quinta-feira, 12 de julho de 2012

Pedra de limo verde

Certas noites eu chego em casa assim, meio que massacrado, como se eu tivesse passado o dia inteiro num martírio, me sentindo um nada, um ser passivo, subserviente, daqueles que assiste contemplativamente o mundo lá fora avançar em suas guerras podres de poder e corrupção. Nestas horas eu não queria ter nascido gente, essa espécie esquisita, que rouba, mata, ri, chora, brinca e grita. Preferia ter nascido pedra de limo verde na beira de um rio claro, lá pelas bandas da Serra da Mantiqueira, onde logo cedo faz um frio danado, mas o céu é azulzinho e a água ainda corre boa. Tem vaca no pasto, roupa coarando no varal entortado, cheiro de pão fresquinho, café no fogão a lenha e tempo de sobra. Tem cigarro de palha, conversa fiada, filharada na rede, pinga da boa, mulher rindo à toa, roda de viola e muita cantoria. É uma alegria. O pintassilgo assovia, o sabiá vem de lá, tem biquinho de lacre, melro, canário da terra, pardal, rolinha. Tem até beija-flor, que é o mesmo que colibri, que eu já vi.

Mas acontece que eu nasci gente, nesta terra estranha, de família pobre, com poucos recursos, cheia de manias e não me toques, um não fala com o outro, isso você não pode saber, aquilo outro é proibido, não faça, não venha, não olhe, pare, saia. Ganância, poder, corrupção, tudo a gente vendo lá fora, outros tantos vendendo a alma, a mãe, a vergonha e a moral. Qual é a moral, eu me pergunto? Onde me enquadro nisso tudo se há comida em minha mesa e na calçada agora mesmo eu vi um menino deitado sobre folhas soltas de jornal onde a manchete era o rombo de mais um parlamentar nos nossos bolsos? Eu tenho náuseas. Eu vomito. Fico doente. Incham-me as glândulas e sufoca-me não ter mais com quem conversar por horas e me perco entre os abraços que ficaram no vácuo da lembrança que jaz morta entre a ferida cicatrizada na epiderme úmida e suja feito tatuagem mal feita, borrada, mancha negra bem do lado esquerdo do meu peito.

É lá que dói e pulsa e carrega o sangue quente por todo o meu corpo pesado, inútil, fútil, do mesmo jeito de quando eu chego em casa assim, massacrado, consumido de um dia inteiro na rua em que o tempo não para, que nem a água clara que corre perene no rio onde fica encravada a pedra do limo verde. A água passa, esbarra, encobre, mas não carrega a pedra. A pedra é firme. Quem me dera ser.

Um comentário:

  1. é, meu amigo, quem dera se as pessoas conseguissem entender que a felicidade está na simplicidade. Lindo texto, gostaria de ter escrito...

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