
Já faz algum tempo e eu passava ali pela Fonte da Saudade quando vi uma cena que nunca me saiu da cabeça. Era final de uma manhã ensolarada. Destas em que a palheta de cores que nossos olhos refletem fica muito mais intensa. Nas manhãs ensolaradas o tempo também anda bem mais devagar.
Foi em câmera lenta que eu contornei o largo em direção ao engarrafamento que me levaria ao Humaitá quando, à minha esquerda, um grupo de meninas com no máximo nove anos de idade, com uniforme de escola pública, atravessava a rua, em fila indiana. A professora ia na frente e atrás dela aquelas meninas - umas dez, talvez - com praticamente a mesma altura e todas, sem exceção, com mochilas nos mais variados tons de rosa nas costas. A professora, inclusive.
Aquelas meninas estavam felizes naquela manhã. E eu também.
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Tenho acordado cedo estes últimos dias. Muito por conta da criançada que desde às 7h começa a chegar ao colégio que tem bem ao lado do meu prédio. Tem um menino - um dia vou descobrir o nome dele - com o tom de voz acima do que é permitido por lei, que vive aos berros. Já consegui descobrir que seus melhores amigos são a Camila, o Igor e o Bernardo de tanto que ele grita seus nomes. Acho que ele gosta da Camila, mas a Camila gosta do Igor, que não gosta dela. Já o Bernardo, eu não sei. Só sei que tenho acordado cedo por conta do movimento no colégio ao lado.
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Aí, levanto, leio o jornal, dou um giro na internet. Nunca como nada de manhã. Não consigo. No máximo bebo um suco. Segundas e quartas os professores de violão e desenho dos meus mais novos amanhecem lá em casa. Nos outros dias, eles dormem até mais tarde. Os meus filhos. Os professores, eu não sei. Nunca ligo a TV pela manhã. Nesta quinta-feira, sabe-se lá por que cargas dágua, eu liguei.
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As cenas de um massacre numa escola americana que tanto me impressionaram há alguns anos já estavam escondidas no meu baú de lembranças ruins. Os filmes Tiros em Columbine e Elefante também. Não poderia imaginar que, ao ligar a TV na manhã daquela quinta-feira, todas aquelas cenas que eu pensava ter esquecido voltariam à tona. Eu só queria ver se a Ana Maria Braga - e daí? - ia fazer alguma receita que valesse a pena. Só isso. Mas Ana Maria e seu inseparável Louro José estavam conversando com uma menina que havia sofrido bullying - o tema da moda - na escola. A mãe, costureira, achava que a filha sofria preconceito por ter vindo do interior do Paraná.
- Lá no interior do Paraná, de onde nós viemos, nós temos o sotaque carregado mesmo -justificava a mulher, com todos os "esses e erres" bem torcidinhos, antes de ser interrompida por uma chamada do plantão do RJ TV.
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Uma escola municipal na Zona Oeste do Rio de Janeiro havia sido invadida por um bandido. A única informação era que tiros foram disparados dentro da escola e a sensação de que alguma coisa muito grave estava acontecendo por lá. Olhei pela janela do meu quarto e vi cruzar no céu nublado dois helicópteros. O barulho que eles fizeram despertou a ira do meu vira-latas, que deu o ar da graça na varanda. Meus filhos continuavam dormindo, minha mulher tinha levado meu sogro para fazer exame de sangue, e eu ali na cama, com a TV ligada e as imagens de um crime sem precedentes invadindo a minha manhã e contaminando todo o meu dia.
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Saí do quarto, tomei meu banho, me arrumei e corri para o Largo do Machado. Desde a semana passada eu tinha marcado um compromisso que me tomaria todo o início da tarde. Fui ouvir que preciso aprender a falar francês, que tenho de levar meus textos a uma editora, que necessito urgentemente voltar a fazer exercícios físicos e que, ora bolas, a Claudia era a mulher da minha vida. Ouvi também que não sou filho do meu pai, que minha mãe só veio aqui para me encontrar, que não posso nunca usar acento no meu nome, que meu filho mais velho já foi filho da minha mulher e que eu só fiz 18 anos em 1995. Portanto, só tenho 34 anos e não 42. Parece loucura.
Naquelas duas horas eu ouvi muita coisa. Mas nada a respeito da louco que invadiu o colégio em Realengo e matou 12 crianças inocentes.
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Cheguei na redação mais cedo que de costume naquela quinta-feira. Clima pesado. Todos, cada um a seu modo, chocados com as notícias que, infelizmente, teríamos de publicar. A editoria Rio precisando de reforço, as pautas que não paravam de surgir, as histórias dramáticas daquelas vidas interrompidas, a impotência de nossas autoridades, o choro da nossa presidenta, o desespero dos pais que perderam seus filhos e em mim a certeza de que sou de outro planeta.
