domingo, 5 de junho de 2011

Duas ou três coisas que eu queria esquecer




Faz duas semanas que bati o martelo e resolvi fazer terapia. No final do século passado, lá pelos idos de 1993, eu cheguei a fazer umas sessões de psicoterapia corporal. Eu tinha acabado de sair da faculdade, já estava divorciado, meu filho mais velho tinha dois anos, eu não tinha namorada, estava desempregado, meus cabelos começavam a cair, eu tinha um monte de planos e uma vez por semana eu subia a Rua Alice, em Laranjeiras, para tratar das minhas angústias. O resultado foi mais que positivo. Negativo era o meu saldo no banco. Então fui obrigado a dar um tempo.

18 anos para ser mais exato.

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Noite fria de sábado, 21 de maio de 2011, casa do Raul, depois de uma tentativa frustrada de ir ao show do Arnaldo Antunes na lona montada no Arpoador por conta do Viradão Carioca. No playlist, Marcelo Petit e Leonard Cohen se misturavam às revelações sobre amores, alegrias, dores, frustrações, planos, viagens, amigos, idade. Baseados nisso tudo, foram muitos os nossos questionamentos sobre as emoções que nos acometem e uma só conclusão: a importância da terapia e do bem-estar mental que ela pode nos proporcionar. Naquela noite, depois de uma taça de vinho tinto e alguns copos d´água, voltei para casa decidido a procurar um terapeuta.

Foi o que eu fiz.

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Segunda-feira, 29 de maio de 2011. A entrevista com o terapeuta era às duas da tarde e eu estava pelo menos meia hora adiantado. Ansiedade, de certo. Fazia sol, eu estava com sede, subi e desci a ladeira da Cândido Mendes, na Glória, pelo menos umas duas vezes até que deu a minha hora. De cara eu gostei do terapeuta. A metade do meu tamanho, uns vinte anos mais velho, cabelos fartos e grisalhos, a fala mansa, os gestos contidos, os olhos atentos e os ouvidos bem abertos. Trabalha com o método reichiano. Me deixou tão à vontade que eu, que estava ali com o firme propósito de entender o por quê de tantas angústias, não desperdicei meu tempo e falei muito naquele primeiro encontro. Disse também que no dia seguinte eu tinha uma outra entrevista com um outro profissional. Eu precisava fazer uma pesquisa, inclusive de custos, fui sincero, mas que eu ligava para dizer se sim ou não.

Três dias depois eu estava de volta à Glória para dar início, de fato, à terapia.

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Outro dia escrevi aqui neste blog que cada um de nós traz as suas próprias tragédias pessoais. Não que eu viva me remoendo ou que eu tenha pensamentos negativos. Longe disso. Mas o certo é que eu penso muito, sofro as dores do mundo, carrego pesos que muitas vezes não são meus, como se os meus já não me bastassem. Eu penso muito. Minha cabeça não para. Presto atenção em mim mesmo, nas minhas reações, no que cada um que habita em mim tem para me dizer. Sempre fui assim. E para completar o álbum, trago lembranças das mais remotas. Boas e ruins: o chão gelado da varanda da casa da minha avó, em Pilares; as brincadeiras na vila da minha prima Mônica; o gosto do doce de côco ralado em casa que só minha tia Ida sabia fazer; o dia em que meu avô ameaçou tirar o cinto para me bater porque eu, ainda criança, falei um palavrão na hora do almoço; a inveja que senti do meu irmão e sua camisa azul com um desenho de um urso que ele usou no seu aniversário de dois anos; o dia em que meus pais se separaram; a primeira vez que fiquei em casa sozinho; e a primeira vez em que me senti sozinho de verdade.



Se eu pudesse, eternizava algumas destas lembranças. Outras, eu quero mesmo é que a terapia me ajude a esquecer.

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Início da tarde do dia 26 de novembro de 2010, Vila Cruzeiro, Complexo do Alemão. Vivíamos um clima de guerra no Rio de Janeiro, com atentados por toda a cidade. Na redação, os olhos fixos na tevê enquanto as imagens mostram uma quadrilha fugindo por uma trilha no alto do morro. Não houve troca de tiros e praticamente nenhum bandido foi preso. Uma atuação exemplar do Bope, diziam os especalistas em segurança pública. Mais uma comunidade pacificada. Mais uma UPP instalada e o discurso inflamado de orgulho dos nossos políticos.

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Início da manhã de sábado, dia 4 de junho de 2011, Quartel General do Corpo de Bombeiros, em frente ao Campo de Santana. Desde a noite anterior mais de mil bombeiros haviam invadido o quartel em protesto por melhores salários. Eles também reivindicavam por melhores condições de trabalho e queriam ser recebidos pelo comandante-geral da corporação. A insatisfação dos bombeiros, que sempre contaram com a aceitação da população carioca, já não era novidade há meses e o clima entre eles estava, com perdão do trocadilho, pegando fogo. O estopim da crise foi a invasão do quartel. Madrugada tensa, helicópteros sobrevoavam a área, mulheres e crianças também estavam no local, sem dormir, com frio. Amanhece. O Bope, que em suas incursões "pacíficas" às comunidades do Rio de Janeiro, dificilmente prende um traficante, cerca o quartel e prende os manifestantes de uma corporação que sempre foi parceira da polícia militar do Rio de Janeiro.

Mesmo que eu passe o resto da minha vida na terapia, nunca vou esquecer a imagem daqueles mais de 400 bombeiros humilhados, chamados de vândalos pelo governador, rendidos e cercados pelos policiais do Bope. Assim também como nunca mais vou esquecer os bandidos em fuga na Vila Cruzeiro, que escaparam sob os olhares daqueles mesmos policiais.


Que Deus esteja com eles e que Reich esteja comigo.

Amém!

Um comentário:

  1. Pqp, Márcio, que soco no estômago! Um sensacional soco no estômago!

    Eu também tenho as minhas mais remotas lembranças, tb sinto as dores do mundo e faço terapia há 8 anos. Sou uma pessoa melhor agora. Boa terapia pra vc!

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