
O prédio em que eu moro tem 4 porteiros que se revezam entre os turnos da manhã e da noite. Um deles, o mais velho, é um senhor bem alto, negro, muito educado, gentil, prestativo. Só que é gago. Mas é daqueles gagos que, para piorar a situação, falam acelerado, querendo se livrar logo das palavras. Não consigo entender patavinas do que ele diz. No começo eu até me esforçava, mas acho que a cara que eu fazia para tentar decifrar o tal dialeto deixava o pobre ainda mais nervoso. Ou seja, desisti. Hoje, quando eu passo pela portaria e é ele quem está por lá, faço questão de dar meu boa noite, boa tarde ou bom dia. Ele responde lá do jeito dele. Complicado mesmo é quando chega a fatura do condomínio ou alguma outra encomenda e é ele quem interfona para avisar. Nestas horas eu tenho de ser direto:
- É pra buscar aí embaixo, né?
- É...é...é...é...é.
Terça-feira. 9h da manhã. Um frio desagradável no Rio de Janeiro. Eu estava descendo com o danado do meu cachorro quando o porteiro, gago, entrou no elevador. Foi a senha para o vira-latas abusado e nota zero em simpatia começar a rosnar e a latir. O coitado do porteiro, de negro, amarelou. Parecia que ia colar na parede do elevador e desembestou a falar um monte de coisa que só ele entendia.
- Cala a boca!, eu dizia. Pro cachorro, claro.
Quarta-feira. Meio-dia e quinze. Saio da esteira completamente suado depois de 25 minutos correndo. É o máximo que meu fôlego me permite. Pelo menos por enquanto. Parei de pedalar e estou tentando me acostumar a correr. Só fico grilado com meu joelho. Não sinto nada, é verdade, mas sinto que não posso exagerar. Há 41 anos que eles funcionam perfeitamente bem e eu faço votos de que funcionem por outros tantos. A academia está vazia. Apenas uns gatos pingados aninhados perto das TVs, todas ligadas na Copa do Mundo. A Grécia acabou de fazer mais um gol e virou o placar contra a seleção da Nigéria. Eu e a torcida do Flamengo estávamos certos que ia dar Nigéria.
- Deu zebra na África, eu disse, usando e abusando do clichê.
Quinta-feira. Quase dez da manhã. Claudia me acorda com a desagradável notícia de que a empregada não aparecera para trabalhar e ela já estava atrasada para levar as crianças. Eu rosnei qualquer coisa e me enrolei ainda mais no edredon. Mas pensar em ter de passar um pano na varanda onde dorme o canino e lavar a louça que reinava na pia me fez levantar. Lavei o rosto, li o que eu tinha de ler no jornal, abri um iogurte, misturei uma granola, pus a coleira no vira-latas e fui dar a conferida diária nos postes, hidrantes e canteiros da minha rua. A Argentina estava em campo contra a Coreia do Sul. Passo pela portaria e o gago está lá, de olho no jogo.
_ Gol da Argentina, ele disse com todas as letras.
_ O quê?, respondi, incrédulo. Não com o gol dos hermanos, mas em tê-lo entendido.
Ainda na quinta-feira, por volta das quatro da tarde. Chego no jornal e a redação já está fervilhando. É pauta pra lá e pra cá e não demora muito já é hora de decidir qual será a virada, ou seja, a manchete que temos de deixar no online até a manhã seguinte. Isso fora todas as outras matérias que serão destaque na capa da nossa editoria. O clima nunca é tenso, mas é de total responsabilidade. Todo mundo apurando, escrevendo, mas interagindo. Rolam até umas piadas e outras tiradas engraçadas. Ainda estou apanhando de uma das ferramentas que temos de utilizar. Não é tão simples quanto a do outro jornal. E isso está me deixando meio puto. Onze e tal da noite. O Tribunal Superior Eleitoral aprovou por seis votos a um a lei da Ficha Limpa.
- O País literalmente ferve, eu digo pra mim mesmo.
