segunda-feira, 20 de julho de 2009

Usando máscaras


Uma das minhas duas sócias é atriz. Na verdade as duas são, só que a outra é mais chegada numa direção do que em qualquer outra coisa. A que se assume atriz 24 horas por dia chegou dia desses com um visual diferente, cabelos cortados e com a tal da escova progressiva que vai lhe garantir cabelos lisos por alguns meses. Ficou ruim não. Bacana até. Mas o mais impressionante foi a mudança de comportamento e mesmo no jeito de se vestir. Eu disse que ela parecia outra mulher e que me fazia lembrar a minha avó materna nas fotos dos anos 20 com aquele cabelinho curtinho alisado. Ela me disse que necessita encarnar personagens diferentes. Sempre. Caso contrário sua vida perde todo o sentido.


Foi aí então que me fez pensar mais uma vez em tudo aquilo que tenho pensado nesses últimos meses. Por que será que a gente precisa estar sempre representando um personagem? Por que será que não nos basta sermos nós mesmos? Por que é tão difícil não usarmos máscaras? Que raio de realidade é esta que resolvemos criar para nós mesmos? Isso tudo dá um nó na minha cabeça, confesso. Ainda mais agora que resolvi atender aos apelos dos mais chegados e estou lendo um livro de autoajuda chamado "Um novo mundo - Despertar de uma nova consciência", de um tal de Eckhart Tolle. O livro é bom pra quem anda numa fase péssima feito eu, quando nada - ou quase nada - parece dar certo; quando os quarenta anos se transformam numa pequena crise; quando as oportunidades parecem sumir; quando o mundo parece ruir; quando tudo está uma merda.


É aí que eu paro e penso qual foi o personagem que encarnei todos estes anos. Ou se não encarnei personagem algum, começo a achar que deveria ter encarnado. Até porque eu vejo que estou sempre rodeado de gente que encarna um personagem atrás do outro e está sempre bem, com suas vidinhas caminhando como elas devem caminhar. Lembro que uma vez uma astróloga, Cristina Tolentino, ao ler meu mapa astral há quase 20 anos, me disse que eu deveria aprender a usar máscaras vez ou outra. Eu achei aquilo esquisito pra caramba, mas com o tempo fui entendendo o que ela quis me dizer. Só não sei se nestes 20 anos que se passaram eu aprendi a usar as tais máscaras. Acho que não. Ou então o personagem que interpreto se faz de cego e banca o bonzinho, o bobo da corte. E eu odeio gente boazinha demais. Na verdade tenho odiado cada vez mais esse tipinho. Será que é isso que tem me deixado insatisfeito comigo mesmo? O fato de descobrir agora, aos 40 anos, que vivi este tempo todo fazendo o papel do bonzinho?

- Senhor diretor, me arruma outro personagem pra eu interpretar nesta história, por favor!


- Que outro personagem? Acho melhor mudar de história, meu camarada!


Corta.

4 comentários:

  1. Não sei qual tipo de bonzinho você acha que encarna. Não sei qual seria o oposto disso, o "mauzinho". Te conheço muito pouco, mas já conversamos e já te vi ao vivo. Você não é bonzinho "bobalhão". Ao contrário, é sagaz, parece esperto e não me parece uma pessoa das quais as outras se aproveitariam.
    Agora, que a vida está uma merda, você pode acreditar que tá uma merda pra todo mundo. Muita gente insatisfeita com o próprio meio, o próprio trabalho, as tais "máscaras". Muita gente nessa mesma crise, decepcionada com o andamento das coisas. Não é só na política que se percebe esse desencanto. Espero que você fique bem, que consiga descolar uma máscara que não agrida muito a sua dignidade e que, no final, tudo não passe de algo passageiro. Bjs.

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  2. Peço licença para discordar de você, Márcio. Muito provavelmente você não passou sua vida fazendo papel do bonzinho. E você deve ter sido bem mau em muitos momentos...todos nós somos. O que aconteceu é que você foi você mesmo e, acredite, sermos nós mesmos não é tarefa fácil.
    Mas não é fácil também usar máscaras. Por mais que elas tenham sido moldadas para sua cara, uma hora elas incomodam, apertam o nariz...sim o nariz!, te travam a boca, te deixam sem ar. A vida não é como a commedia dell’arte, onde as máscaras vêm e vão numa grande brincadeira, onde as regras incluem o descer e subir de máscaras entre os ‘personagens’ da peça. Nós já somos os personagens de nossas vidas, somos as grandes estrelas, somos o ator principal. Não precisamos delas. Mas pra deixar a coxia e encarar o público de cara limpa, é preciso ter coragem e saber que estamos sujeitos a aplausos e a vaias também. Encarar a vida de cara limpa pode ser mais difícil e dolorido, pode ser que saiamos dela mais feridos e cheios de cicatrizes, mas viveremos aproveitando, num mergulho profundo, cada experiência, e aprendemos mais, e crescemos mais ...quando não se usa máscaras é assim: temos visceralmente, sempre, o doce e o amargo da vida, mas somos nós que estamos ali. Deus (ou seja lá no que quer que vc acredite) nos deu um palco, um roteiro, um personagem e a liberdade de escrevermos, reescrevermos e vivermos improvisando (agora sim como na commedia dell´arte) o que escolhermos: porque iríamos ‘passar a bola’ para outro ‘alguém’?

    Não faço aqui uma crítica à sua sócia, mas uma declaração de amor à escolha de viver sem máscaras – que foi a minha – e que, acredito, foi a sua também!
    Seja feliz!

    Grande beijo

    Babi

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  3. Pois é... viver sem máscaras tem sido a minha escolha e, confesso, é difícil pacas. Eu já fui o mocinho, o vilão, o pateta, o otário, o esperto, o cretino, o bonzinho. E volta e meia me vejo querendo fazer o papel de vítima. E ter consciência disso é foda. No final eu sou sempre o protagonista e a história é sempre a mesma: a minha história.

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  4. querido marcio, detesto o tipo bonzinho! são manipuladoes natos,carentes, uns chatos. Somos feitos de luz e sombra, não adianta negar. Mal te conheço, e não acho vc nem um pouco o tipo bonzinho... Quanto ao conselho da colega astróloga, acho que ela disse pra vc saber ser um pouco mais dissimulado, como uma forma de preservação, de defesa mesmo. Não conheço seu mapa, mas as pessoas que se colocam na linha de frente, costumam tomar mais porrada, né não? Por outro lado, sua sinceridade faz com que os outros saibam sempre onde estão pisando e isso é uma brisa de ar fresco num mundo muito poluído.

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