamente nu, deitado naquele chão frio e sujo, o ar pesado, o cheiro de urina misturado ao mofo e à umidade das paredes. Um cenário triste e até mesmo assustador. Não havia barulho lá fora. O silêncio era tanto que ele conseguia ouvir o ritmo descompassado do seu batimento cardíaco, o que o perturbava ainda mais. Sua voz não existia, quase não conseguia se mover, sequer enxergava um palmo a sua frente. O simples ato involuntário de respirar era sacrificante. Era como se puxasse o ar e o ar não viesse. Asfixiante.

Por que, meu Deus, aquilo tudo?

Não conseguia supor quem o abandonara ali. Com o passar das horas e dos dias aquele alguém era o que menos importava. Quem era ele? Sentir sua carne apodrecendo e aquele odor insuportável de excrementos ao seu redor, mais a cabeça que não parava de latejar e pensar um só instante, já eram passatempos que bastassem. Enquanto isso, tudo mais se desfazia. Aquele que um dia ele fora se dissolvia, escorria pelo ralo sujo do destino sem volta. Feito a morte.

Mas ela não vinha.

Durante anos ele permaneceu trancado naquele quarto escuro sem que ninguém soubesse. E durante todo o tempo ele tentou sair dali. Nunca desistiu. Mas ninguém nunca percebeu nada.

A vida é mesmo um vai e vem de cegos.

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