quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Faz frio. Em Vancouver.


Terça-feira de carnaval. 21h. Rua Dias da Cruz num mar de gente de todos os tipos. Às já tradicionais kombis e carrocinhas de espetinhos juntaram-se centenas de outras barracas que vendiam de um tudo. Uma menina de peruca rosa e barriga sobrando pra fora da camiseta ensaia uns passos ao som de uma música que era tudo, menos samba. Um pouco mais à frente, perto da rua onde moram meus pais, um palco. Lá em cima um animador agradecia ao apoio do vereador fulano de tal. O povo grita que quer música e que não é hora de fazer discurso pra político nenhum. Concordo. Parece que teve desfile da Banda do Méier, tradicional para os pinguços da área. Ao meu lado passa uma fileira de clóvis e suas roupas pra lá de coloridas. Uns 10 pelo menos.

(Quando eu era moleque, lá em Pilares, eu chamava clóvis de bate-bola. Morria de medo. Uma vez, bem pequeno, vestido de pirata, um bate-bolas chegou bem pertinho de mim e puxou meu chapéu. Foi um dos maiores sustos da minha vida. Só me livrei do trauma anos mais tarde, quando minha tia Marilda, irmã do meu pai, fez uma fantasia de bate-bola pra mim. Preta e branca. Com capa espelhada e o escambau. Nas mãos, uma bexiga amarrada nuns dois metros de linha grossa. Nossa, como aquela bexiga fedia! Lembro de comprá-la de um senhor negro que puxava da perna e que, sempre na época do carnaval, passava em frente à casa da minha avó empurrando um carrinho de madeira, desses que se vê ainda hoje em algumas feiras-livres por aí, cheio das tais bexigas e de máscaras de morcego que ele mesmo fazia. Isso há mais de 30 anos.)

Encontro meus pais na esquina. Minha mãe me parece bem, apesar da taxa de açúcar ter oscilado estes dias. Meu pai termina uma cerveja. Quase nunca na vida vi meu pai beber cerveja. Aliás, quase nunca na vida vi meu pai ao lado da minha mãe num carnaval. Por instantes eu penso que a vida nos reserva mesmo muitas surpresas. Eles perguntam como estão as crianças. Voltam na sexta, eu respondo. Já passa das nove e o termômetro marca 38°. Não rola um vento sequer. Todos reclamamos do calor. Imagina se falta água, meu pai diz. Aí é o fim do mundo, se espanta minha mãe.

(A verdade é que o Rio de Janeiro está pegando fogo e nós, cariocas, já começamos a sentir na pele os efeitos do aquecimento global. A tal da sensação térmica e seus 50° já fazem parte do nosso dia a dia. Praticamente a filial do inferno. Se é que lá não é mais fresco, convenhamos. Eu confesso que adoro sol. Sou avesso a frio. Ataca minha bronquite, a pele resseca, o lábio fica rachado e por aí vai. Só que este calor já está passando dos limites. Ainda mais agora que o carnaval está terminando, Unidos da Tijuca campeã, e o ano finalmente começando. Hoje o ar condicionado da redação não estava dando vazão. Terminei o texto suado. Literalmente. Entre uma frase e outra _ e de olho na apuração das escolas de samba _, muitos goles dágua pra ajudar a refrescar.)

Meu pai pergunta se eu vi o acidente que matou o atleta que fazia um treino no dia da abertura das olímpiadas de inverno. Respondo que sim, horrível, e digo que lá eles devem estar morrendo de frio e nós, aqui, de calor. Peço um suco gelado pra mim e outro pra minha mãe. Trabalho no dia seguinte. Meu pai não quer mais nada. Volto pra casa, tomo um banho e ligo a televisão. Por coincidência está passando uma retrospectiva com os melhores momentos das olímpiadas em Vancouver, Canadá. Fico sabendo que temos cinco atletas brasileiros competindo. Isabel Clark, a brasileira do snowboard não faz um bom tempo. Não está desclassificada, mas vai depender do resultado das outras competidoras.

(As montanhas de Vancouver estão tomadas de neve. Aliadas ao ar condicionado do meu quarto, que está no máximo, me dão um certo alívio do calor. Na tela é a vez da final de patinação artística em dupla. A apresentação do casal russo é quase irrepreensível, não fosse a patinadora ter perdido o equilíbrio numa das piruetas. Seu par não a deixa fraquejar e a apresentação segue firme. Os franceses, logo depois, emocionam com a música escolhida. Parecem ter perfeita sintonia. Os dois lado a lado, um dando apoio ao movimento do outro. Tudo milimetrado. Até que um giro em falso leva ao chão o patinador. De pronto ele se levanta e continua como se nada tivesse acontecido. O público aplaude ao final. O casal chinês vem com uma apresentação arrebatadora. Equilíbrio do início ao fim. Ginásio completamente em delírio. Medalha de ouro, claro.)

Não sei bem o por quê, mas foi aí que me veio o lampejo, dos mais piegas, por sinal: que tanto numa prova de patinação artística quanto na vida, o importante é caminhar lado a lado e saber encontrar o equilíbrio, mesmo com as imperfeições de cada um de nós.


(Antes de dormir tentei mentalizar e sonhar que estava em Vancouver só para sentir um pouquinho de frio. Não deu certo. Sonhei que estava na praia. Acredita? Ô calor!)





Um comentário:

  1. Frio não é mesmo para nós. Vi a apresentação de snow board da tal Isabel Clark. Mesmo com nome de gringa, ela foi muito mal. O jeito é aguentar o calor e deixar a neve para os gringos.

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