Sexta-feira. O dia vai ser longo. Pulo da cama, bebo minha água e vou direto acessar a internet. Uma notícia me entristece logo pela manhã: Morre, aos 87 anos, José Saramago, o único escritor de língua portuguesa que ganhou um Nobel de literatura. Lembro de Ensaio sobre a Cegueira e de O Evangelho segundo Jesus Cristo, os dois únicos livros dele que eu li. O Evangelho eu não gostei ou não entendi, mas Ensaio é dos meus livros favoritos. Não apenas pela angústia dos acontecimentos da narrativa, mas pelo mito da caverna que nele eu descobri implícito. Lendo Saramago foi que eu me dei conta de que realmente era preciso abrir os olhos.
- É pra buscar aí embaixo, né?
- É...é...é...é...é.
Terça-feira. 9h da manhã. Um frio desagradável no Rio de Janeiro. Eu estava descendo com o danado do meu cachorro quando o porteiro, gago, entrou no elevador. Foi a senha para o vira-latas abusado e nota zero em simpatia começar a rosnar e a latir. O coitado do porteiro, de negro, amarelou. Parecia que ia colar na parede do elevador e desembestou a falar um monte de coisa que só ele entendia.
- Cala a boca!, eu dizia. Pro cachorro, claro.
Quarta-feira. Meio-dia e quinze. Saio da esteira completamente suado depois de 25 minutos correndo. É o máximo que meu fôlego me permite. Pelo menos por enquanto. Parei de pedalar e estou tentando me acostumar a correr. Só fico grilado com meu joelho. Não sinto nada, é verdade, mas sinto que não posso exagerar. Há 41 anos que eles funcionam perfeitamente bem e eu faço votos de que funcionem por outros tantos. A academia está vazia. Apenas uns gatos pingados aninhados perto das TVs, todas ligadas na Copa do Mundo. A Grécia acabou de fazer mais um gol e virou o placar contra a seleção da Nigéria. Eu e a torcida do Flamengo estávamos certos que ia dar Nigéria.
- Deu zebra na África, eu disse, usando e abusando do clichê.
Quinta-feira. Quase dez da manhã. Claudia me acorda com a desagradável notícia de que a empregada não aparecera para trabalhar e ela já estava atrasada para levar as crianças. Eu rosnei qualquer coisa e me enrolei ainda mais no edredon. Mas pensar em ter de passar um pano na varanda onde dorme o canino e lavar a louça que reinava na pia me fez levantar. Lavei o rosto, li o que eu tinha de ler no jornal, abri um iogurte, misturei uma granola, pus a coleira no vira-latas e fui dar a conferida diária nos postes, hidrantes e canteiros da minha rua. A Argentina estava em campo contra a Coreia do Sul. Passo pela portaria e o gago está lá, de olho no jogo.
_ Gol da Argentina, ele disse com todas as letras.
_ O quê?, respondi, incrédulo. Não com o gol dos hermanos, mas em tê-lo entendido.
Ainda na quinta-feira, por volta das quatro da tarde. Chego no jornal e a redação já está fervilhando. É pauta pra lá e pra cá e não demora muito já é hora de decidir qual será a virada, ou seja, a manchete que temos de deixar no online até a manhã seguinte. Isso fora todas as outras matérias que serão destaque na capa da nossa editoria. O clima nunca é tenso, mas é de total responsabilidade. Todo mundo apurando, escrevendo, mas interagindo. Rolam até umas piadas e outras tiradas engraçadas. Ainda estou apanhando de uma das ferramentas que temos de utilizar. Não é tão simples quanto a do outro jornal. E isso está me deixando meio puto. Onze e tal da noite. O Tribunal Superior Eleitoral aprovou por seis votos a um a lei da Ficha Limpa.
- O País literalmente ferve, eu digo pra mim mesmo.
Sexta-feira. O dia vai ser longo. Pulo da cama, bebo minha água e vou direto acessar a internet. Uma notícia me entristece logo pela manhã: Morre, aos 87 anos, José Saramago, o único escritor de língua portuguesa que ganhou um Nobel de literatura. Lembro de Ensaio sobre a Cegueira e de O Evangelho segundo Jesus Cristo, os dois únicos livros dele que eu li. O Evangelho eu não gostei ou não entendi, mas Ensaio é dos meus livros favoritos. Não apenas pela angústia dos acontecimentos da narrativa, mas pelo mito da caverna que nele eu descobri implícito. Lendo Saramago foi que eu me dei conta de que realmente era preciso abrir os olhos.
- O mundo ficara mais escuro naquela manhã, eu pensei.
Bacana, amigo! Adoro suas crônicas. Vai contando mais dessa redação...
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