quinta-feira, 23 de junho de 2022

Calma

Outro dia mesmo eu li no perfil de um astrólogo que eu sigo que acalmar-nos é uma das primeiras e mais fundamentais habilidades que aprendemos na vida. Entre tantas outras coisas bacanas que esse astrólogo escreve quase que diariamente, essa foi uma das que mais me chamou a atenção nessas últimas semanas e me fez, muito mais que por alguns instantes, parar para pensar. A gente nasce no susto, rompe a barreira no trauma, num tremendo desespero, toda aquela pressão para a gente passar para o lado de cá. E, quando a gente passa, a gente se apavora e chora tentando colocar o ar para dentro dos pulmões. É bonito, mas é tenso.

Não me lembro como foi quando eu nasci, claro, mas tenho para mim que não tenha sido nada agradável deixar aquela vidinha confortável que eu levava dentro da barriga da senhora minha mãe para ter de encarar esse fuzuê aqui do lado de fora. Minha mãe costumava dizer que eu nasci berrando porque já nasci com fome e que ela logo me deu o peito para eu me acalmar. Era meio-dia e dez de uma sexta-feira calorenta, três dias depois do carnaval, quando eu, pisciano raiz com ascendente e lua em Touro, cheguei por essas bandas nervoso de fome e fui logo sendo obrigado a aprender a me acalmar. Por sorte, tive o colo da minha mãe. 

Até hoje vivo com fome e volta e meia eu ainda penso na falta que faz o colo da minha mãe quando eu sinto que estou ficando nervoso. Talvez por isso eu tenha associado esse acalmar-se, tão fundamental à sobrevivência nesse planeta, ao nascimento e ao momento em que a mãe, no caso a minha, pega o filho, no caso eu, e o acalma para que ela também se acalme. Há uma troca intensa ali. E de um aprendizado profundo, impossível de ser traduzido em palavras. Aquele que chega sem entender nada no colo daquela que já chegou faz um tempo e que certamente ainda não conseguiu entender muita coisa. Ou seja: a coisa é complexa desde o início. Um estresse.  

Não é fácil e ninguém disse que seria, eu sei. E hoje, cinco décadas depois de eu ter nascido e ter sido muito bem recebido, as coisas continuam não parecendo tão fáceis. Falta colo, o planeta está no limite e nós, seres ditos pensantes, nos agredindo nessa carnificina virtual globalizada, como se quiséssemos acelerar nosso fim logo de uma vez, numa espécie de surto coletivo. Esse retroceder da mentalidade humana é o que me causa surpresa e me assusta tanto quanto todo o preconceito, a violência, a hipocrisia, a mentira e o cinismo escancarado desses tempos complicados. 

Isso tudo sufoca a gente, deixa a gente triste, vai ficando todo mundo amuado, nervoso, mal humorado, doente, até que acaba morrendo mais rápido do que devia. Uma agonia que piora quando a gente liga o noticiário e é bombardeado pelo correio da má notícia e por todo esse volume absurdo de informações, boa parte delas inúteis, fúteis, descartáveis, que chegam até nós através de um simples toque numa tela pouco maior que a palma de nossas mãos. Estamos todos presos nessa teia, cegos, sem nos importar se do nosso lado matam pretos, matam pobres, matam indigenista, matam jornalista, matam todos eles, um a um, e a nós também, pouco a pouco. Distopia.

Mas, de acordo com o astrólogo, ter calma é fundamental. Mesmo que tudo ao redor esteja o caos, mesmo que os ignorantes tenham despertado, mesmo que os fariseus tenham ressurgido, mesmo com as guerras ininterruptas, mesmo com toda essa ganância, esse discurso violento, essa farsa, esses coturnos manchados de sangue mais uma vez ameaçando a democracia, essas bíblias compartilhando a palavra talhada na hipocrisia, mantenha a calma. Eu aqui tenho tentado me acalmar sozinho e seguir às margens deste outro eu transformado em rio caudaloso, superfície serena, que no fundo esconde a fúria da minha correnteza, arrastando tudo em direção ao mar. 



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