Eu estava triste e tinha a sensação de que todo mundo também estava.
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- Agora vai todo mundo achar que só porque você é tímido, retraído, que gosta de ficar sozinho e que passa horas na Internet, que você é louco, me disse um amigo, no dia seguinte à tragédia.
- É um risco que não corremos sozinhos, respondi. Respondi também que outros fatores deveriam ser observados e que se analisássemos a fundo história de vida daquele rapaz que invadiu a escola e que disparou contra os alunos poderíamos encontrar algumas explicações. Só não iríamos encontrar uma coisa: amor.
- Ou a gente ama ou a gente enlouquece, eu falei.
E aquela brutalidade toda, naquela escola em Realengo, naquela manhã nublada de quinta-feira... meu Deus, que loucura!
Foi em câmera lenta que eu contornei o largo em direção ao engarrafamento que me levaria ao Humaitá quando, à minha esquerda, um grupo de meninas com no máximo nove anos de idade, com uniforme de escola pública, atravessava a rua, em fila indiana. A professora ia na frente e atrás dela aquelas meninas - umas dez, talvez - com praticamente a mesma altura e todas, sem exceção, com mochilas nos mais variados tons de rosa nas costas. A professora, inclusive.
Aquelas meninas estavam felizes naquela manhã. E eu também.
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Tenho acordado cedo estes últimos dias. Muito por conta da criançada que desde às 7h começa a chegar ao colégio que tem bem ao lado do meu prédio. Tem um menino - um dia vou descobrir o nome dele - com o tom de voz acima do que é permitido por lei, que vive aos berros. Já consegui descobrir que seus melhores amigos são a Camila, o Igor e o Bernardo de tanto que ele grita seus nomes. Acho que ele gosta da Camila, mas a Camila gosta do Igor, que não gosta dela. Já o Bernardo, eu não sei. Só sei que tenho acordado cedo por conta do movimento no colégio ao lado.
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Aí, levanto, leio o jornal, dou um giro na internet. Nunca como nada de manhã. Não consigo. No máximo bebo um suco. Segundas e quartas os professores de violão e desenho dos meus mais novos amanhecem lá em casa. Nos outros dias, eles dormem até mais tarde. Os meus filhos. Os professores, eu não sei. Nunca ligo a TV pela manhã. Nesta quinta-feira, sabe-se lá por que cargas dágua, eu liguei.
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As cenas de um massacre numa escola americana que tanto me impressionaram há alguns anos já estavam escondidas no meu baú de lembranças ruins. Os filmes Tiros em Columbine e Elefante também. Não poderia imaginar que, ao ligar a TV na manhã daquela quinta-feira, todas aquelas cenas que eu pensava ter esquecido voltariam à tona. Eu só queria ver se a Ana Maria Braga - e daí? - ia fazer alguma receita que valesse a pena. Só isso. Mas Ana Maria e seu inseparável Louro José estavam conversando com uma menina que havia sofrido bullying - o tema da moda - na escola. A mãe, costureira, achava que a filha sofria preconceito por ter vindo do interior do Paraná.
- Lá no interior do Paraná, de onde nós viemos, nós temos o sotaque carregado mesmo -justificava a mulher, com todos os "esses e erres" bem torcidinhos, antes de ser interrompida por uma chamada do plantão do RJ TV.
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Uma escola municipal na Zona Oeste do Rio de Janeiro havia sido invadida por um bandido. A única informação era que tiros foram disparados dentro da escola e a sensação de que alguma coisa muito grave estava acontecendo por lá. Olhei pela janela do meu quarto e vi cruzar no céu nublado dois helicópteros. O barulho que eles fizeram despertou a ira do meu vira-latas, que deu o ar da graça na varanda. Meus filhos continuavam dormindo, minha mulher tinha levado meu sogro para fazer exame de sangue, e eu ali na cama, com a TV ligada e as imagens de um crime sem precedentes invadindo a minha manhã e contaminando todo o meu dia.
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Saí do quarto, tomei meu banho, me arrumei e corri para o Largo do Machado. Desde a semana passada eu tinha marcado um compromisso que me tomaria todo o início da tarde. Fui ouvir que preciso aprender a falar francês, que tenho de levar meus textos a uma editora, que necessito urgentemente voltar a fazer exercícios físicos e que, ora bolas, a Claudia era a mulher da minha vida. Ouvi também que não sou filho do meu pai, que minha mãe só veio aqui para me encontrar, que não posso nunca usar acento no meu nome, que meu filho mais velho já foi filho da minha mulher e que eu só fiz 18 anos em 1995. Portanto, só tenho 34 anos e não 42. Parece loucura.
Naquelas duas horas eu ouvi muita coisa. Mas nada a respeito da louco que invadiu o colégio em Realengo e matou 12 crianças inocentes.
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Cheguei na redação mais cedo que de costume naquela quinta-feira. Clima pesado. Todos, cada um a seu modo, chocados com as notícias que, infelizmente, teríamos de publicar. A editoria Rio precisando de reforço, as pautas que não paravam de surgir, as histórias dramáticas daquelas vidas interrompidas, a impotência de nossas autoridades, o choro da nossa presidenta, o desespero dos pais que perderam seus filhos e em mim a certeza de que sou de outro planeta.
Eu estava triste e tinha a sensação de que todo mundo também estava.
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- Agora vai todo mundo achar que só porque você é tímido, retraído, que gosta de ficar sozinho e que passa horas na Internet, que você é louco, me disse um amigo, no dia seguinte à tragédia.
- É um risco que não corremos sozinhos, respondi. Respondi também que outros fatores deveriam ser observados e que se analisássemos a fundo história de vida daquele rapaz que invadiu a escola e que disparou contra os alunos poderíamos encontrar algumas explicações. Só não iríamos encontrar uma coisa: amor.
- Ou a gente ama ou a gente enlouquece, eu falei.
E aquela brutalidade toda, naquela escola em Realengo, naquela manhã nublada de quinta-feira... meu Deus, que loucura!
È, Marcio, não dá pra dimensionar o que sentimos quando assistimos à tragédias como essa do colégio em Realengo. Não dá pra generalizar os comportamentos, mas com certeza o rapaz não tinha amor, atenção; quem convivia com ele sabia que ele era estranho e tinha fisura por armas, e ninguem nunca fez nada. Isso é falta de amor, de olhar... Infelizmente, ele, tb, é vítima do descaso, de uma sociedade totalmente desorganizada, desestruturada, e tantos outros problemas.
ResponderExcluirE, no dia seguinte, em outra parte do mundo, Holanda, outro atentado. Não tem nacionalidade, não tem status social, poder aquisitivo.
Só nos resta rezar muito, por quem se foi e por aqueles que ficaram, destroçados...
Beijo,
Densie
M(Á)rcio,
ResponderExcluirO AMOR é realmente o alimento, o combustível, a sobrevivência do ser humano.
Todo o ser humano necessita de algo que chama-se ATENÇÃO...a partir do momento que damos atenção a "qualquer" coisa...estamos dando AMOR.
Falta de atenção (Amor), destrói...o AMOR constrói.
(...uma sugestão apenas...das 2 horas q vc passou com alguem falando as bobagens q vc mesmo reconheceu, aposte no que vocÊ escreve, confie em VOCê...e aproveite para conhecer-se melhor em 2 horas escrevendo...vai descobrir muito mais...aliás vc sabe disso tudo - só não diga que ainda pagou p ouvir...)
Bj, Adriana Jung B. Ferreras
É Márcio,(com acento?),foi um dia muito triste
ResponderExcluirmesmo. Não dá para entender tanta loucura. Agora, dizer que ele é vítima da falta de amor , me poupem. É um psicopata sem cura. Já veio do limbo para melhorar e jogou suas fichas fora. Agora o caminho é a Capela.
Me diga, o que vc foi fazer no Largo do Machado mesmo? Quem sabe ainda estou longe dos 70? bjs
Nossa Márcio, muito ruim para todos, não só para vcs ai do rio, como para todos do Brasil inteiro, parabéns pelo texto e pelo blog que acompanho todos os dias. só quem tem filhos que consegue entender um pouquinho da dor que esses pais estão sentindo, o que me deixa furioso é ver certos reporters dessas emissoras mais fuleiras perguntando aos pais o que eles estão sentindo naquele momento, impressionante né...
ResponderExcluirabraços
Gustavo Gramolelo
Estava no Rio, na casa da minha filha, me preparando para voltar pro meu Pedacinho do Céu, quando a Tv ligada dava as informações ao vivo. Eu, como diretora de escola, me solidarizava com os professores, pais e mães desesperados, alunos e com a "pobre" diretora. Como impedir a entrada de um ex-aluno na escola? Como imaginar que o maluco terrorista iria atirar em crianças. Ele passou metade da vida elaborando esse ato repugnante e ninguém nunca observou o quanto era louco? Que Deus o tenha no Inferno!
ResponderExcluirAgora me diga, o que tem no Largo do Machado???
Estava como vc, tomando meu café matinal (que nunca dispenso) e descompromissadamente assistindo Mais Você e a tal matéria sobre Bullyng. Juro que também só queria ouvir uma receita diferente.
ResponderExcluirAcredito que não basta recebermos amor. Temos que saber usá-lo. Muitos pais, adotivos ou não desconhecem a forma de amor que dão aos seus filhos. Amar é fácil, ensinar a ser amado é o segredo.