![]() |
A cidade de São Paulo se rende ao carnaval |
Agora que o carnaval finalmente acabou e que já não esbarramos mais com piratas, Frida Kahlo e bêbados agarrados numa garrafa de skol beats no metrô é que eu me sinto um pouco mais à vontade para escrever sobre a folia de Momo. Só que, meu, eu vou falar do que eu vi lá na terra da garoa, lá na cidade que Vinícius de Moraes apelidou de túmulo do samba, São Paulo. De antemão, já aviso que o poetinha estava errado. Injustiça, crueldade ou pura sacanagem mesmo chamar a maior cidade do nosso país de túmulo do samba. Ao menos nos dias de hoje. Ouso arriscar a dizer que os paulistanos, que agora descobriram as ruas como palco da maior manifestação popular do planeta, podem vir a ser os responsáveis pela renovação do carnaval de rua nos próximos anos. Digo isso com uma certa propriedade, já que passei praticamente os últimos três anos na ponte Rio-São Paulo e ao menos uma vez por mês eu baixava lá pelas bandas do Tietê. Tudo por amor, óbvio.
Durante esses três anos, tive a oportunidade de conhecer um outro circuito, diferente daquele que eu já conhecia de Vila Madalena, Pinheiros e Morumbi. Desci a Augusta, peguei a Consolação, fiquei bêbado na Roosevelt, fui feliz na Benedito Calixto, cruzei a República e comi uma feijoada num samba quente em plena praça Dom José Gaspar, atrás da biblioteca Mario de Andrade, num sábado frio de agosto. De uma outra vez, fui numa roda de samba que acontece todas as sextas-feiras bem em frente à Paróquia Nossa Senhora da Achiropita, na Rua Treze de Maio, lá pelas bandas da Bela Vista. O samba era de raiz, tinha uma gente bamba, italiano da Mooca, uma mistura boa, todo mundo na rua, cerveja gelada e era bonito de ver. Soube também do sucesso que faziam os ensaios da Vai Vai, uma das escolas de samba mais tradicionais de São Paulo e que, mesmo sendo uma das mais tradicionais, os ensaios aconteciam na rua. O trânsito dava um nó. Isso em falar no samba da vela, mas lá eu não fui.
No carnaval de 2014, conheci o Jegue Elétrico, um bloco que saía da Praça Roosevelt, onde ficam alguns teatros, como Sátiros e Parlapatões. O bloco não tinha um carro de som e, aparentemente, nem estrutura suficiente para sacudir a massa. O que existia de equipamento ficava em cima de uma bicicleta colorida e iluminada e de onde uns gaiatos se revezavam no microfone. O bloco demorou umas duas horas percorrendo uns 800 metros apenas. Juntou pra lá de mil pessoas. Todo mundo contente. Era carnaval.
![]() |
Vale do Anhangabaú tomado pelos foliões |
Eu já tinha gostado do clima uma dia antes, quando estive com um grupo de amigos na Benedito Calixto, uma outra praça, só que menos underground, onde vende um tal de buraco quente, que nada mais é que um sanduíche de carne moída deliciosamente temperada e servida num pão francês com um buraco no meio. Daí o nome. Na Benedito Calixto rola uma feira de antiguidades todos os sábados, com direito à roda de choro, um povo descolado, descontraído, bacana mesmo. Foi lá que vi os primeiros paulistanos fantasiados. Meio tímidos ainda, é verdade, como se não soubessem ao certo o que estavam fazendo, mas fantasiados. Bem legal, eu achei.
Já em 2015, fui apresentado ao Tarado Ni Você, um bloco que desfilava pela segunda vez apenas e que sai da esquina da Ipiranga com a São João, trecho ali no centrão velho imortalizado por Caetano Veloso e que só toca músicas do... Caetano Veloso, ora bolas. Quando eu cheguei por ali eu nada entendi. Ou melhor: entendi tudo. Uma multidão de paulistanos seguindo o trio que percorreu as ruas e avenidas de uma cidade escondida entre os arranha-céus e que parecia esquecer seu cinza e se deixava colorir com toda aquele energia que só o carnaval de rua tem. Teve catuaba, uma mania entre os paulistanos, teve beijo na beijo na boca, teve êta, êta, êta, é a luz de Tieta. Teve bunda de fora, suor, chuva, azaração, um bagulhinho bom, uma energia contagiante e a filha da chiquita bacana, porque ela não haveria de faltar. Eu me diverti.
Esse último ano, lá estava eu de novo em São Paulo. Mais por circunstâncias da vida do que por outra coisa qualquer. Dei de cara com o Ilú Obá de Min, um bloco percussivo feminino afrobrasileiro. Estávamos eu e meu filho número dois. Na véspera, Elza Soares havia participado de um cortejo carnavalesco com o Ilú Obá de Min. Tudo organizado, infraestrutura, carro de som, mulherada arrepiando na percussão, brilho, sol, muito sol, um calor que ninguém acredita que faz em São Paulo e muito ponto de macumba. Samba ou marchinha não tinha. Lembrei do Vinícius e saí de lá com a sensação de que eu teria achado muito mais legal o Acadêmicos do Baixo Augusta, bloco que tem como rainha ninguém menos que Alessandra Negrini, despertando tudo quanto é fantasia. E tem samba no pé. Não preciso falar mais nada. Ou preciso?
![]() |
Foliões paulistanos |
Na terça-feira de carnaval resolvi me juntar à massa de adoradores de última hora - ou não - de David Bowie e baixei no Tô de Bowie, um bloco em homenagem ao cantor inglês que morreu recentemente. Não me arrependi. Foi impressionante ver uma multidão brincando, ocupando as ruas próximo à Praça da República, ao Theatro Municipal de São Paulo, elogiando o Haddad e lotando o Vale do Anhangabaú. Não vi uma briga, uma confusão, um sinal sequer de falta de respeito. Muito pelo contrário. Também não vi quase ninguém fazer xixi na rua e nem presenciei cantada barata. Tinha cerveja de marcas variadas, não tinha cercadinho, não vi truculência de guarda municipal, não teve bomba de efeito moral, nem ninguém com a bunda roxa por ter apanhado de cassetete. Juro que não vi. Também não vi samba, confesso, Vinícius. Nem uma marchinha sequer. Senti falta, apesar de ter adorado ouvir Let's Dance ecoar acima do corredor Norte-Sul da cidade que não para.
Não sei se ano que vem estarei mais uma vez em São Paulo durante o carnaval. Tomara. É um carnaval diferente, que mistura rock com axé, arrocha com Sidney Magal, brega e coisa e tal, mas que lembra um pouco o clima bom do carnaval do Rio de Janeiro há uns 15 anos, quando também redescobrimos as ruas. Ok, Vinícius, concordo que falta um pouquinho mais de samba e uns clássicos como Carinhoso, do mestre Pixinguinha, para emocionar a paulicéia que é para lá de desvairada. Só isso. Mas eles vão chegar lá. Pode anotar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário